Estamos em tempo de muitos pios parenéticos, e bem, eu tenho colaborado. Uns a puxar à fé, à razão, à convicção, à solidariedade, à partilha, à ação. Outros a esticar mais para o lado do silêncio contemplativo, o que não quer dizer que seja convite para se ficar a olhar para o céu, vivendo de braços cruzados. Todos realçam este acontecimento único da História que reclama gratidão e acolhimento responsável, bem como gera clima de ternura pessoal, familiar e social. Por isso, no meio de tantas e tantas exortações, também da sociedade civil, a frase em título pode parecer atrevida, insinuar falta de respeito ou até mau gosto, sobretudo vindo de quem vem. Não é, é um mimo estratégico para ver se consigo provocar o amigo leitor a ler este espirro semanal em jeito de interpelação natalícia. Faço-o para fugir ao que, por estes dias, muita gente diz, rediz, volta a dizer e diz de novo. Hoje, porém, esgueiro-me desses dizeres habituais e venho desejar a todos que as rabanadas, e supostos anexos, claro, estimulem o apetite de cada um e todos façam muito bom proveito!
Ivan Pavlov, quando o chocalho alentejano ainda não era património mundial e nem ele conhecia tais arjozes, com o toque duma simples sineta fazia crescer água na boca aos cachorros, sem que houvesse comida por perto. As luzes, canções, montras, publicidades, doçarias, pitéus, correrias chaplinianas por aqui e acolá em compras de coisas e loisas, tudo faz dizer e ouvir as expressões “Boas Festas” “Feliz Natal”, “Feliz Natal”, “Boas Festas”. Parecem reflexos condicionados! Quero crer que, em muitos casos, o conhecimento da causa dos festejos sente lonjuras de distância. Muita coisa real e imaginária invadiu o ambiente de Natal, envolve excessivamente as pessoas, descentraliza, inverte as prioridades. Há muita coisa boa, com certeza, mas dispensável. Há que ter a coragem de resistir às pressões sociais e comerciais. Às pressões da publicidade, à beleza da embalagem, à atraente apresentação, à tentação de comprar só por comprar. Há que ter a coragem de dar o grito de Ipiranga ao jeito de Tarzan, e, lá, ao entrar no shopping, no hipermercado ou seja no que for, ser capaz de dizer como não sei quem: “Ena, pá, que tanta coisa boa de que eu não preciso!”
As festas têm sempre um motivo e são necessárias. Fazem parte da natureza humana. É bom que se façam e que tenham tudo quanto é necessário para que aconteçam, festa é festa. No entanto, é preciso viver as festas da vida de forma a fazer da vida uma festa. Sobretudo as que são referenciais ou até estruturantes na vida das pessoas, das famílias e da própria sociedade. Adulterá-las ou perder-lhes o verdadeiro sentido faz com que muitos não gozem as festas da vida mas sejam gozados por elas. O grave sintoma a esclarecer este diagnóstico é, no fim da festa, depois de nada de útil ter resultado, sentir alguém expressar um profundo desabafo de felicidade por elas já terem acabado, tal foi o trabalho, o stress e os aborrecimentos que lhe causaram!
Centralizar as festas natalícias é ir ao essencial, é ter Cristo no centro, não o consumismo, a indiferença, a folia pela folia, a correria, o stress. Se verificarem, todos os sinais festivos do Natal apontam para isso e nesse sentido se devem explorar. A árvore de Natal é um dos símbolos mais populares das celebrações natalícias. Normalmente, é um pinheirinho, presentemente mais artificial que natural. O pinheiro é uma árvore que sempre se mantém verde, mesmo no inverno. Desde longe que, no inverno, alguns povos usavam como decoração as árvores, simbolizando que, ao final dessa estação, o sol iria reaparecer e as plantas voltariam a renascer. Elas simbolizam a vida, e a verdadeira vida é Cristo que nasce para que tenhamos a vida, a verdadeira Vida. Costuma enfeitar-se o pinheirinho com outros símbolos. As bolinhas, de várias tipos, cores e materiais, representam os frutos das árvores, símbolos da abundância. Os sinos associam-se à alegria do anúncio festivo do nascimento de Jesus. A Estrela conduz-nos a Cristo, como aconteceu com os Reis Magos. A verdadeira estrela que orienta a própria humanidade na cultura do encontro com Deus e com os outros é Cristo. As velas simbolizam a fé, a luz de Cristo que a todos ilumina pelos caminhos da vida. O Presépio, “sinal admirável” que se olha “com assombro e deslumbramento”, “é um convite a «sentir», a «tocar» a pobreza que escolheu, para si mesmo, o Filho de Deus na sua encarnação, tornando-se assim, implicitamente, um apelo para o seguirmos pelo caminho da humildade, da pobreza, do despojamento, que parte da manjedoura de Belém e leva até à Cruz, e um apelo ainda a encontrá-lo e servi-lo, com misericórdia, nos irmãos e irmãs mais necessitados”. Ele fala à nossa vida, representa as circunstâncias e o cenário do nascimento de Jesus. A ceia de Natal é o símbolo da confraternização e da união das famílias, em Cristo, com a troca de presentes a recordar as ofertas dos Reis Magos ao Menino Jesus. O Pai-Natal traz ao pensamento a tradição do bispo São Nicolau cuja bondade o levava a procurar os pobres para lhes fazer doações que lhes fazia chegar pelas chaminés das casas. Tudo converge para realçar a pessoa e a mensagem de Jesus, a verdadeira luz do mundo. O Papa Francisco apela a que, “por favor”, “não vivamos um Natal falso”, um “Natal comercial”, mas que nos deixemos “envolver pela proximidade de Deus”, uma proximidade compassiva, terna, “envolvida pela atmosfera natalícia que a arte, a música, os cantos e as tradições fazem chegar ao coração”.
A todos formulo votos sinceros de Feliz Natal. Que na noite ou dia de Natal, em ambiente de ternura e intimidade familiar, se possa parar e olhar para o Presépio, escutando o Deus Menino que se revela “não como quem está no alto para dominar, mas como Aquele que se inclina, pequeno e pobre, companheiro de caminho, para servir”.
Que as rabanadas a todos lhes façam bom proveito! Fica-nos a mágoa de saber que há dois milhões de portugueses em risco de pobreza e muitas patologias sociais e familiares a fazerem sofrer uns e outros. Ai se todos entendêssemos o que significa o Natal que celebramos! Como tudo seria diferente! Mantenhamos a Esperança!
D. Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco