Associação Effectus, que apoia pessoas com deficiência e acredita ser a «relação» que poderá resolver dificuldades, nasceu da vida de Flávio Soares que cresceu com o testemunho do Joaquim e do André, cujas vidas marcaram o percurso do programador informático

Lisboa, 9 jul 2025 (Ecclesia) – Flávio Soares, da associação Effectus, disse que os cuidadores de pessoas com deficiência estão “exaustos”, que importa tratar de quem cuida, sem cobrar “autonomia” porque as pessoas precisam ser ajudadas na sua realidade.
“Se uma mãe, que cuida do filho 24 horas por dia, que não dorme bem há anos, que direito tenho eu para dizer, que tem de aprender e criar autonomia nas respostas? Não tem de aprender nada, porque eu no mínimo não vou lá mudar as fraldas ao filho… O que eu posso fazer é preencher papéis – é esta a lógica da associação Effectus. Acompanhamos em processos, a partir da realidade da pessoa, ajudamos a obter ajudas, quer seja de equipamentos, prescrições médicas e complementos alimentares e sociais, de forma a retirar peso burocrático e aceder a diretos e a benefícios”, explica o presidente da direção à Agência ECCLESIA.
O responsável alerta para soluções “estandartizadas” que, “naturalmente têm de estar tipificadas”, mas indica, ser necessário acompanhar a realidade de cada pessoa, e que esse caminho só é conseguido através “da relação”.
“Nós não acreditamos muito na ideia de criar autonomia. Sim, isso é bonito, é muito interessante para muitas pessoas, mas não é solução para tudo. E às vezes parece-me que esta lógica de criar autonomia também é uma forma rápida de nos desresponsabilizarmos sobre estas pessoas”, lamenta.
A associação Effectus tem dois anos e nasce do conhecimento e da experiência de Flávio Soares a acompanhar pessoas com deficiência, mas também da vontade de “organizar a ajuda” junto de quem “vive tantas vezes numa pobreza e deficiência envergonhada”.
Flávio Soares tinha um mês quando os seus pais acolheram em sua casa um primo, Joaquim, com artrite reumatoide infantil, com baixa visão e a deslocar-se numa cadeira de rodas.
O Joaquim foi o meu irmão mais velho, que me ajudava na tabuada, nas contas, que era meu intercessor quando eu me chateava com os meus pais, que tomava conta de mim e que eu tomava conta dele quando mais crescido era necessário dar-lhe o urinol, ajudar a vesti-lo ou mudá-lo de posição.”
A realidade com que cresceu em casa, que mais tarde percebeu não ser a comum entre amigos da escola, conduziu Flávio a uma sensibilidade e disponibilidade para “ajudar” e “dar dignidade a quem não consegue fazer algumas tarefas sozinho”.
O crescimento do diretor da Effectus foi também marcado pelo André, um jovem com distrofia muscular de Duchenne, que faleceu com 15 anos: “A minha vida com o Joaquim levou-me ao André. O André foi um rapaz que era um ano mais novo que eu, que eu conheci pelos meus oito ou nove anos. A minha adolescência teve duas partidas do Joaquim, com 50 anos, e do André”, recorda.
A associação Effectus, cujo nome derivado do latim, quer “retirar o «d» de deffectus e dar apoios efetivos”, procurando acompanhar a realidade concreta das pessoas.
Desde 2013 Flávio Soares é voluntário no projeto anual de férias para pais de pessoas com deficiência, «Vem para o Meio», promovido pelo Santuário de Fátima, com o apoio dos Silenciosos Operários da Cruz, local onde conheceu a sua esposa.
“Eu recordo uma frase de uma mãe que agradecia aos voluntários, no final da semana, por esta semana de férias de descanso. Uma mãe que ficou ali durante aquela semana, mas que ainda assim foi possível descansar. E nós dizíamos: «Nós é uma semana, não é? Vocês é o ano todo». E esta mãe respondia: «Mas nós somos pais e vocês podiam estar na praia». Esta frase sempre me impactou e realmente aquilo que eu fui aprendendo com esta experiência é o darmos valor às coisas. As pessoas com deficiência tocam também a nossa fragilidade e eu sou quem sou porque me deixei tocar por elas”, assinala.
O contacto e a proximidade que nasce com os famílias e as próprias pessoas com deficiência levou Flávio a procurá-las, consequência da relação que se estabelece e, nesses momentos, a identificar fragilidades sociais e económicas.
“Por determinados comportamentos percebemos o que é que se passa em casa, e às vezes não é agradável, não é bom. São vidas muito difíceis, muitas delas escondidas. Situações de jovens que nós percebíamos, às vezes até pela forma de comer, se calhar a comida em casa não abunda assim tanto, que se calhar uma troca de fraldas se trata de uma fralda para um dia todo”, lamenta.
Quando criamos relação com a pessoa, compreendemos a sua realidade e procuramos ultrapassar as soluções estandardizadas. Se eu for procurado apenas para encontrar soluções para a pessoa e perceber que já não encaixa no que está disponível, vou achar que não posso fazer mais nada e isso não é verdade. A relação abre a muitas soluções. Quando me sento à mesa, quando aceito partilhar uma refeição, estou a dar dignidade a quem me oferece uma refeição.”
A conversa com Flávio Soares pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA, emitido na Antena 1, depois da meia-noite, e disponibilizado posteriormente no podcast «Alarga a tua tenda».
LS