É hoje dado assente que Portugal está numa das situações mais complexas da sua história. Trata-se de uma situação que resulta da conjugação perigosa de fatores externos e da crise internacional com fatores internos, alguns deles crónicos. Todos hoje vemos um modelo de governação politicamente afastado dos cidadãos e economicamente injusto para as pessoas. Ao mesmo tempo torna-se cada mais evidente um modelo social muitíssimo mais avançado no que se refere à saúde e à proteção social mas que, ao mesmo tempo, demonstra sinais gritantes de pouca solidariedade. É verdade que aumentam as dádivas do Banco Alimentar e é verdade também que aumentam os Bancos de Voluntariado o que resulta do aumento de pessoas a viver com fome (por exemplo 2 em cada 5 crianças portuguesas estão em risco de pobreza) e de pessoas a viver em situações de solidão e de abandono (atente-se à situação das pessoas idosas em Portugal).
Ou seja, vivemos hoje num modelo social que se baseia na expectativa que tudo será sempre crescer e para melhor! Mas sabemos já do risco claro de que haverá gerações que poderão viver pior que os seus pais! Como viver esta contradição?
Neste contexto encontramos pessoas com experiências vividas na ultrapassagem de dificuldades e restrições! Mas há outras sem ela! Entre estas, há muitas que não têm rede de suporte, familiar ou outro!
Hoje podemos dizer que o “nosso iceberg está a derreter”! O nosso modelo social e cultural está em risco e só não vemos se não quisermos. Há hoje gerações a questionar o seu dever de contribuir para a sustentabilidade de gerações mais velhas. Vimos, há pouco tempo, verdadeiras “legalidades imperfeitas” quando empresas adotaram mecanismos legais para beneficiar alguns, prejudicando o contributo que seria de muitos. Há hoje pessoas “presas em casa” e pessoas abandonadas numa cama de hospital! Temos pessoas menos felizes, que desejam e exigem mais Estado Social mas que dizem estar menos disponíveis para contribuir ativamente ou através dos seus impostos!
Em suma, falamos hoje da necessidade de medidas para um futuro sustentável. Mas como construir este futuro sem uma alteração de comportamentos individuais e coletivos? Como recuperar uma visão de bem comum?
De facto estamos em crise económica e política mas, acima de tudo, vivemos uma crise de índole social que resulta, entre outros fatores, de uma verdadeira inércia para o serviço à causa pública e para um bem comum. Porque não ver “a crise como a bênção” que nos faz criar e sair ao encontro do outro? Numa sociedade cada vez mais complexa é fundamental criar condições para a construção de solidariedades vividas sob pena criarmos uma excessiva normatização ou uma enorme desorganização.
O momento é de facto complexo e como tal exige soluções adequadas, não apenas de mudança de imagem ou de cosmética. É fundamental uma mudança de rumo. Poderíamos colocar na vitrine do país um anúncio: “Um rumo coletivo precisa-se”.
Neste sentido, mais do que receitas, modestamente aqui ficam algumas linhas orientadoras para um futuro projeto social global que poderá assentar numa cultura:
– da confiança e não apenas do otimismo;
– da perseverança e não do êxito;
– da responsabilidade e não da culpabilidade;
– da esperança e não da nostalgia/saudade;
– da paciência e não da pressa e do imediato;
– das coisas e das mudanças pequenas e não da ambição do grandioso;
– da proximidade e do acompanhamento e não da distância;
– da cura e não da condenação.
O desafio passa fundamentalmente pela nossa capacidade coletiva de reinventar uma solidariedade simultaneamente micro e macro, onde se interliguem dinâmicas locais e de proximidade com a nossa corresponsabilidade nacional. Se é necessário tomar medidas de cariz imediato para acorrer a necessidades reais é também fundamental alterar comportamentos futuros, fomentando desde já uma educação para o serviço e para o compromisso cívico nas gerações mais jovens.
É essencial introduzir a noção de “bem comum” como finalidade de toda a ação a desenvolver (independentemente das crenças que professemos), tendo sempre subjacente uma lógica de verdadeira subsidiariedade entendida como co responsabilização pelo desenvolvimento e crescimento do outro como Pessoa, grupo ou comunidade.
É urgente reforçar os mecanismos de solidariedade e de coesão social existentes, tornando-os mais justos e equitativos, mas ao mesmo tempo investir numa racionalidade da economia do dom como via para passar do “eu solitário ao nós solidário” e assim garantir a sustentabilidade da nossa vida em e ComUnidade.
Henrique Joaquim
Professor Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa