Francisco evocou problemas como a corrupção, os paraísos fiscais e a sobrelotação das prisões
Lima, 21 jan 2018 (Ecclesia) – O Papa Francisco desafiou hoje os bispos católicos do Peru a denunciar todos os “abusos” contra o povo, dando como exemplo a figura de São Toríbio de Mogrovejo (1538-1606), arcebispo de Lima.
“Nas suas visitas, pôde constatar os abusos e excessos que sofriam as populações nativas, não hesitando, em 1585, a excomungar o governador de Cajatambo, enfrentando todo um sistema de corrupção e uma rede de interesses”, recordou, numa intervenção que decorreu na sede da Arquidiocese de Lima, perante cerca de 60 prelados peruanos.
“A caridade deve ser sempre acompanhada pela justiça, e não há autêntica evangelização que não anuncie e denuncie toda a falta contra a vida dos nossos irmãos, especialmente dos mais vulneráveis”, acrescentou.
O Papa realçou a necessidade de “evangelizar o mundo da política”, lamentando os efeitos da corrupção na América Latina e o “fenómeno dos paraísos fiscais”.
A conversa com os bispos aludiu ao escândalo que envolveu a brasileira Odebrecht, a qual admitiu pagar subornos a responsáveis políticos, como um exemplo de ganância.
Francisco, que esta manhã cumprimentou alguns reclusos, em privado, alertou ainda para a sobrelotação das prisões, considerando que as mesmas funcionam como “escolas de corrupção”.
“A política está doente, está muito doente”, considerou, numa passagem improvisada.
O pontífice, admirador de São Toríbio de Mogrovejo – que nasceu em Espanha e estudou em Coimbra -, falou deste arcebispo como alguém que se mostrou sempre “ciente de que o bem espiritual nunca se pode separar do justo bem material e, menos ainda, quando se põem em risco a integridade e a dignidade das pessoas”.
Para Francisco, continua a ser necessário uma “profecia episcopal que não tem medo de denunciar os abusos e excessos cometidos contra o seu povo”.
O Papa apresentou São Toríbio como o “homem que soube chegar à outra margem”, deixando as comodidades do paço episcopal para percorrer o território que lhe estava confiado.
“Hoje chamá-lo-íamos um bispo «de estrada». Um bispo com as solas consumidas pelo muito andar”, precisou.
Francisco recordou que este arcebispo defendeu a ordenação de padres mestiços e procurou que os catecismos fossem traduzidos em quéchua e aymara, “visitando e vivendo com o seu povo” para aprender a falar a língua dos outros.
“Como é urgente esta visão para nós, pastores do século XXI, que – só para dar um exemplo – temos de aprender uma linguagem completamente nova, como é a digital! Conhecer a linguagem atual dos nossos jovens, das nossas famílias, das crianças”, prosseguiu.
Num olhar sobre o presente, o Papa convidou os bispos do Peru a trabalhar pela “unidade” da Igreja, evitando quaisquer divisões.
“Não podemos negar as tensões, as diferenças; é impossível uma vida sem conflitos. Estes exigem de nós – se somos homens e cristãos – que os enfrentemos e aceitemos”, assinalou.
No último dia de visita ao Peru, o pontífice agradeceu por dias “muito intensos e gratificantes”, da Amazónia ao Pacífico, continuando depois em conversa espontânea com os presentes.
Após o encontro, Francisco segue para a varanda do palácio arquiepiscopal para presidir à oração do ângelus.
A viagem do Papa ao Peru termina esta tarde com a celebração da Missa na Base Aérea Las Palmas; a cerimónia de despedida, no aeroporto de Lima, acontece às 18h00 locais (23h00 em Lisboa), a que se segue o regresso a Roma, onde o voo papal deverá chegar às 14h15 (13h15 em Lisboa) desta segunda-feira.
OC