Portugal: Estudo da Cáritas alerta para elevado número de situações «extremas» de exclusão social

Instituição identifica «retrocesso» no combate à pobreza em áreas como a alimentação ou habitação

Lisboa, 18 mar 2025 (Ecclesia) – Um novo estudo da Cáritas Portuguesa, publicado hoje, alerta para uma prevalência “estruturalmente elevada” de situações “extremas” de exclusão social, no país.

“Em 2024, de acordo com as estatísticas do INE, cerca de 500 mil pessoas viviam em privação material e social severa, 266 mil não tinham capacidade financeira para terem uma alimentação adequada, 649 mil não tinham capacidade para comprar roupa nova, mais de 1 milhão não tinham meios para gastar uma pequena quantia consigo e mais de 1,6 milhões não conseguia manter a casa devidamente aquecida”, refere o documento, enviado à Agência ECCLESIA.

O estudo, apresentado no âmbito da Semana Nacional da Cáritas, vai ser analisado a partir das 09h30, no Auditório Alto dos Moinhos, em Lisboa, durante o evento “Retrato da Pobreza em Portugal e na Europa:  da Realidade à Esperança”, com a presença de Maria Nyman, secretária-geral da Cáritas Europa.

‘Pobreza e exclusão social em Portugal: uma visão da Cáritas’ é um estudo coordenado por Nuno Alves, do Observatório da Cáritas.

Segundo o documento, “as situações mais extremas de privação habitacional são também um problema premente”.

“As estatísticas disponíveis apontam para uma quase duplicação das pessoas em situação de sem-abrigo entre 2019 e 2023”, pode ler-se.

A taxa de sobrecarga das despesas em habitação é “particularmente acentuada para os agregados familiares com menores rendimentos” e a taxa de sobrelotação da habitação, registou um “forte aumento” em 2023, para 12,9%, face a 9,4% em 2022 e 9,5% em 2019.

Com o aumento acentuado das rendas e dos preços da habitação, o acesso a uma habitação adequada tem-se revelado cada vez mais desafiante”.

Foto: Cáritas Portuguesa

Em 2024, 19,7% da população portuguesa vivia em risco de pobreza ou exclusão social (21,1% em 2019); 11,0% da população vivia em privação material e social e 4,3% em privação material e social severa (13,2% e 5,6% em 2019, respetivamente).

A taxa de risco de pobreza dos trabalhadores é de cerca de 9%, “o que contrasta com um objetivo de 5% na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza”.

Já a percentagem de crianças em risco de pobreza situa-se em cerca de 18%, ainda longe do objetivo de 10%.

“É assim urgente um novo impulso na luta contra a pobreza e a exclusão em Portugal”, aponta a Cáritas.

A organização católica aponta ao “desígnio nacional” da erradicação da pobreza e da exclusão, com uma “participação digna de todos na vida em sociedade”.

Há questões estruturais e de aposta em políticas pré-distributivas e redistributivas que justificam o facto de Portugal ainda se situar longe destes resultados”.

Foto: Cáritas Portuguesa

Segundo o estudo, nos últimos anos os progressos no combate à pobreza e exclusão foram “mais modestos” do que os observados no período anterior à pandemia de Covid-19.

“Num quadro de quase pleno emprego no mercado de trabalho, os progressos na luta contra a pobreza têm-se revelado mais ténues. Em várias dimensões, tem havido mesmo um retrocesso, nomeadamente no aumento do número de pessoas sem capacidade para ter uma alimentação adequada ou no número de pessoas em situação de sem-abrigo”, adverte a Cáritas.

No quadro da União Europeia, Portugal continua a apresentar um dos menores contributos das transferências sociais (excluindo pensões) para a redução do risco de pobreza.

“Dado o impacto sistémico e intergeracional da pobreza sobre a vida em sociedade – incluindo dimensões como a educação, a saúde, a produtividade do trabalho e a confiança nas instituições e nos outros –, estes são investimentos inadiáveis e com retornos muito elevados”, refere o estudo.

O documento alerta para a desigualdade da distribuição do rendimento, sublinhando ainda que as famílias mais vulneráveis “acumulam privações em múltiplas dimensões”.

Em 2023, as maiores taxas de privação material e social severa foram registadas nos Açores (12,0%) e na Madeira (6,3%) e as mais baixas no Alentejo (3,0%), no Algarve (3,6%) e no Centro (3,8%).

As mulheres apresentaram uma taxa de privação severa (5,4%) superior à dos homens (4,2%), tal como nos anos anteriores.

O grau de escolaridade aparece como “um fator essencial na determinação do grau de privação”.

“Dos indivíduos com o ensino superior completo, apenas 0,5% vivia numa situação privação material e social severa em 2024, o que contrasta com 2,6% nos indivíduos com ensino secundário e 7,7% naqueles com escolaridade até ao 9.º ano”, pode ler-se.

A Cáritas Portuguesa alerta para a “transmissão intergeracional da pobreza”, ligada à transmissão dos níveis de educação entre pais e filhos.

“A escolaridade dos pais condiciona a probabilidade de os filhos viverem numa situação de pobreza ou de privação enquanto adultos”, observa o estudo.

A Cáritas identifica como “tendência recente muito relevante” o aumento dos pedidos de apoio por parte de imigrantes.

“As estatísticas oficiais da pobreza e exclusão em Portugal ainda têm dificuldade em captar esta realidade”, assinala a organização católica.

A segunda edição do relatório anual da Cáritas sobre Pobreza e Exclusão Social tem por base os indicadores oficiais do Eurostat e do INE – com destaque para o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, cujos resultados mais recentes foram publicados em dezembro   – e a leitura contínua do Observatório da Cáritas.

A Cáritas celebra, entre os dias 16 e 23 de março, a sua Semana Nacional, com diversas iniciativas, entre elas o Peditório Nacional, que leva milhares de voluntários às ruas e que também vai ser realizado online.

Anualmente, a Cáritas presta apoio a cerca de 120 mil pessoas, através das Cáritas Diocesanas e dos grupos paroquiais que fazem parte da rede nacional.

OC

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