Perplexidades sobre Timor

Timor voltou às primeiras páginas, por más razões. Sobressaltam-se os corações dos amigos de Timor e cresce a perplexidade de quem não entende o porquê de tantas convulsões, depois de se ter concretizado o sonho da independência. Sofrem os timorenses, e nós com eles. Desta vez, a vida de dois heróis da luta pela autodeterminação de Timor-Leste – Ramos Horta e Xanana Gusmão – foram colocadas em risco, ficando o Prémio Nobel a escassos milímetros da morte. Seria mais um dos construtores de paz a sucumbir a balas assassinas, juntando-se à galeria onde estão Martin Luther King, Yitzhak Rabin, Anwar Sadat e tantos outros que selaram com o seu sangue o serviço à sua causa. Felizmente, Horta sobreviveu. Para bem de Timor. As raízes desta crise são complexas. Certo é que, historicamente, a maldição do petróleo e do gás natural traz consigo – tantas vezes! – a turbulência política e a instabilidade institucional, em vez do desenvolvimento e da melhoria das condições de vida das populações. Esta é a explicação mais óbvia. Durante anos, antes da independência, ouvíamos dizer que Timor era tão pobre que jamais poderia ser independente. Hoje, com todas as suas imensas riquezas entretanto descobertas, tememos que não consiga ser independente, por se ter tornado demasiado apetecível. Os interesses econó-micos e geo-estratégicos que se cruzam em Timor, afogam este jovem Estado que não teve tempo para se consolidar. Mas há mais causas que geram esta instabilidade. O modelo de desenvolvimento económico dinamizado pelo primeiro Governo pós-independência, liderado por Mari Alkatiri, foi desastroso. A falta de capacidade efectiva para criar emprego e para desenvolver as infra-estruturas essenciais, como escolas, hospitais, rede viária e saneamento básico revelou-se fatal. Como bons marxistas ortodoxos, os líderes da Fretilin deviam saber que todas as revoluções nasceram em contextos sociais como este. E, à primeira oportunidade, a convulsão social começou, acabando por gerar uma enorme instabilidade. As Forças de Defesa de Timor-Leste (FDTL), tornaram-se no epicentro dessa crise, gerando cisões e desertores, entre os quais figuras como os famigerados Alfredo Reinado e Gastão Salsinha, protagonistas maiores dos ataques da passada semana. Neste processo, particularmente nos últimos anos, o papel da Igreja não tem sido tão claro como seria desejável. Sendo verdade que Timor deve à sua Igreja um contributo essencial para a obtenção da independência, não deixa de ser fonte de perplexidade o seu papel actual. Ora, neste momento crítico da vida do Estado timorense, torna-se vital que a Igreja volte a ser factor de unidade e de paz. Que cultive a concórdia e a coesão. Que construa pontes, onde existem abismos. Inspirada pela última encíclica do Santo Padre, a Igreja timorense precisa de se assumir com voz de uma esperança que salva. E Timor precisa de ser salvo. Rui Marques

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