Portugal: Presidente da direção da Associação Inclusos lamenta falta de presença do sistema prisional na agenda política

Paulo Neves, ligado à Pastoral Penitenciária da Diocese do Porto, aponta falta de condições nas prisões, locais que devem ser «mais humanos»

Foto: Lusa

Porto, 21 maio 2025 (Ecclesia) – O presidente da Associação Inclusos, que atua junto de reclusos, lamentou a falta de presença do sistema prisional na agenda política e identificou as fragilidades que este apresenta.

“Este tema não está presente. Perguntaria se alguém se lembrou ou se alguém se lembra de alguma coisa que foi falada sobre prisões durante a campanha eleitoral. Não me lembro de nada, nem sei se alguém se lembra de alguma coisa”, afirmou Paulo Neves, em declarações à Agência ECCLESIA.

O visitador prisional, que está ligado à Pastoral Penitenciária na Diocese do Porto, observa que o tema das instituições prisionais, quando é falado, “é sempre pela negativa, no sentido de aumentar as punições ou aumentar a reclusão” e, “se calhar, é essa também a leitura que faz grande parte da sociedade”.

Consideramos que os bons estão cá fora e os maus estão lá dentro e, por isso, temos de tratar os maus de uma certa forma, e nós, os bons, queremos estar alheios de tudo isso. E de certo modo a classe política também retrata um bocadinho esse sentir social”.

O presidente da direção da Associação Inclusos defende que o assunto deveria ter “outro tempo de antena”, aludindo a Álvaro Laborinho Lúcio, ex-ministro da justiça, que defendeu que a forma como cada um trata as pessoas que estão no sistema prisional denota a evolução humana da sociedade.

“Se nós formos sérios e se medirmos essa forma como nós tratamos as pessoas em reclusão e tentarmos ver aí a nossa evolução, vemos que deixa muito a desejar e há muito a fazer”, realçou.

Paulo Neves considera que o modo como o sistema prisional funciona é “potenciador” de episódios como o da fuga de cinco reclusos da prisão de Vale dos Judeus, em Lisboa, em setembro de 2024, bem como de outras situações “que vão acontecendo e muitas delas nem têm a repercussão nos meios de comunicação social”.

Estou a falar, por exemplo, do número até de suicídios que existe no contexto prisional, que são números preocupantes, mas que não têm nenhuma repercussão ou quase nenhuma na sociedade civil”.

Sobre os problemas no sistema prisional, o entrevistado aponta as condições dos edifícios, a “sobrelotação”, o facto de ainda existirem “cadeias com camaratas”, algumas “com mais do que 10 reclusos juntos”, “com perfis criminais diferentes”, potenciando “situações de conflito” e contrariando os objetivos pelos quais existe a prisão.

Também a alimentação, o cuidado com a saúde mental e os programas de ocupação do tempo no contexto prisional, que são insuficientes, são fragilidades apontadas pelo visitador de prisões.

Foto: Centro Português de Fotografia

A associação Inclusos, associação para apoio a pessoas livres, de modo especial a pessoas em situação de privação de liberdade, organizou no último sábado, uma conversa intitulada “Haverá esperança na prisão? – Por uma cultura da esperança em contexto prisional”, no Centro Português de Fotografia, cujas instalações são a antiga cadeia da relação do Porto.

A iniciativa, realizada no âmbito do 2ºaniversário da Inclusos e atendendo aos desafios deixados pelo Papa Francisco para o Jubileu 2025, contou com a participação de diferentes oradores: um professor de direito penal, uma dirigente prisional, um cidadão que esteve em reclusão e uma visitadora prisional.

“Há uma série de relatos, de testemunhos e de números até, que mostram que as prisões são locais pouco recomendáveis para uma perspetiva humanista e de reinserção das pessoas, mas apesar disso, ou até por causa disso, se calhar, é nesses locais onde parece faltar a esperança, é que ela muitas vezes surge como uma grande âncora e como a tábua de salvação”, destacou Paulo Neves.

O presidente da direção da Associação Inclusos indica que o caminho para aumentar a cultura de esperança nas prisões passa pela reflexão, por potenciar visitas, pelas artes, pela proximidade entre a prisão e a sociedade civil.

Também as pessoas que estão ligadas ao sistema prisional são importantes neste objetivo: “O enfoque veio sobretudo na qualidade humana que se exige para que estes locais sejam precisamente locais mais humanos e mais humanizadores, que muitas vezes deixam muito a desejar”.

Face à vastidão de “problemas” com que as prisões que confrontam, Paulo Neves refere que no encontro se falou de “uma revisão do próprio sistema prisional”.

“Nós não temos essa ambição, mas queremos fazer algum caminho, pelo menos nos contextos onde estamos, para ajudar a colmatar alguns destes problemas, seja colaborando com o sistema prisional, seja colaborando também com as direções das cadeias”, disse.

A colaborar com a Pastoral Penitenciária na Diocese do Porto, Paulo Neves refere que o desejo é que haja “muito mais gente ligada a esta área”, porque, como se diz na Igreja, é necessário ir “ao encontro das periferias e quem está mais à margem” e “aqui está um terreno fértil”.

O entrevistado dá conta que estão cerca de 12 mil pessoas em contexto prisional em todo o país e cerca de quatro mil no Porto.

“Face ao número de voluntários e colaboradores que temos, no âmbito da assistência espiritual e religiosa e no âmbito associativo, desejávamos sempre muito mais”, reforça.

A Inclusos nasceu a 16 de maio de 2023, quando se assinala o Dia Internacional de Viver juntos em Paz, uma data que não foi escolhida ao acaso, dado que a associação persegue esse desejo.

Paulo Neves explica que a associação surgiu para complementar a ação da Pastoral Penitenciária de alguns estabelecimentos prisionais no Porto, como o de Santa Cruz do Bispo, de Custóias e a prisão anexa à Polícia Judiciária do Porto.

“Podemos dizer que é uma associação que pretende aproximar, de certo modo, esta realidade prisional da sociedade civil”, mencionou.

A associação atua em três áreas: prevenção de comportamentos de risco e de sensibilização para a realidade prisional, acompanhamento prisional, através de atividades ligadas ao voluntariado, e reinserção social.

LJ/PR

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