Portugal: «Não podemos pensar uma pastoral da Igreja, verdadeiramente, sem uma pastoral dos idosos» – Padre Francisco Ruivo

A caminho do Jubileu das famílias, das crianças, dos avós e dos idosos, e depois de a Conferência Episcopal Portuguesa ter aprovado a criação do Serviço Nacional da Pastoral dos Idosos, é convidado da Renascença e da Agência ECCLESIA o padre Francisco Ruivo, sacerdote da Diocese de Santarém e coordenador deste novo serviço

Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

Num país envelhecido, era uma necessidade a Igreja reforçar o acompanhamento e a atenção pastoral à população mais idosa?

Num país envelhecido, e eu diria num mundo envelhecido, há absoluta necessidade de olhar para os idosos com um olhar muito mais fixo. Isto é, a Igreja deve ter permanentemente esta preocupação. Criar, de facto, um serviço voltado para os idosos é uma exigência que vem da Santa Sé. Foi distribuído um inquérito a todas as Conferências Episcopais do mundo, precisamente sobre a pastoral dos idosos, essas respostas chegaram à Santa Sé e foram, entretanto, publicadas já algumas das conclusões. Nós verificamos que alguns países têm uma pastoral dos idosos muito desenvolvida, outros estão a começar, outros não têm nada. Ou seja, está-se a trabalhar em diversos ritmos, mas esta necessidade é tremenda.

 

E como é que está Portugal? Em que lugar se está?

Portugal está no ponto zero.

 

Agora já não…

Eu não quero ter uma leitura pessimista da realidade e ter uma atitude negativa. Eu sei que há experiências pontuais e bonitas, e dessas experiências pontuais que vão existindo, eu acho que é importante serem divulgadas, precisamente para entusiasmar outras comunidades. Mas, de qualquer modo, em termos estruturais, nós não temos nada ainda.

 

E esta nomeação vem na sequência de quê?

Em primeiro lugar, o Serviço de Pastoral dos Idosos está incluído na Pastoral Familiar, como não poderia deixar de ser, mas é um serviço que no fundo tem a sua autonomia, tem o seu dinamismo próprio. Tendo participado, enquanto também assistente do Departamento Nacional da Pastoral Familiar, no ano passado, num webinar sobre os idosos, a Pastoral dos Idosos, sentimo-noss interpelados e dissemos que é preciso olhar, de facto. E estes webinars, estes congressos que estão a acontecer, mostram-nos a necessidade absoluta de não ficarmos parados, indiferentes ao que está a acontecer noutros países, mas sermos capazes também de dar alguns passos.

 

O primeiro desafio é a criação da tal estrutura, isso será feito a breve prazo? 

Sim, será feito. Nós estamos no final do ano pastoral e, portanto, nós estamos a fechar uma série de capítulos, como é normal. A minha vontade é até ao final deste verão ter uma equipa. Já tenho algumas coisas pensadas, diremos até duas pessoas faladas, que mostraram disponibilidade, para depois começarmos a auscultar as dioceses.

Em primeiro lugar temos de perceber o que temos e o que é existe. E comunicar e partilhar o que existe de bom. Será um contato diocese a diocese, para incentivar a que possa haver uma pequena estrutura também, em cada uma. Será um trabalho longo, como devem calcular, mas eu creio que será um trabalho contagiante em que uns poderão entusiasmar outros neste setor.

 

Nesse sentido, até olhando para a realidade portuguesa, certamente haverá maior facilidade de contacto com o apoio a idosos que se encontram em instituições, como os lares, por exemplo. Já percebe que um dos desafios vai ser ir ao encontro daqueles que vivem sós?

Isso é algo que me inquieta bastante. Perceber e ver a solidão em que muitas pessoas que vivem. Eu estou aqui na cidade de Santarém, não é uma cidade cosmopolita como Lisboa e Porto, mas é uma cidade que não deixa de ter os mesmos problemas das grandes cidades. O problema da solidão entre as pessoas que vivem sós; isso incomoda-me bastante. E, portanto, eu diria que um dos trabalhos, um dos desafios maiores que nos é colocado é ir ao encontro desta gente que vive completamente só, que não tem nada.

E perceber onde é que eles estão, não é?
Exatamente. Eu tenho dito, nalgumas reuniões, até aqui na diocese, que eu sinto que a solidão é de uma agressividade grande, até perturbadora. E alguém dizia, “mas há muita gente que está nos lares”. Sim, mas há muito, se calhar muito mais gente, que está em casa sozinha. E é essa realidade a que a Igreja não tem dado grandes respostas, a meu ver. Ou se o tem, não é partilhado, não é falado.

Diferente é a situação das aldeias, onde existe o sentido de vizinhança e o sentido de vizinhança é sentido de proximidade. Se alguém não vê o vizinho um dia, vai logo à procura dele. Nas cidades não…

 

Outra realidade, por vezes cruel, é a vivida em muitos hospitais do país, onde muitos idosos permanecem internados porque não há quem os acolha, ou sobretudo a família que os receba. Este é outro desafio importante. Já pensou em algum tipo de resposta? 

Uma das pessoas, porque é alguém que está muito mais familiarizado com esse meio, que eu penso incluir nesta equipa de trabalho é alguém que trabalha no hospital. É uma radiologista. Ela conhece muito bem esta realidade, ela conhece muito bem esse mundo e poderá ajudar-nos a todos a encontrar respostas. Nós sabemos que há serviço voluntariado, mas é preciso incentivar muito esse voluntariado. Isto eu sinto-o particularmente. Temos, por isso, de perceber que tipo de resposta e que tipo de soluções poderíamos encontrar para minimizar todo este sofrimento que as pessoas vivem e esta situação de abandono em que as pessoas se encontram.

 

Estamos a falar de formas possíveis de desenvolver o serviço. Esta é também uma oportunidade para valorizar o contributo dos mais velhos nas comunidades católicas? Nós sabemos que muitas vezes a pastoral é pensada para destinatários…

Exatamente. Um dos objetivos da pastoral do idoso, que a maior parte das vezes é uma pastoral assistencialista ao idoso, é torná-lo protagonista.  A preocupação espiritual por este grande número de pessoas que, muitas vezes, se veem só numa atitude existencialista e perceber o que eles nos poderão dar, o contributo que eles nos poderão ajudar a todos nós. Aliás, estou convencido que nós não podemos pensar uma pastoral da Igreja, verdadeiramente, sem uma pastoral dos idosos. Cada vez mais.

 

Nós viemos agora de uma campanha com muitas promessas, muitas vezes dirigidas precisamente a esta faixa etária. Espera que se implementem políticas que valorizem os idosos e, em especial, que assumam o valor que os avós têm para a vida de tantas e tantas famílias? 

Eu confesso que desejaria muito que sim. Muito. Creio que seria, sem dúvida, olhar por uma franja de pessoas da nossa sociedade, muitas vezes descartadas, e perceber a importância que elas têm hoje na vida das comunidades e na nossa sociedade. Eu creio que se as propostas que foram apresentadas nesta última campanha, se elas se concretizassem, eu creio que daríamos passos gigantes no acolhimento e, no fundo, em ajudar a dignificar esta fase da vida, que muitas vezes, como nós sabemos, é considerada um peso e são provavelmente descartadas.

 

O problema é quando as promessas, como é costume, não passam de promessas?

Exatamente. Esse é o grande receio, não é? Mas, de qualquer modo, a Igreja tem de ter um papel importante neste campo.

 

A articulação com os serviços públicos, mas com outras instituições da Igreja, como Misericórdias e Instituições de Solidariedade, vai ser fundamental para o sucesso, digamos assim, do novo serviço? 

Não tenho dúvida. O poder valorizar e incentivar as pessoas a um voluntariado. Um voluntariado dos mais diversos níveis. Falamos há pouco do serviço dos hospitais e dos doentes que estão lá completamente abandonados. É preciso despertar a comunidade. É preciso, de facto, uma grande conversão das comunidades cristãs para que as pessoas que vivem isoladas em suas casas possam ter um acompanhamento. Como, aliás, já vai acontecendo nos centros de dia e lares. Eu creio que o espectro é grande. Agora, é preciso darmos passos em cada uma das áreas e levar a comunidade a uma profunda conversão aos idosos.

No final deste mês, nós vamos viver o Jubileu das famílias, das crianças, dos avós e também dos idosos. Este diálogo entre gerações é um dos grandes legados do pontificado do Papa Francisco? 

É sim, senhor. Não é por acaso que ele tem tantos e inúmeros apelos ao diálogo intergeracional e à importância dos idosos. Ele instituiu o Dia Mundial dos Avós como nós sabemos. Não é o melhor domingo, porque na nossa cultura já está muita gente de férias. Mas tudo isso são sinais e são apelos para sermos capazes de olhar para a família no seu todo e não ter os idosos como um peso muito grande.
Nós sabemos que, no mundo, até desta leitura que eu fiz de algumas conclusões deste questionário que foi lançado ás Conferências Episcopais, como há pouco vos referenciei, nós vamos encontrando nas sociedades desenvolvidas este isolamento, este descarte dos idosos que é muito mais violento até do que nas sociedades em via de desenvolvimento.

E nesse questionário, houve uma coisa que me impressionou bastante num resultado apresentado pela Conferência Episcopal da Austrália: muitos dos idosos pediam a eutanásia, precisamente para não se sentirem um peso para a família. E esse questionário apresentava um número elevado de idosos – cujo número agora não me recordo – que estavam a entrar numa profunda depressão. E, portanto, isto é fruto de um desenvolvimento em que o que conta muitas vezes é todo o materialismo. E estas relações humanas, esta relação de proximidade, esta relação com o mais velho, a riqueza que eles podem ter para nós, fica completamente descartada.

 

E o padre Francisco receia que, em Portugal, se possa também caminhar para uma estatística idêntica a essa que agora revelou, relativamente à Austrália? 

Se nós não pegarmos, se nós não despertarmos, se nós não alertarmos, cairemos como qualquer outro país. Olhamos precisamente para outros países. Estamos a ver aqui a França, a própria Alemanha, mesmo a Suíça, em que este fenómeno começa a ter bastante peso. E, portanto, nós não ficamos indiferentes. Nós acabamos por ser arrastados e engolidos por essa mentalidade.

 

Falou da questão da cultura do descarte, que me parece sintetizar bem essa frase que era um dos grandes motes do pontificado do Papa Francisco. Já a um de junho vamos ter o Papa Leão XIV a presidir a esta missa do Jubileu das famílias, das crianças, dos avós e dos idosos. Vai ser uma oportunidade ideal para abrir um novo capítulo neste diálogo?

Olhe, eu faço a ideia de lá estar. Do Departamento Nacional não pode ir todos, por motivos até de saúde de alguns, mas lá estaremos. Estarão três dos cinco casais. Estarei eu. Estará o D. Nuno Almeida e o secretário da Comissão do Episcopal. Estaremos lá no Jubileu das famílias, porque acho que é importante no fundo, é quase que representar as famílias portuguesas.

E no programa deste Jubileu das famílias, concretamente no sábado de manhã, haverá uma conferência, precisamente, sobre o valor dos idosos. Será na Basília de Santa Maria de Trastevere. E, portanto, nós verificamos que o próprio Jubileu em si, com momentos celebrativos, com momentos de festa, contemplou, sem dúvida, a manhã de sábado, precisamente, para se dedicar aos idosos. Tenho alguma expectativa naquilo que vai ser percorrido nessa conferência, e tenho grande expectativa do que é que o nosso Papa, Leão XIV, vai dizer às famílias.

 

O Dia Mundial dos Avós de 2025 tem como tema, “bem-aventurado, aquele que não perdeu a esperança”. É uma inspiração para o novo serviço pastoral? 

Claro que é. Não tenhamos a menor dúvida, porque, no fundo, pretendemos promover o contacto com muitos idosos.  Eu recordo-me que, no tempo da Covid estava tudo isolado. E uma das preocupações que eu tive foi telefonar com regularidade, de dois em dois dias, a uma série de idosos que eu sabia que estavam sozinhos, que não tinham família. E eu telefonava para perguntar como é que estavam. Eu já sabia o que eles me iam dizer, mas a simples possibilidade de eles poderem conversar, perceberem que havia alguém que não se tinha esquecido deles, o poderem comunicar, eu acho que foi bastante saudável. E foi a partir muito dessa experiência que tive que me despertou muito para esta relação de proximidade com eles, porque muitas vezes já perderam a esperança, a esperança da mudança, e perguntam-se muitas vezes “o que é que eu ando cá a fazer?”. Ora, isto é terrível. Devemos abanar interiormente. E porquê? Porque perderam todo o sonho, perderam todo o sentido da vida, perderam o gosto pela vida, e, portanto, é muito importante poder transmitir-lhes esta bem-aventurança de que a esperança é aquela que, no fundo, nos galvaniza para continuar a sonhar, mesmo já não podendo sair de casa. Isto é que é importante.

 

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