Por uma sociedade segura e livre de armas

Comissão Nacional Justiça e Paz A quarta sessão da Audição Pública tem lugar a 21 de Março, promovida pela Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) sob o título genérico “Por uma sociedade segura e livre de armas”. Esta sessão contará com a intervenção do professor Adriano Moreira (reconhecido perito em questões políticas, sociais e de relações internacionais), os comentários de José Manuel Pureza (jurista e sociólogo, especialista em questões de direito económico e da ordem jurídica internacional) e de Teresa de Sousa (jornalista do “Público”, especializada em questões internacionais), no debate sob o tema “A acção das Nações Unidas e da União Europeia no combate à proliferação de armas ligeiras”, onde serão abordadas as principais iniciativas em curso para limitar internacionalmente a produção e o comércio ilícitos de armas ligeiras. Pontos possíveis de debate serão os trabalhos realizados pelas Nações Unidas no contexto da Convenção contra o Crime Organizado, de Novembro de 2000 e, em particular, do seu protocolo sobre a produção e tráfico ilícito de armas de fogo, que entrou em vigor em Julho de 2005. E também a Conferência sobre o tráfico ilícito de armas ligeiras, de Julho de 2001, e o seu Programa de Acção, que tem estado a decorrer desde então e cujos resultados serão apreciados a partir de 26 de Junho numa segunda Conferência. A posição de Portugal na elaboração de documentos da União Europeia e a tradução prática em medidas adoptadas internamente e na actuação conjunta no seio da ONU e da UE deverão ser evidenciadas pelos participantes nesta Sessão. Numa altura em que uma nova lei foi aprovada, num momento caracterizado por uma maior insegurança em Portugal, com um aumento muito significativo nos últimos 12 meses dos crimes violentos, a CNJP e o seu Observatório sobre a Proliferação de Armas Ligeiras promovem a Audição Pública “Por uma sociedade segura e livre de armas”. Desde Novembro de 2005 e até Maio de 2006, as sessões têm o objectivo de informar e mobilizar a opinião pública, a sociedade civil e os responsáveis políticos a participarem no esforço colectivo para pôr termo à crescente disseminação desregulada de armamento, com consequências graves para o desenvolvimento e para a paz. As quatro primeiras Sessões da Audição pública “Por uma sociedade segura e livre de armas” I – A reflexão da Comissão Nacional Justiça e Paz A Comissão Nacional Justiça e Paz – C.N.J.P.- tem vindo a tomar consciência da perigosa e excessiva proliferação de armas ligeiras em Portugal, através de sinais frequentemente veiculados pela comunicação social ou por relatos recolhidos pelos seus membros. Esta proliferação acompanha um adensar do clima de violência em Portugal – que sucessivos Relatórios Anuais sobre a Segurança Interna, de algum modo, têm quantificado, ainda que dando, apenas, uma imagem parcial da realidade. Não será estranho a tal clima a emergência, generalizada e omnipresente, de uma cultura de violência prosseguida na relação entre estados como na relação entre pessoas, a que podem estar associadas outras causas, mais ou menos longínquas. As situações mais agudas de violência são as que, a qualquer nível de relacionamento, pretendem resolver os conflitos através do uso das armas. A relativa abundância destas e a facilidade no seu acesso têm permitido que tais situações ocorram com cada vez maior frequência e gravidade. Não combatendo com energia esta tendência preocupante dificulta-se e encarece-se a sua solução por se permitir a instalação de formas de violência de mais difícil controlo. O facto de Portugal se manter, mesmo assim, aquém da média europeia em termos de criminalidade, não reduz a extrema preocupação com que se deve encarar a situação que se atravessa. Significa que uma situação potencialmente explosiva pode, se atempadamente encarada, ser debelada com maior eficácia e com custos mais limitados. Perante uma situação interna dificilmente quantificável e a ausência de informações quanto à forma como o problema da proliferação das armas ligeiras em Portugal estava a ser encarado, a C.N.J.P. decidiu organizar uma Audição pública para lhe permitir, como entidade destacada da sociedade civil, traçar adequadas metodologias de actuação. A Audição pública “ Por uma sociedade segura e livre de armas” será efectuada ao longo de cinco Sessões, das quais, as três primeiras, foram realizadas a 8 de Novembro, a 13 de Dezembro de 2005 e a 7 de Fevereiro de 2006 e a quarta terá lugar no próximo dia 21 de Março de 2006. II – A 1ª Sessão da Audição pública A 1ª Sessão permitiu ter uma ideia sobre a geopolítica contemporânea e sobre a relevância da produção e comércio das armas a nível mundial para a definição das suas principais características. Confirmou a noção de que vivemos tempos de crescente insegurança. Hoje a segurança é vista em termos diferentes dos tempos da guerra-fria. O mundo é mais imprevisível e cheio de novos tipos de ameaça. Esta reveste múltiplas formas de contornos mal definidos e não tem rosto. Não provém só dos Estados, passa-lhes por cima, como o terrorismo internacional ou a grande criminalidade organizada, ou surge do seu interior, como as guerras civis, os conflitos étnicos e sociais ou a criminalidade violenta. Para fazer face à nova insegurança, os Estados democráticos devem contar, cada vez mais, com a ordem jurídica interna e a acção preventiva e repressiva das suas forças de segurança. Neste contexto, o papel da sociedade civil sai reforçado pois ela deve estar informada, a cada momento, da situação concreta em que vive. Cabe-lhe, também, assumir um papel crítico e de apoio às diligências que o Estado deve prosseguir na ordem internacional para eliminar factores importantes de insegurança, como a proliferação das armas ligeiras e o seu comércio ilícito. Em todo o mundo, haverá uns 639 milhões de armas ligeiras que provocam, por ano, meio milhão de mortos, três quintos no âmbito de conflitos e o restante pela prática de crimes. Esta quantidade alucinante de armas em circulação resulta, em parte, da herança da guerra-fria. Também as antigas políticas de distribuição de armas pelos aliados dos grandes blocos em confronto na guerra-fria têm vindo a ser substituídas pela sua venda, desregulada, em termos puros de mercado: quem paga é quem tem acesso às armas excedentárias que as empresas produtoras procuram colocar ao melhor preço. É contra esta nova ordem que a comunidade internacional tem vindo a trabalhar nas Nações Unidas e na União Europeia. A sociedade civil dos diversos países deverá pressionar os respectivos governos a concretizar ambiciosos Tratados Internacionais sobre a produção e o comércio das armas ligeiras, evitando o abastecimento de mercados ilícitos de armas, com relevo para os associados à grande criminalidade. A marcação e o registo das armas desde a fase de fabrico permitindo o acompanhamento de todas as transacções em que se vejam envolvidas será um meio poderoso neste combate e é forçoso que os países produtores aceitem cooperar neste instrumento de controlo. III – A 2ª Sessão da Audição pública Ganhou-se, com esta Sessão, uma descrição muito completa do enquadramento jurídico do fenómeno da proliferação de armas ligeiras na sociedade portuguesa. Em termos de princípio, a Lei Portuguesa, tanto a Civil, como a Penal, configura um “Contrato Social” pelo qual os cidadãos renunciam ao uso da força e é o Estado que a usa, através das forças de Segurança, para assegurar a ordem e tranquilidade públicas. É o Estado que exerce este poder político através do Ministério Público, e é o Estado que, através dos Serviços de Informações, da Investigação Criminal e pela Repressão Penal, cria condições para dar segurança aos cidadãos sem armas. Neste “Contrato” existem excepções como o Direito de Resistência, a Legítima Defesa, e o Direito de Necessidade, que permitem aos cidadãos, em situações extremas, o uso da força. Este princípio não é seguido noutros países, embora com resultados diferentes. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, a 2ª Emenda à Constituição confere aos cidadãos o direito do uso de armas de modo a permitir a constituição de milícias bem ordenadas para proteger um “estado livre” não só das incursões de poderes estrangeiros mas de um governo central excessivamente poderoso e não dialogante. Como resultado, existe uma proliferação elevadíssima de armas ligeiras acompanhada por um grande número de crimes violentos. Na Suiça onde, em contrapartida, os cidadãos, em permanência, formam a base das forças armadas e detêm em casa as armas que lhe estão distribuídas, é muito baixa a taxa de criminalidade violenta. Na generalidade dos países da Europa há uma tradição do controle das armas na posse da população e Portugal insere-se nessa tendência, agora recuperada e actualizada, pela aprovação da nova Lei do uso das armas e suas munições. Esta nova Lei, aprovada pela Assembleia da República em Dezembro de 2005, além de reforçar a criminalização da posse e uso ilegais de armas, contempla, como ilícito, o tráfico de armas, punindo-o severamente. Por outro lado, deixa de associar a possibilidade do porte de arma apenas à obtenção de um título- a licença. A partir de agora, é todo um comportamento que deverá ser observado através de um processo contínuo que envolve formação prévia, exames médicos e provas práticas antes de emitida a licença e a sua renovação periódica. Serão observadas normas estritas de guarda de armas e munições nas casas dos particulares, foram revistos os calibres e dimensões das armas autorizadas e foi criado todo um condicionalismo de utilização tendente a evitar o emprego irreflectido das armas legais, a reduzir a sua acessibilidade por terceiros, e a controlar a utilização das munições. Passa também a ser mais severo o acompanhamento da actividade dos armeiros que são considerados como interlocutores privilegiados entre o Estado e o cidadão, e elementos importantes no controlo da legalidade e, por tal, deverão assumir obrigações próprias e formação adequada. Por último saliente-se a criação de um quadro legal que permite, através de uma actuação preventiva, neutralizar possíveis ameaças, permitindo a aplicação em larga escala de medidas cautelares e de polícia. Esta nova legislação é introduzida num momento caracterizado por uma maior insegurança em Portugal, com um aumento muito significativo nos últimos 12 meses dos crimes violentos, em particular os cometidos por bandos organizados de origem nacional ou provenientes do exterior. Este clima tem levado muita gente a procurar um sentimento de segurança através da posse de armas ligeiras mesmo que provenientes dos mercados paralelos, que proliferam, revelando um apagamento do papel do Estado como garante da ordem e tranquilidade públicas. Por outro lado, regista-se um maior número de actos de violência armada contra agentes da autoridade uniformizados. Quem recorre às armas ilegais agrava o clima de insegurança pois nada garante que as saiba manusear, as guarde cabalmente, e não as utilize para “resolver” situações menores de litígio corrente como as altercações, domésticas ou de trânsito automóvel. Não existem estatísticas fiáveis quanto às armas ilegais em Portugal. (Numa intervenção recente na Assembleia da República um deputado estimava o seu número em cerca de 770.000, igual ao das detidas legalmente). Há, no entanto, a percepção de que o aumento da criminalidade está associado à proliferação das armas ligeiras, reflectindo o aumento do mercado de armas ilícitas. Este é alimentado por fontes internas – adaptação de armas v.g. caçadeiras de canos serrados ou pistolas de alarme transformadas, que constituem 60 a 80 por cento do seu número -, ou por fontes externas. Está a registar-se uma tendência para o aparecimento de armas de maior calibre chegando, mesmo, ao calibre das armas de guerra, e de armas automáticas. Esta tendência liga-se ao aumento de violência armada sobre os agentes da autoridade. A nova legislação, por ser mais severa do que a anterior, irá criar maior pressão sobre o mercado de armas ilegais se não melhorar a percepção sobre a insegurança por parte da generalidade da população. Cabe aqui um papel muito relevante ás forças de segurança sobre as quais recai a maior parte da responsabilidade da aplicação da lei nas suas diversas componentes, com destaque para o acompanhamento dos comportamentos dos detentores de licença de uso e porte de armas. Também sobre elas pesa a delicada tarefa do combate às manifestações de violência. Da eficiência alcançada nesse combate depende o reforço da percepção de uma maior segurança e do retorno ao pleno exercício do papel do Estado na garantia da ordem e da tranquilidade públicas. IV – A 3ª Sessão da Audição Pública 1. A questão central desta Sessão foi a de saber se a sociedade dos nossos tempos permite que todos vivamos juntos. Vivemos numa sociedade de risco – que poderá tomar as mais variadas formas, provir de qualquer lado, a qualquer momento, sem que tenhamos capacidade de, por nós, fazer algo para o anular. As relações sociais, políticas, as estruturas familiares, as relações entre os cidadãos estão profundamente modificadas. Tem-se vindo a assistir à passagem de uma sociedade industrial, onde o problema principal era a repartição das riquezas, para uma sociedade onde o problema principal é a repartição dos riscos (incluindo o risco de pobreza e da má distribuição da riqueza). Doravante o risco não pode ser encarado, apenas, como uma ameaça exterior: natural ou climatérica, por exemplo. O risco é, sobretudo, produzido pela própria sociedade, sendo um elemento intrínseco às actuais formas de organização social. A produção constante de novos conhecimentos tem alterado a natureza do mundo social e dificulta o controlo dos riscos de uma sociedade cada vez mais errática. No contexto de uma democracia, chegou-se já ao ponto de criticar a ciência pela incapacidade demonstrada para controlar os usos que são feitos das inovações, aumentando a sua dependência social ao apelar a decisões éticas e políticas sobre o uso dos conhecimentos que desenvolve. Assim, a dependência social do conhecimento, diluindo a diferenciação entre pesquisa e aplicação, politiza a ciência, ao mesmo tempo que “cientifisa” a política, tornando-as, cada vez mais, interligadas. Esta relação entre a política e a ciência leva-nos a interrogarmo-nos sobre a ideia de progresso. Será o progresso a inovação a todo o custo? Será que vale tudo em nome da rendibilidade económica dos investimentos? Não estará a ideologia do progresso, à custa do emprego, do ambiente e da segurança a ultrapassar os limites da relação entre a técnica e a ética? Todas estas dificuldades podem conduzir à tentação de desistir de controlar o nosso devir colectivo. Embora tenhamos consciência de todos estes riscos, a absorção pelo quotidiano leva-nos e esquecê-los. Não deixamos, porém, de ter um sentimento crescente de viver numa sociedade de riscos vários e temos a consciência de que as instituições que nos davam outrora a tranquilidade e o controlo da insegurança (a família, a escola, o bairro, a empresa e o próprio Estado), não têm o mesmo poder. A insegurança repousa, agora, sobre um sujeito solitário que se sente com muito pouca margem de manobra. Os mais conscientes de entre nós comprometem-se em acções colectivas, clamando por outros valores e formas de controlo democrático da sociedade sobre si mesma. Existem formas de encontrar processos de acção colectiva capazes de minimizar os riscos e aumentar as oportunidades geradas pelo progresso, criando uma capacidade reflexiva sustentada por valores de igualdade e equidade, de modo que, através de orientação reflexiva do progresso técnico, se consiga: – inverter as prioridades de relação entre lucro e qualidade de vida; – maximizar as oportunidades dos indivíduos e as suas capacidades de escolha e de afirmação identitária, proporcionando uma efectiva igualdade de oportu-nidades; – melhorar o funcionamento das democracias através de novas formas do que se apelida hoje de “governação”. É neste contexto que se pode situar o mal-estar urbano, identificado como um risco da sociedade moderna. Nele misturam-se as fronteiras da sociedade de alto risco e os riscos quotidianos, sem que se saiba, ao certo, quais os contornos da junção de uma consciência abstracta de mal estar societal com os riscos de viver na cidade, conferindo uma grande projecção aos fenómenos diários de violência urbana. A violência urbana é um problema socialmente construído pelos diversos agentes sociais que com ela lidam, misturando comportamentos muito diversos, desde a incivilidade e o vandalismo até às grandes violências mais espectaculares. Estes delitos, mais ou menos graves, são, por sua vez, exacerbados e ampliados pelo sentimento de insegurança da sociedade pós-moderna. Este problema está grandemente politizado, com um elevado manancial de interpretações sociais, culturais, éticas e políticas e as correspondentes críticas à “governação”, que é suposta controlar a violência. No entanto, os investigadores estão de acordo em que existe uma realidade objectiva que é a de uma violência crescente a par de um sentimento de insegurança que tende a desenvolver-se. Apesar da diversidade política das posições de princípio, todos entendem o mal-estar urbano como sintoma da crise dos modelos de integração social, e defendem a necessidade de reinventar a fórmula de integrar o desenvolvimento social, económico, cultural e ambiental, num processo de dinamização de uma democracia solidária. Parece haver consenso sobre os factores que estão na origem da violência: – crise da sociedade, nomeadamente do mercado do emprego; – falha dos processos de socialização, especialmente a família, o bairro, a escola, com particular destaque para as formas de acolhimento e guarda de crianças; – crise identitária e de valores de referência, face ao viver em conjunto, alimentada por fenómenos imigratórios mal resolvidos; – fenómenos de interacção negativa advindos de interacção cultural, migrações e territórios de exclusão. O debate, hoje, sobre as formas de intervenção face à violência urbana polariza as posições políticas (e os votos), e as medidas pedidas vão desde o aumento da repressão ao aumento da prevenção. Tudo isto exigirá a revisão do estado de bem-estar e dos sistemas de redistribuição. Incluirá, ainda, a renovação das instituições, a capacidade de integrar a diversidade, de oposição ao racismo e á descriminação, acompanhadas da racionalidade e eficácia que entenderia a globalização não só como um processo de ameaças mas, também, de oportunidades. Comparando com outros países europeus e os Estados Unidos, vê-se que Portugal não atinge as médias europeias de crimes violentos( v.g. homicídios), e fica muito aquém dos Estados Unidos, embora se tenham registado elevadas taxas de crescimento nos últimos anos. Esta criminalidade coexiste com elevado receio de andar à noite na rua, em particular nas proximidades das suas habitações, e é atribuído, principalmente, à falta de policiamento. Três estudos de âmbito europeu, com dados sobre Portugal, quantificam algumas das teorias atrás explanadas, confirmando-as, no caso do nosso país, em muitos pontos. Assim, haverá três explicações para a violência urbana, confirmando as hipóteses teóricas atrás referidas: – o resultado das condições de vida, surgindo a insegurança como aliada da ausência de protecção social; – o fracasso das instituições de inserção social, nomeadamente a escola e a família; – a tradução de dificuldades de estruturação identitária de algumas populações. Mais concretamente, no primeiro estudo são identificadas cinco questões estruturantes que influenciam a criminalidade e os sentimentos de insegurança: i)- as condições de vida com um número elevado de pessoas vivendo sós, o envelhecimento, as taxas de população imigrante, as transformações na estrutura familiar, as taxas de actividade feminina, o apelo a padrões de elevado consumo, etc.; ii)- os níveis de identidade nacional, o funcionamento e a confiança no governo e nas instituições de justiça são, também, considerados como factores integradores. Portugal destaca-se pelos relativamente reduzidos indicadores de confiança na polícia (55%), na justiça (31%) e de percepção da eficácia da polícia no controle do crime (45%). Estas situações contrastam com uma forte identidade nacional.; iii)- a competitividade e os efeitos na “flexibilidade” de inserção no mercado do trabalho, a instabilidade deste mercado, que concorrem para aumentar as dimensões da incerteza relacionada com o desemprego; iv)- a relação entre o aumento do sentimento de insegurança com o recuo dos sistemas de protecção social e a pobreza. Portugal surge como dos países com indicadores mais desfavoráveis quanto à dimensão da população pobre, mesmo após se considerarem os benefícios sociais atribuídos; v)- a relação entre a vitimação e o sentimento de insegurança com Portugal, a exemplo da Espanha, a revelar um exagerado sentimento de insegurança considerando as taxas de criminalidade. A percepção de insegurança é muito importante, porque afecta a tolerância dos cidadãos, os comportamentos de auto-protecção agressivos, as exigências institucionais, etc.. No segundo estudo é posta em evidência a importância da inserção social para se alcançar uma sociedade mais tranquila. O desemprego, a desinserção familiar e social, associadas ao decréscimo dos serviços urbanos, causa frustação e mal-estar, em particular entre os mais desprotegidos e vulneráveis, dando azo a comportamentos anti-sociais violentos. O combate à criminalidade não pode ficar a cargo de um único ministério, deverá antes ser objecto de uma política social, cultural, e económica integrada. O terceiro estudo faz uma análise pormenorizada das razões que levam à violência física por parte dos diversos grupos da sociedade, em particular das camadas mais jovens, identificando a violência como representação social, a violência como falha de interiorização das normas, a revolta dos jovens imigrantes, a violência como tentativa de ultrapassar a desorganização social e, mesmo, a violência enraivecida. Haverá que distinguir entre conflito e a violência que, muitas vezes, o traduz, procurar ir às causas dessa violência, estudar as suas manifestações ao longo dos tempos e nas diversas circunstâncias em que se torma visível, e procurar dar repostas às causas que sejam inaceitáveis por uma sociedade democrática, justa e desenvolvida. Estamos a assistir à transformação da sociedade numa sociedade de risco, que procura controlar o seu devir colectivo aliando conhecimento e acção aos novos movimentos sociais e cívicos. Mas o aumento da violência urbana é um sinal do mal-estar de muitos grupos sociais gerado por causas sociais, institucionais, pessoais e outras, a que urge dar resposta de forma diversificada sem, no entanto, termos a certeza de que poderemos viver juntos. 2. O papel da escola em Portugal como instrumento de inserção e coesão social foi analisado com grande pormenor sublinhando-se a sua capacidade de, em 30 anos, acolher toda a população em idade escolar na esperança de lhe proporcionar conhecimentos geradores de condições para alcançar um patamar de igualdade de oportunidades. Apesar das suas limitações, tem sido a instituição que mais tem contribuído para a democratização do país e para o seu desenvolvimento cultural, não obstante as críticas constantes e, por vezes, violentas, de que é alvo. No entanto, a escola, que, há 30 anos, estava pensada para os herdeiros daqueles, relativamente poucos, que se podiam permitir, ou conseguiam, ter os filhos a estudar, cresceu. Recebe agora todos, os que querem e os que não querem estudar, filhos de uma sociedade que se transformou radicalmente. Não estando isolada e sendo uma estrutura muito frágil, não se desenvolveu. Encara todos os alunos como se fossem um único, quando está perante a representação da sociedade que a envolve, com a diversidade cultural e étnica que a caracteriza ( mais de metade dos pais dos alunos que se diplomam na Universidade de Lisboa não têm a 4ª classe). A escola aparece, assim, implantada num determinado local sem que tenha conseguido estabelecer suficientes ligações com a comunidade que pretende servir. Ao grande número de alunos de tão grande diversidade, acresce o desemprego juvenil e da sua ameaça no horizonte da vida dos alunos. Todos estes factores se reflectem na escola e contribuem para gerar rupturas que levam à criação de um clima de violência conduzindo à instituição das diferenças. A escola deverá procurar evitar a criação de grupos de excluidos que surgem, ou por não ser capaz de criar abordagens adequadas às diferenças com que depara, ou por estar a utilizar novas formas de ensino, como o profissional, como forma de lidar com alunos com dificuldades de inserção. Corre-se o perigo de criar “ghettos” nas escolas, assim como escolas que, na sua totalidade, são “ghettos” em relação ao sistema escolar. A escola tem, pois, de ultrapassar as dificuldades em lidar com as questões da diversidade, e transformar-se numa instituição que receba os cidadãos e dê, de maneiras muito diferenciadas, a cada um, condições de desenvolvimento da dignidade humana. 3. Numa análise, fruto da experiência de quem convive diariamente com as populações de bairros “difíceis”, sobre as ligações entre marginalidade social e a proliferação de armas ligeiras, foi afirmado liminarmente que “onde a exclusão existe, aí se encontra o meio adequado para proliferarem as armas, porque em qualquer meio social onde não impere a força da razão, terá de imperar a razão da força, que encontra nas armas um meio adequado à conquista de posições”. Se se reparar na geografia da marginalização social ou se se estiver atento ao que dela se vai dizendo na comunicação social, verifica-se que as armas fazem parte do seu enquadramento. Os casos de grande violência, com mortos ou feridos graves pela utilização de armas de fogo, ocorridos na periferia de Lisboa ao longo dos últimos catorze meses, estão ligados ao espaço sociológico em que se verificaram pois a exclusão social alimenta-se, naturalmente, da utilização ilegal das armas e a promoção do negócio das armas alimenta e consolida a exclusão. Poderão ser indicados cinco motivos principais para esta marginalização e esta violência, quase todos passando por omissões ou falhas por parte do Estado, corroborando as indicações teóricas e os resultados dos três estudos feitos na União Europeia com dados sobre Portugal: i)- o Estado pouco mais faz do que contentar-se com afirmar que todos têm iguais direitos, mas, na prática, deixando cada um entregue a si mesmo, o que equivale a deixar a sociedade entregue à lei do mais forte; ii)- o Estado não é garante dos direitos para todos e, quando há conflito entre eles, prevalecem geralmente os interesses dos mais fortes… não obviamente por má conduta dos que aplicam a lei, mas por causa do sistema que, sobretudo no campo da justiça, é demasiadamente formal e acaba por inviabilizar a realização da justiça material; iii)- a justiça foi sempre a filha pobre dos valores defendidos pelo Estado; iv)- a ausência do Estado no apoio que deve dar à família na educação, não só na escola, mas também e antes de tudo no seio da própria família, não se substituindo à família, mas, em casos de verdadeira necessidade, colaborando para encontrar outros caminhos que não a marginalidade e a criminalidade; v)- o crescimento para a vida numa grande ausência de valores dados no seio da família. E, neste contexto, a violência de sentimentos, de atitudes contra tudo e contra todos, transforma-se também numa violência escudada nas armas que, entretanto, encontram nesses meios, um espaço vantajoso para serem traficadas e usadas. Porque as manifestações de violência vão subindo entre nós, impõe-se travar essa tendência, antes que seja tarde de mais. E parece que a nossa sociedade ainda não despertou para este perigo.

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