Esta história da Paixão que agora escutamos parece terminar com o maior desalento e com o negrume do desespero: “Foi aí que, por causa da Preparação dos judeus, porque o sepulcro ficava perto, depositaram Jesus”. Como se tudo aí tivesse acabado. Como se não se esperasse a luz radiosa de uma manhã próxima. Porém, no dia «aniversário» destes acontecimentos, só lemos a referência aos factos que se deram nessa sexta-feira, pois reservamos para Domingo o ocorrido nesse dia. E esse vai ser um dia de aleluias e imensa alegria. Como, certamente, esperaram os pouco crentes que acompanharam Jesus nestes seus passos decisivos. Entre os quais, Maria, Sua Mãe. Ela e os outros esperaram. Embora, certamente, com lágrimas nos olhos.
De facto, como acontece com a fé, a esperança é continuamente posta à prova, não só pela fragilidade que nos habita, mas também pelo mal que nos cerca e incomoda. Mas é aí que somos convidados a dar “razões da nossa esperança” (1Pd 3, 15). Como neste nosso tempo, em que os cristãos sobrantes se têm de agarrar ao patamar da fé e à âncora da esperança para não se sentirem estranhos no mundo e, se calhar, objeto de curiosidade dos não crentes. O resultado é a convicção profunda ou a certeza mais viva que a cruz de Cristo trouxe-nos a vitória que nós não poderíamos conseguir por nós mesmos. É a certeza da prova daquela afirmação solene de Paulo, embora, porventura, pouco conhecida e menos comentada: o Senhor Jesus, “depois de ter despojado os Poderes e as Autoridades deste mundo, expô-las publicamente em espetáculo, e celebrou o triunfo que na cruz obtivera sobre eles” (Col 2, 15).
Sobre a cruz, Deus carregou Jesus com os nossos pecados e com a sua morte, Jesus tomou sobre si a maldição introduzida por Adão (Gal 3, 13). Pela sua morte, Jesus destruiu as obras do diabo (Jo 12, 31; Heb 2, 14; 1Jo 3, 8). E essas obras do diabo também passam pela destruição daquelas virtudes que, de tão determinantes, as chamamos teologais: a fé, a esperança e a caridade. Sim, o diabo não suporta a fé, nem a esperança, nem a caridade. Ele é a oposição a tudo isso. Particularmente à esperança.
Como dizia no princípio, a história de Jesus Cristo não terminou com a sua morte. A sua ressurreição é a base da mensagem do Evangelho. Porque, como nos diz S. Paulo, “se Cristo não ressuscitou…” (1Cor 15, 12-19), a pregação seria em vão. E a fé seria em vão. Sem a ressurreição estaríamos sempre “nas sombras da morte” (Lc 1, 79). Mas nós não permanecemos na morte, mas no vigor e plenitude da vida. Não ficamos paralisados, atrofiados, inibidos. Estamos bem ativos, solícitos, edificadores. Somos anúncio de vida nova, porque já a temos em nós. E isto é a esperança.
De facto, a esperança, como virtude escatológica, não impele à fuga do presente, mas impulsiona à ação. É ela que fomenta o diálogo e a fraternidade no meio de tantas situações de conflito, de desigualdades, de sofrimento. É ela que não se resigna à guerra, mas apela à paz, oportuna e inoportunamente. É ela que nos motiva à oração, pois só quem espera é capaz de rezar, porque orar é dirigir-se a um Outro, confiando, confiando-se e confiando-lhe os problemas do mundo quando parece que, por nós, já não há mais a fazer. E, especialmente no campo da Igreja, é ela quem combate a idealização do passado e a visão apocalíptica do presente, como se o passado fosse uma maravilha –o que é mentira- e o presente uma desgraça, como se o bem sem medida e os imensos Cireneus e Verónicas tivessem desaparecido do mundo. A Igreja, ao viver a esperança e da esperança, presta um serviço à fé e aos crentes, mas não menos ao mundo, pois liberta, abre para a luz e contribuiu para que a sede de Deus seja saciada.
Irmãs e irmãos, a Igreja assume-se como um povo peregrino em caminho. E só caminha porque acredita na meta que a todos espera. Sim, a Igreja vive da esperança, até porque, como diria Charles de Gaulle, “o fim da esperança é o começo da morte”. E nós somos vida, somos ressurreição!
D. Manuel Linda
Bispo do Porto