Pessoa com Deficiência: «A Maria Joana levou-nos para o lado certo da vida» – Joana Morais e Castro

Docente da UCP fala sobre a sua «primeira escola de fragilidade», as conversas com imigrantes, a pergunta do seu filho que a levou, já adulta, a procurar a catequese e as cartas que ainda troca com a sua mãe

Foto: Agência ECCLESIA/LFS

Lisboa, 24 mai 2023 (Ecclesia) – Joana Morais e Castro, colaboradora da Área Transversal de Economia Social (ATES) da Universidade Católica Portuguesa (UCP), afirmou que as pessoas com deficiência são as “mais invisíveis” no mundo e que esta invisibilidade “deve chocar” a sociedade.

“O ser humano indigna-se se tocar no outro, se nos ouvirmos uns aos outros. As pessoas com deficiência têm muito pouca escuta e este projeto (Oito milhões de nós) é de escuta de histórias, não sobre a deficiência, mas sobre o que as pessoas pensam sobre várias dimensões da vida humana: o que é o amor, o perdão, a descriminação, a justiça, a liberdade. Nunca há uma resposta igual, por isso as conversas são maravilhosas”, refere, em entrevista à Agência ECCLESIA.

O projeto ‘8 Milhões de nós’, que está a ser desenvolvido pela ATES, nasceu da “inquietude” constatada pela invisibilidade das pessoas com deficiência: “Isto tem de nos chocar! Como não temos mais pessoas em tantos sítios, nos trabalhos, no supermercado, o nosso colega do lado? 17 % da população mundial tem uma deficiência e isso é invisível – somos a maior minoria do mundo e a mais invisível”.

Joana Morais e Castro, mãe de quatro filhos entre os 19 e os nove anos, entrou no “mundo da deficiência” pela mão da sua filha Maria Joana, que foi adotada e tem Trissomia 21; nessa altura, explica, a família encontrou “o lado certo da vida”.

“Começamos a sentir, com a Maria Joana, coisas que não sabíamos existir: exclusões, formatos de olhar para o ser humano que não sabíamos que existiam, obstáculos que não sabíamos, medos que não tínhamos – de futuro, do presente – e de repente percebemos que é tão bom – não é fácil, mas é bom. Percebemos que a perfeição estava aqui e isso levou-nos a assumirmo-nos como frágeis e levou-nos a pedir ajuda”, recorda.

“A Maria Joana faz-se amada como eu nunca tinha visto: pela pessoa que passa na rua, por um desconhecido – ela tem a capacidade de retirar sorrisos, abraços, e isto faz-nos pensar muito. A sociedade olha para ela, maioritariamente, identificando as coisas que ela não consegue fazer, e o que nós observamos em casa é um mundo incrível que ela nos fez construir”, acrescenta.

A Maria Joana pode não aprender a ler tão depressa e contar não é com ela, mas tem uma capacidade brutal de perdoar. Quando alguém lhe faz mal, quando um menino na escola a empurra, ela vai ter com o menino para o abraçar e dizer que gosta dele; e o que acontece é que o menino abraça-a de volta e diz «eu também gosto de ti» e não repete o comportamento. Isto ensina-me tanto sobre a nossa capacidade de perdoar, de nos entregarmos ao outro”.

Joana Morais e Castro identifica junto da UCP a oportunidade de, sendo um “local humanista”, poder ser “também um local da reflexão, do pensamento” e indica a necessidade de “pensar criticamente, refletir e evoluir”.

“Na Igreja temos de fazer muito caminho: questionar, incluir mais, abrir aos vários movimentos e à Igreja em si, para que as pessoas com deficiência possam ter posições de relevo. Temos de olhar para ao Novo Testamento e perceber todos os episódios com pessoas com deficiência e perceber o que nos dizem. Temos de dar esse passo”, indica.

Com formação de base na área do Direito, Joana passou por instituições como o Instituto Padre António Vieira, o Centro Comunitário São Cirilo, a Compassio, e assume que o comum em todos os percursos que realizou, foram as pessoas.

“As missões vão mudando e o sentido onde estamos também muda, mas o central são as pessoas. Sou profundamente apaixonada pelas pessoas. É nos encontros que escuto Deus. Em todos estes trabalhos onde estive e servi é isso que une: a fragilidade, a exclusão e o encontro, com as pessoas. Acredito que somos chamados a servirmo-nos mutuamente. Se estamos díspares de necessidade e nos podemos ajudar, se nos dermos a este encontro, vamos perceber que nos damos mutuamente. Quando há uma troca, percebemos que este é o único caminho para nos tornarmos humanos”, aponta.

Nesta conversa Joana Morais e Castro fala sobre a sua “primeira escola de fragilidade”, sobre as conversas com os imigrantes que conheceu no Centro São Cirilo que lhe falavam de Deus, sobre a pergunta do seu filho que a levou, já adulta, a procurar a catequese e sobre as cartas que ainda hoje troca com a sua mãe.

A entrevista é emitida esta quinta-feira no Programa ECCLESIA, na Antena 1, pouco depois da meia-noite, ficando despois disponível no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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