Portugal: Diminuição da natalidade vai implicar menos Estado e mais instâncias intermédias de solidariedade

Decréscimo deve-se mais a uma tendência cultural do que à crise económica, considera o sociólogo Alfredo Teixeira

Lisboa, 07 nov 2012 (Ecclesia) – O decréscimo da taxa de natalidade em Portugal vai implicar o surgimento de novas instâncias de solidariedade e diminuir o papel do Estado na Segurança Social, prevê o sociólogo Alfredo Teixeira, da Universidade Católica Portuguesa.

A “falta de transparência” do Estado relativamente ao retorno, na reforma, das contribuições descontadas na vida ativa “pode contribuir para a falta de confiança” dos cidadãos, afirmou hoje à Agência ECCLESIA o antigo diretor do Centro de Estudos de Religiões e Culturas.

O especialista acredita que os termos do “contrato” com o Estado vão sofrer alterações amplas nos próximos tempos”, sobretudo se a transformação das suas funções sociais, para as quais haverá “cada vez menos recursos”, colocar em causa “a confiança na sua competência para gerir o futuro dos cidadãos”.

“É bem possível que sejamos forçados a reinventar formas de solidariedade de proximidade, mais cooperativas e promotoras do desenvolvimento de instâncias intermédias”, que permitam a cada pessoa “controlar mais facilmente o que está a ser feito com o seu contributo”, acrescentou.

O professor da Faculdade de Teologia considera que o decréscimo da natalidade vai também ter impacto “nos padrões de consumo, na economia, na produção cultural, nos sistemas de valores e nas relações entre gerações”.

Por outro lado Portugal não está à espera de grandes fluxos de imigrantes, “que em muitas sociedades têm sido uma importante compensação ao envelhecimento da população” ao serem portadores de uma cultura que favorece a natalidade.

A eventual baixa dos custos com a Educação não deverá compensar o crescimento dos gastos com a Saúde e Segurança Social devido ao acréscimo do número de idosos, sustentou.

“A diminuição da população escolar traz também um impacto grande à vida do país, não só porque o sistema educativo empregou muitas pessoas qualificadas nas últimas décadas, mas também porque os estabelecimentos de ensino são um dinamismo social e cultural muito importante a nível local”, sublinhou.

Em 2012 vai registar-se o menor número de nascimentos em Portugal dos últimos 50 anos, previsão que para o sociólogo se deve a uma tendência persistente e não tanto à crise económica.

“É um número que se inscreve num arco de decrescimento que vem de trás. Trata-se de um dado que pode ser considerado cultural, o que significa que se incorporou nas formas de as pessoas construírem o seu quotidiano”, assinalou.

Alfredo Teixeira observou que “há uma consciência mais generalizada do que é a experiência humana e de realização pessoal de ter filhos”, e que a natalidade deixou de estar predominantemente ligada a causas religiosas e éticas, passando a assentar na “afirmação do indivíduo na sociedade”.

“Os pais passaram a incorporar comportamentos que decorrem da pressão do meio envolvente”, e “em muitos casos as suas expectativas em relação aos filhos são exorbitantes, inibindo as decisões relativas à fecundidade”: “As pessoas adiam a natalidade até terem as condições necessárias para poderem, segundo as suas expectativas, oferecer o que desejam aos filhos”.

O investigador pensa que a estratégia relativa à natalidade seguida pela generalidade dos agregados familiares “não é necessariamente contra a família mas afeta o modo como ela se está a recompor”.

RJM

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