«O luto não se cura, cuida-se, vai ficar sempre connosco, mas o luto precisa de amigos. Precisa de uma comunidade mais compassiva» – Mariana Abranches Pinto
Porto, 25 mai 2025 (Ecclesia) – A Associação ‘Compassio’ promoveu o primeiro ‘Festival do Luto’, “para provocar, para pôr as pessoas a pensar neste tema que é um tabu na nossa sociedade”, este sábado, no Porto, tendo como ponto central a Praça do Marquês de Pombal.
“A morte e o luto são um tabu e queremos muito desmistificar e tentar quebrar estes tabus. Acima de tudo, queremos dar voz à perda e queremos que nós, como comunidade, sejamos capazes de acolher melhor as pessoas que estão em processo de luto, porque, como é tão desconfortável, as pessoas não sabem o que dizer, ou dizem disparates, ou afastam-se”, explicou a presidente da associação ‘Compassio’, Mariana Abranches Pinto, em declarações à Agência ECCLESIA.
“Nós queremos uma comunidade que saiba falar melhor destas coisas, que não seja tão desconfortável. Será um desafio, como é óbvio, queremos muito desmistificar e criar uma nova cultura à volta disto.”
A ‘Compassio’ promoveu a primeira edição do ‘Festival do Luto’, na cidade do Porto, este sábado, dia 24 de maio, com um programa com “muitas atividades, muito diferentes” para todas as pessoas, das crianças aos adultos, na Praça do Marquês de Pombal, “provocar as pessoas na rua”, na Paróquia Senhora da Conceição, e na Escola Superior de Educação Paula Frassinetti, onde a associação tem a sede.
“Nós quisemos, acima de tudo, que fosse acessível para toda a gente; partimos de todas as coisas que nós já fazíamos, muito ligadas à arte. Para nós, ‘Compassio’ e arte são um elemento importantíssimo para abordar estes temas tão densos: teatros [‘Tal como foi o silêncio – [de luto e de luzes]’, e ‘Geografia do desassossego’], conversas com especialistas, com pessoas que sabem falar sobre isto, propomos um percurso autorreflexivo, ao longo de várias paragens. Temos um corvo humanizado, mas não fala, só escuta e dá abraços. E um death café musical para terminar”, desenvolveu a entrevistada.
A ‘Compassio’ – Associação para a Construção de Comunidades Compassivas – tem 63 sócios, já promoveu 770 ações, e 10180 é o número de participantes, para Mariana Abranches Pinto este dados “dizem que as pessoas querem falar sobre isto”, e salienta que não é por falar da morte “que ela vem mais depressa”, salientando que “faz bem falar, vazar as emoções, ouvir, perguntar ao pai, mãe, ‘quando morreres o que é que queres, queres ser enterrado, queres ser cremado’.
“Falar destas coisas, não é só sobre isto, mas é muito bom. E temos esta reação, afinal as pessoas querem mesmo falar disto, porque não há espaços onde se possa falar disto. Cortam-nos logo a conversa, portanto, estes números dizem que é importante mesmo falar disto”, acrescentou.
Do programa constaram também apresentações de livros, atividades infantis na biblioteca da praça, pontos de escutas, de correio, testemunhas de esperança e expressões de luto, o mural ‘antes de morrer eu quero’ e percurso ‘o silêncio dos pássaros’, por exemplo.
‘E se vivêssemos o luto de outra forma’, deu o mote a uma conversa que juntou Na Costa, Nina Mando e o padre Rui Santiago, o sacerdote à Agência ECCLESIA explicou que como “não há duas experiências iguais” no luto, “o grande desafio” tem a ver com criar dinâmicas de acompanhamento pessoal, que “a experiência do luto possa ser acompanhada sem que as pessoas recebam respostas fáceis, imediatas”.
“A proposta cristã e a espiritualidade dentro deste contexto da espiritualidade judaico-cristã, desta tradição que nós temos, apresentam um anúncio de consolação, de esperança, e uma própria leitura ou chaves de leitura para este exercício de estar vivo morrendo simultaneamente, até que finalmente deixemos de morrer e então só vivamos ou vivamos plenamente. São estas chaves de leitura que é possível partilhar em dinâmicas de acompanhamento.”
O padre Rui Santiago, missionário Redentorista, salienta que “um desafio que vem há uns bons anos para a Igreja no Ocidente”, são os espaços de acolhimento das pessoas, de escuta, de acompanhamento, também com uma dimensão espiritual e pastoral para as pessoas, “onde elas possam exprimir com tempo, a dimensão do luto, a dimensão da perda”.
“Seja dos lutos mais radicais de ter perdido alguém, seja dos lutos mais pessoais e dolorosos, como ver-se a si mesmo em processos de doenças ou prognósticos muito complicados, seja numa dimensão do luto, vamos dizer, mais metafórica, que é a dimensão do morrer a tantas coisas e ter de morrer de tantas maneiras em processos de crise que nós passamos”, exemplificou.
Para o sacerdote, um Festival do Luto é provável que pareça estranho, mas, no seu caso, “alegra muito” que a dimensão do luto esteja “associada à dimensão da festa”, do festival no sentido de “agregar pessoas e se expandir pelos espaços da cidade”, nos lugares onde vai também a morte, “aqueles em que a morte dança, brinca, magoa, faz chorar, passeia”, porque “a morte senta-se nos bancos do jardim, naquele banco estava o Sr. António e agora já não está, no quiosque, onde a Dona Mariazinha, que tomou conta do quiosque há 30 anos, e agora já não está”.
“O festival está a levar a conversa do luto aos lugares onde o luto acontece, onde a morte acontece, onde a vida acontece, por isso parece uma coisa mais natural e feliz que se pode fazer, e a dimensão da festa também, porque para aí aponta a esperança, nós temos de teimosar na esperança até que o luto dê em dança, poucas coisas podem ser mais cristãs do que uma esperança teimosa assim”, acrescentou o padre Rui Santiago.
CB/OC