Evidenciam-se preocupantes sinais: a turbulência das instituições financeiras faz pairar densas nuvens sobre o futuro, o descontrolado aumento de bens essenciais fez mergulhar muitas pessoas em situações de que dificilmente conseguirão emergir, acentuam-se as disparidades de rendimentos, o excessivo endividamento bloqueia muitas famílias, o desemprego teima em afectar os mais carenciados, há bairros sociais que calam revoltas, despontam novas formas de pobreza e de exclusão, a angústia faz-se aliada da fome. Fazendo do homem o seu caminho, a Igreja não pode deixar de actuar e fazer da sua actuação um sinal libertador. Assim procedeu o Bispo do Porto. Anunciara e criara um Fundo Diocesano de Solidariedade. Oportunamente, fez encaminhar para esse instrumento aquela “renúncia quaresmal”, que cada fiel é chamado a fazer, optando por um estilo sóbrio de vida como sinal de conversão e partilhando os bens materiais com os mais necessitados. O Fundo foi ganhando dimensão: quatro meses depois, já ultrapassava os cem mil euros, com tendência para prosseguir o seu caminho. Face aos sinais de agravamento da situação social, impunha-se uma intervenção: foram convocados pelo Bispo o Secretariado Diocesano de Pastoral Social e Caritativa, a Cáritas e a Obra Diocesana de Promoção Social. Em ambiente de caridade responsável e activa, a Cáritas e a Obra Diocesana abraçaram o desafio. Pronta e solicitamente Na área da cidade do Porto, onde tem 12 centros em actividade distribuídos pelos vários bairros sociais, a Obra Diocesana encarregou-se de fazer um rápido levantamento das novas carências com que se começavam a confrontar as famílias. Em pouco tempo encontrou 657 pessoas, correspondentes a 256 famílias, com situações agravadas e que não beneficiavam ainda de apoios, nem da Obra nem de outras instituições. No imediato e nesta conjuntura, impunha-se socorrer todas essas pessoas, proporcionando-lhes recheados cabazes com bens alimentares de primeira necessidade. Algumas dessas famílias também careciam de apoios urgentes para medicação. A Cáritas seguiu um caminho algo diferente mas não menos solícito nem menos inovador: de vários pontos da Diocese, no início de um novo ano lectivo, chegavam notícias de crescentes e inesperadas dificuldades de muitas famílias para dotar seus filhos com material escolar e de variados casos de crianças carecidas de cuidados médicos, nomeadamente por falta de sensibilização para tratamentos da cárie dentária. A Cáritas definiu os critérios e, após trabalho aturado junto das Equipas de Apoio às Escolas, “agregou” os professores de Educação Moral e Religiosa Católica, lançando-lhes o desafio da operacionalização dos projectos que entretanto fizera chegar. Sinalizaram-se 44 escolas a carecer de intervenções. Como as urgências fazem dos adiamentos opções injustas e desumanas, o Bispo do Porto foi ao Fundo Diocesano de Solidariedade e dele canalizou cento e vinte mil euros para intervenção imediata. Metade para actuação de cada uma daquelas Instituições. Numa verdadeira aposta na educação, a Cáritas vai apoiar as crianças mais carenciadas; numa resposta de proximidade, a Obra Diocesana vai facultar melhores dias para um bom número de famílias. Numa difícil conjuntura, é uma actuação com eficácia de uma Igreja peregrina e humana. Numa resposta de caridade, é uma actuação que favorece uma mais viva expressão e uma melhor direcção. Não apenas a renúncias quaresmais como a tantos outros apelos das consciências. E é uma actuação que surge num contexto simbólico: com a festa de Todos-os-Santos à porta, porque não fazer da intervenção uma expressão viva de comunhão? O fundo é “Dom de Deus”: partilhar os seus bens é distribuir “Pão por Deus”… História Nos dias de Todos-os-Santos e Fiéis Defuntos, ainda hoje, tanto em aldeias como em vilas e até cidades, encontram-se crianças e (antigamente) pobres a pedirem de porta em porta o “Pão por Deus”, isto é, os manjares cerimoniais, recebendo em troca romãs, nozes, figos, peros, maçãs, pinhões, castanhas, rebuçados, bolachas, pequenos pãezinhos e também dinheiro, que guardam num saco destinado aos donativos que lhes são oferecidos nesta data, afirmando o povo que, “por cada bolo por eles comido, há uma alma que se livra do Purgatório”. Lino Maia