Portugal: País precisa de soluções para tratar «ferida social da habitação»

Daniel Lobo, membro da Comissão Justiça e Paz e Ecologia, dos Institutos Religiosos, aponta respostas para problema que ameaça toda a sociedade

Lisboa, 06 jul 2025 (Ecclesia) – Daniel Lobo, membro da Comissão Justiça e Paz e Ecologia, dos Institutos Religiosos de Portugal, afirmou que o país precisa de encontrar soluções para a “ferida social da habitação”, que afeta toda a sociedade.

“Uma das funções é despertar consciências, trazer a questão das falhas estruturais do modelo económico e social, que nos parece mais importante também refletir, perceber que a crise da habitação é só um sintoma desse modelo maior”, refere o arquiteto, em entrevista à ECCLESIA e Renascença, emitida e publicada este domingo.

A Comissão Justiça, Paz e Ecologia da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CJPE-CIRP) é uma das entidades promotoras da “Carta da Habitação”.

“Não podemos ir para respostas que alimentam lucros privados, sem criar as casas para quem precisa delas para viver”, assinala o entrevistado.

Daniel Lobo defende um maior foco nas medidas imediatas, como “controlo de rendas, impedir os despejos, mobilizar os devolutos ou vazios, mas também alojamento de emergência”.

“Podemos estar, assim, a resolver o problema humanitário e a investir nas pessoas, na sua formação, na sua capacitação, no seu envolvimento cívico, em vez de focar o investimento no aumento dos lucros de quem faz especulação”, insiste.

Enquanto este tipo de solução não for uma realidade, a ferida social da habitação continuará, e continuará a abrir as tais fendas que nós vemos de exclusão, de injustiça, de desumanização.”

Para o arquiteto urbanista, um dos promotores do Grupo Habitação e Habitat (GHH), “há muito que as políticas públicas da habitação falham e isso, obviamente, tem repercussões graves, tem vindo a ter repercussões cada vez mais graves”.

O entrevistado critica medidas como a atribuição dos vistos gold, considerando que “são nefastas para o aumento dos preços da habitação, principalmente em zonas de maior pressão urbanística, de maior valorização”.

“Isto aplica-se também à turistificação, a todas as alterações que fazem acontecer nas cidades”, acrescenta.

Daniel Lobo entende que, perante o problema, “há falta de vontade política, há falta de vontade cívica, até vontade pastoral, se calhar”.

O GHH, explica, quer desenvolver a sua missão “sem substituir o Estado”, procurando colaborar e “ser uma força positiva”.

Em termos de Igreja, o membro da CJPE-CIRP adianta que a primeira ação foi um questionário para “mapear a oferta de alojamento social”.

Neste momento, precisa Daniel Lobo, há “vários soluções” que os Institutos religiosos oferecem, em situações de emergência ou mesmo situações de longa duração”.

Para o especialista, é “viável” pensar que mosteiros e conventos menos ocupados possam ser espaços de habitação.

“Acho que até a maior dificuldade poderá ser a adaptação institucional”, aponta, assinalando que “já há exemplos e há boas práticas”.

O entrevistado admite que os membros do grupo que acompanham mais de perto situações de despejo estão “profundamente preocupados”, falando em “muitos casos que não têm voz”.

Questionado sobre a situação em Loures, o entrevistado considera “injusto colocar ónus todo, neste caso, especificamente no caso dos arrendatários da Câmara Municipal, que têm dívidas”.

O arquiteto convida os autarcas a “olharem para o contexto e procurar medidas mais preventivas, encontrarem programas sociais como o ‘Housing First’, que possam dirimir as consequências” e “chegar mais próximo das pessoas”.

Em comunicado divulgado a 20 de junho, o Município de Loures abordou as “alegadas ordens de despejo” na Urbanização Municipal Terraços da Ponte (anteriormente conhecida como Quinta do Mocho), referindo que a autarquia baseia a sua atuação no “regime jurídico aplicável ao arrendamento apoiado”.

A Câmara, indicava a nota enviada à Agência ECCLESIA, “privilegia a regularização voluntária, mas não pode deixar arrastar situações de incumprimento que põem em causa o acesso a uma habitação digna às famílias que se encontram em lista de espera”.

Para Daniel Lobo, é preciso comunicar melhor, assinalando que “quem está próximo destas pessoas, quem as acompanha, sabe que a realidade destas pessoas é muito diferente do cidadão comum”.

“A maior parte das pessoas que eu acompanhei não conseguia ler uma carta”, adverte.

O entrevistado considera que “há uma série de vulnerabilidades que têm de ser acauteladas, não pode ser uma medida igual para todos”.

“A Constituição, a Lei de Bases da Habitação, os acordos internacionais que Portugal estabeleceu nesta matéria, estão a ser desrespeitados”, lamenta.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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