PMA: da questão jurídica ao caso pessoal

Mary Anne d’Avillez O desejo de ter filhos faz parte do projecto de vida da grande maioria dos casais. No entanto, um número cada vez maior de casais no mundo ocidental é confrontado a certa altura, com a notícia de que este desejo não pode ser concretizado – são inférteis. Com o aparecimento de métodos anticonceptivos eficazes, a partir de meados do século XX, desenvolveu-se uma mentalidade na nossa cultura de que é possível exercer um controlo quase absoluto sobre a fertilidade humana. Basta “desligar” a fertilidade quando não se deseja uma gravidez e, quando o casal decidir que chegou a altura certa, “liga-se” novamente. Esta ideia faz com que seja ainda mais difícil aceitar o diagnóstico tão doloroso da infertilidade. Nas últimas décadas temos assistido a grandes avanços na medicina da reprodução que procura dar resposta à vontade legítima de resolver o desejo frustrado de uma gravidez, através da Procriação Medicamente Assistida (PMA); mas será que todas as soluções oferecidas são igualmente legítimas do ponto de vista ético? Como deve um casal orientar a sua reflexão se, tendo esgotado todas as outras possibilidades de tratamento, decide avançar neste campo? Por vezes pode ser difícil entender os argumentos bioéticos por a linguagem ser densa ou demasiado abstracta. Vou tentar reflectir convosco sobre alguns dos aspectos abrangidos pela lei da PMA, recentemente assinada pelo Presidente da República, tendo em conta as implicações mais pessoais para o casal, a dignidade inviolável deste, e das novas vidas humanas criadas (embriões). A fertilização in vitro homóloga implica a colheita dos gâmetas do casal, esperma do marido e ovócitos da mulher, para que, no laboratório, se tente fecundar esses ovócitos com os espermatozóides colhidos. Para aumentar a taxa de sucesso é importante colher vários ovócitos maturos. Assim, estimula-se a produção desses ovócitos medicando a mulher com hormonas durante o ciclo menstrual. Na altura certa os ovócitos são aspirados através de uma agulha própria. Este processo pode ser desagradável para a mulher, provocando mal-estar e stress físico, psicológico e emocional. Para o casal também pode ser complicado emocional e psicologicamente “colocar” a sua fertilidade e as hipóteses de uma gravidez nas mãos de terceiros. Aquilo que é, em geral, uma decisão e um acto tão íntimo e privado torna-se público. Nenhum casal deve avançar para um processo destes sem aconselhamento psicológico de um técnico especializado nesta área. A percentagem de casos em que uma gravidez é conseguida é moderada. Algumas equipas médicas sugerem que se tente fecundar o maior número possível de ovócitos para evitar novas colheitas no caso dos embriões transferidos para corpo da mulher não se implantarem. Para evitar uma gravidez múltipla normalmente não se transferem mais de três embriões. Assim os “embriões excedentários” são congelados para que possa haver nova tentativa de gravidez se o casal desejar. Devido a uma ignorância generalizada em relação a todo este processo, na sociedade em geral, muitos casais estão agora a ser confrontados com a necessidade de decidir sobre o futuro dos seus embriões congelados. Alguns nunca reflectiram sobre as implicações inerentes – de que cada embrião é uma vida humana nova – e só agora tomam consciência do sentido de “paternidade” em relação a estes “seus filhos”. Perante a lei têm a hipótese de os “receber”, de autorizar a sua doação a outro casal infértil ou de permitir que sejam usados para investigação científica, o que implica a sua morte. O casal que opta pela PMA pode exigir que só sejam fecundados o número de ovócitos possível de ser transferido durante o tratamento em curso. A lei nº64/X, PMA, prevê a possibilidade de, no caso de não ser possível colher espermatozóides do marido ou ovócitos da mulher, se poder tentar uma gravidez usando ovócitos de outra mulher ou espermatozóides de outro homem, dadores anónimos. Admite-se a intromissão de um terceiro na vida do casal. A este processo se dá o nome de “fecundação heteróloga”. Conceição Faria, psicóloga e especialista em Psicologia da Gravidez e da Maternidade, diz “A doação de ovócitos, a par com a doação de esperma e a comummente chamada “barriga de aluguer”, implica vivências psicológicas únicas e diferenciadas das gravidezes ditas normais.”1 Os filhos que nascem desta técnica, por lei não têm o direito de vir a saber quem são a mãe ou o pai biológicos o que, segundo alguns psicólogos, pode vir a afectar a construção da sua identidade como pessoa. Por lei é obrigatório que os cônjuges sejam “correctamente informados sobre as implicações médicas, sociais e jurídicas prováveis dos tratamentos propostos” (Decreto N.64/X, PMA, Art.º12º c). Será que a fecundidade do casal só se realiza através do nascimento de um filho? Muitos casais, tendo trabalhado individualmente e em conjunto a aceitação da sua infertilidade, encontram formas muito criativas e generosas de dar fruto ao seu amor. Mary Anne Stilwell d’Avillez 1 – Faria, Conceição, (2005), “Amor de Mães: A Experiência Gravídica e Parentalidade na Fertilização com Óvulos de Dador” pág. 181 in “Psicologia da Gravidez e da Parentalidade”, Coordenadora: Leal, Isabel. Fim De Século – Edições, Sociedade Unipessoal, Lda., Lisboa, 2005

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Agência ECCLESIA

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