Ana Sofia Carvalho considera prioritário assegurar que cada português tenha possibilidade de «ser cuidado com dignidade no final de vida»
Porto, 28 fev 2018 (Ecclesia) – A diretora do Instituto de Bioética, da Universidade Católica Portuguesa (UCP) considera “absolutamente prematuro” apresentar uma proposta legislativa sobre a eutanásia, um tema em que “é muito difícil” as pessoas entenderem aquilo de que se fala.
“As pessoas podem ter posição a favor ou contra, mas o mais importante é perceber se os argumentos são consistentes com a posição que defendem e se têm argumentos para essa posição”, afirma Ana Sofia Carvalho.
Para a especialista, o que deve marcar a “energia e o debate” é assegurar que cada português tenha direito “a ser cuidado com dignidade no final de vida”.
Em entrevista à Agência ECCLESIA, a responsável observa que “todas as questões ditas fraturantes” têm muito a ver com a matriz cultural dos países e exemplifica que na Bélgica, “praticamente, 75% das pessoas que recorrem à eutanásia são da Flandres” e não são da Bélgica francesa, que já tem uma matriz cultural “muito mais próxima” da portuguesa.
“A matriz cultural tem uma influência muito grande sobre a forma como percecionam o início e fim de vida; estas coisas têm de se estudar antes de partirmos para a etapa final que é a legislação”, sublinha.
A diretora do Instituto de Bioética da UCP sustenta que as políticas “têm de estar informadas com algum tipo de evidência” e é aí que querem contribuir “com a investigação e a formação” que fazem.
A entrevistada faz parte do Grupo Europeu de Ética em Ciência e Novas Tecnologias e explica que a ética, teoricamente, “tem de ser aquela que promove a discussão”, o debate, o envolvimento da sociedade e que “põe os dados de forma clara e objetiva em cima da mesa” para que as pessoas possam construir a sua posição e os fundamentos.
O relato de atrasos no acesso às consultas e tratamentos no Instituto Português de Oncologia – IPO mostra, por exemplo, quanto o debate sobre a eutanásia, “nesta altura, é inapropriado”, mais concretamente o querer “legislar” quando existe “a perceção com números reais que as pessoas não têm acesso àquilo que precisam”.
“Nem estamos a falar de cuidados paliativos, mas do básico que é o acesso a tratamento e consultas numa unidade de tratamento oncológico”, acrescenta, afirmando que assim “é prematuro” oferecer “à pessoa o último caminho que é a possibilidade dela se matar”.
Neste âmbito, explica que qualquer profissional de saúde deve estar preparado para “cuidar de doentes em fim de vida”, uma questão difícil e complexa, mas “não pode deixar de existir essa preparação” dos profissionais “terem competências”, trabalharem-nas e serem preparadas para conseguir-se “resolver o problema” da forma como as pessoas são tratadas nos últimos dias de vida.
A diretora do Instituto de Bioética refere também que é “absolutamente crucial” saber que “deixar morrer é um ato de boa medicina” e o médico tem de “ter a coragem moral de saber parar mas “muitas vezes não é preparado”.
“Os médicos têm de ser preparados não só para investir e salvar mas também para saber acompanhar quando a técnica não tem nada a oferecer”, desenvolve, recordando que o neurocirurgião João Lobo Antunes, falecido em 2016, dizia que, possivelmente, era «o maior ato de coragem moral saber parar perante um moribundo» mas “tem de ser ensinado”.
O Vaticano recebe hoje um congresso sobre cuidados paliativos, promovido pela Academia Pontifícia para a Vida, com a participação de 400 especialistas, com vista a difundir uma cultura de atenção aos doentes, para que ninguém “morra sozinho”.
HM/CB/OC