Entrevista de D. Basílio do Nascimento ao Diário do Minho Diário do Minho — Os conflitos ocorridos em Timor- Leste põem em causa a independência do país? D. Basílio do Nascimento — Eu espero que não, embora a dureza e a violência dos acontecimentos faça temer isso. Também não se pode generalizar as coisas, isto é, como as notícias aqui chegam apenas pelo ecrã da tv, parece que Timor todo limita- se apenas ao rectângulo da TV. É verdade que há conflitos, mas neste momento toda a violência limita-se à cidade de Díli. No interior, excepto em Ermera, não há mais sítio nenhum onde haja violência. Agora, que estas coisas podem pôr em risco a independência, penso que não, porque o povo tem consciência de que isto custou muito a ganhar. Há, de facto, um descontentamento em relação à situação, sobretudo em relação ao governo, mas penso que agora, sobretudo com a chegada das forças internacionais, especialmente da GNR em quem a população de Díli e toda a população de Timor têm bastante confiança, espero que as coisas comecem a serenar, para depois dar tempo a que todos os timorenses possam pensar naquilo que aconteceu, naquilo que originou esta situação… DM – A demissão do Primeiro-ministro, que é muçulmano, embora isto não seja factor decisivo, pode resolver a situação? BN – Eu penso que há, de facto, um descontentamento em relação à pessoa do Primeiro- ministro [Mário Alkatiri], não pelo facto de ele ser muçulmano ou não — acho que isto não tem grande importância. Aliás, é justo realçar que o Primeiro-ministro timorense é bem intencionado, é competente, só que no relacionamento com o povo – e é isso que tem causado estas fricções todas –, não tem tido facilidade. Por vezes, as suas intervenções, em vez de contribuirem para limar as arestas, chocam profundamente as pessoas, quer a nível religioso, quer a nível da administração, quer a nível do reconhecimento pelo passado de muita gente com papel decisivo na independência do país. Há uma insensibilidade do Primeiro- -ministro em relação à realidade timorense que faz com que haja um fosso e uma enorme reacção, uma reacção que tem sido um descontentamento que nos últimos tempos descambou em conflito. DM – Que tem feito a Igreja? BN – Nesta fase, tínhamos que contribuir para a pacificação da situação. Porque a Igreja em Timor tem sido sempre acusada de ser muito poderosa ou muito influente, nós, os bispos, achamos que neste momento a influência que a Igreja deveria ter não deveria ser ao nível da política como foi no passado, mas ter um papel de apaziguamento, de reconciliação. Optou- se por não ser protagonista, porque creio que é tempo de pôr as coisas nos seus devidos lugares. A Igreja teve um papel de aproximação dos focos de possível conflito, de possível violência. Tratamos de segurar as pessoas, de acalmá-las… DM – As instituições da Igreja têm sido lugares de acolhimento, de refúgio… BN – Acho que é visível que a Igreja tem sido uma espécie de bombeiro. Nestas situações, em Timor e noutros países, cada vez que há um conflito é sempre à porta da Igreja que as pessoas vão bater, sobretudo os mais diminuídos. O pouco que tiveram em tempo de paz, perderam- no… E agora, a única instituição que tende a dar as mãos é a Igreja. DM – O que é que Timor e a Igreja de Timor esperam de Portugal, da Igreja em Portugal, da comunidade internacional, para repor a normalidade? BN – Receio que as pessoas olhem para nós e que digam: nós temos ajudado os timorenses, mas será que vale a pena? Ajudámo-los em várias situações, vivemos com eles, sofremos com eles e agora voltam a não entender-se, voltam a criar situações de conflitos entre eles — antes era por causa da Indonésia, agora viram-se uns contra os outros… É legítimo pensar-se assim, mas também é necessário ter a benevolência de considerar que as pessoas que mais precisam não são aquelas que geraram os conflitos; as pessoas que mais precisam são aquelas que sofreram as consequências desse conflito, de maneira que o que espero é que, pelo menos, essa ideia não se concretize. Em 1999, acompanhei muito de perto o sofrimento das pessoas: as casas foram incendiadas, não tiveram comida nem roupa, as crianças ficaram sem alimentação, as famílias ficaram sem o mínimo. Hoje, felizmente, não estamos naquela situação, as ajudas são mais fáceis, vai havendo comida, mas sou realista: a minha preocupação e o meu apelo é que Timor precisará mais, quando já não fizer parte das parangonas diárias, quando não for notícia… DM – Está em Portugal para exames médicos, amanhã [hoje] apresenta, em Paredes, uma campanha de solidariedade. A sua estada no nosso país tem também esta finalidade… BN – Exacto. A minha presença aqui, em Braga, este encontro com o senhor D. Jorge [Ortiga] como presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, visa sensibilizar e pedir à Igreja portuguesa que, mais uma vez, abra o seu coração para as necessidades que a Igreja de Timor faz chegar. DM – Veio fazer um pedido concreto? BN – Não. É verdade que a habitação é um problema, a alimentação é um problema, mas eu quero olhar para o futuro. Quando vejo jovens a queimar casas, interrogo-me: onde é que falhamos, o que é que falhou, o que é que faltou a esta juventude? Jovens que, tendo consciência da situação pela qual nós passamos, voltaram à violência… A resposta está na educação e na formação, que são importantíssimas, e isso é, sem dúvida, a aposta que a Igreja timorense deve fazer e o maior contributo que deve dar à sociedade, nesta fase. Mas há outra preocupação. Para mim, os dois pilares da identidade timorense serão o cristianismo, particularmente o catolicismo, e a língua portuguesa como factor de unidade entre o povo timorense; factor de unidade e também factor de afirmação, de tradição, etc. Timor e a língua tetum só beneficiam — e isto foi dito por um linguísta australiano, por isso insuspeito — se tiverem a língua portuguesa como base. Se se adoptou a língua portuguesa como língua oficial, penso que a Igreja timorense também deve dar um contributo enorme para a difusão, para a aprendizagem da língua portuguesa, que, repito, deve ser, e será sem dúvida, um factor de identidade e de unidade dos timorenses. Neste momento, porém, a Igreja timorense não tem capacidade para implementar e desenvolver esta ideia. Não temos capacidade nem a nível humano nem a nível de recursos financeiros. Temos algum recurso estrutural, mas as duas coisas mais importantes, que são os recursos humanos e financeiros, não os temos e, por isso, o grande desafio para a Igreja timorense como contributo que pode dar à sociedade é a formação e educação, também ao nível da língua.