A Congregação para a Doutrina da Fé publicou recentemente um documento a que deu o nome de “Considerações sobre os projectos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais”.
Começando por recordar “a natureza e características irrenunciáveis do matrimónio”, o documento lembra que a “complementaridade dos sexos e a fecundidade pertencem à própria natureza desse matrimónio”. Partindo da chamada “lei natural” e do fundamento bíblico do casamento, “elevado por Cristo à dignidade de sacramento”, o documento esclarece que não pode haver “nenhum fundamento para equiparar ou estabelecer analogias, mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus sobre a família”. Daí até dizer que as “relações homossexuais estão em contraste com a lei natural” é um passo, argumentando que “os actos homossexuais fecham o acto sexual ao dom da vida. Não são fruto de uma verdadeira complementaridade afectiva e sexual. Não se podem, de maneira nenhuma, aprovar”.
Logo a seguir, porém, vem a conversa já antiga sobre o “respeito, compaixão e delicadeza” devidos às pessoas homossexuais, contra quem “deve evitar-se qualquer atitude de injusta discriminação”.
O documento propõe “atitudes perante o problema da uniões homossexuais” que se resumem, em última análise, ao “dever opor-se-lhe de modo claro e incisivo”, podendo recorrer, no caso dos políticos chamados a tomar posição, ao “direito à objecção de consciência”.
Vêm depois as “argumentações racionais contra o reconhecimento legal das uniões homossexuais”.
Os primeiros argumentos apresentados são de “ordem relativa à recta razão”, defendendo que qualquer lei feita pelos homens deve, sempre, estar em conformidade com a lei moral natural. Por outro lado, sublinha-se o papel das leis na “promoção de uma mentalidade ou de um costume”, concluindo que a aprovação legal destas uniões, levaria à ofuscação de alguns valores morais fundamentais e à “desvalorização da instituição matrimonial”.
O segundo conjunto de argumentos apresentados são de “ordem biológica e antropológica” e resumem-se à verificação da impossibilidade da procriação, concluido que as uniões sexuais só “são humanas quando e enquanto exprimem e promovem a mútua ajuda dos sexos no matrimónio e se mantêm abertas à transmissão da vida”.
Em terceiro lugar são apresentados argumentos de “ordem social”. Partindo do princípio de que “a sociedade deve a sua sobrevivência à família fundada sobre o matrimónio”, e reafirmando a impossibilidade de as uniões homossexuais cumprirem as “funções pelas quais o matrimónio e a família merecem um reconhecimento específico e qualificado”, nomeadamente a função “procriadora e educadora”, conclui-se que “tais uniões são nocivas a um recto progresso da sociedade humana, sobretudo se aumentasse a sua efectiva incidência sobre o tecido social”.
Em último lugar, referem-se argumentos de “ordem jurídica”, defendendo que as uniões homossexuais não desempenham uma função em vista do bem comum, ao contrário do matrimónio que, ao ser de “relevante interesse público” reclama um reconhecimento institucional.
Quanto aos direitos comuns, reclamados pelas pessoas homossexuais, defende-se que recorram “ao direito comum para tutelar situações jurídicas de interesse recíproco”. A legalização das uniões homossexuais é, portanto, supérflua.
O documento termina com uma sugestão de “comportamentos dos políticos católicos perante legislações favoráveis às uniões homossexuais”. E a orientação é simples e clara: devem opôr-se sempre e em qualquer circunstância a qualquer iniciativa que vá no sentido de enquadrar juridicamente as uniões entre pessoas do mesmo sexo. E devem fazer os possíveis para revogar a legislação já aprovada nesse sentido.
Este documento não surpreende. Infelizmente, é mais do mesmo.
As pessoas homossexuais têm direito à sua realização afectiva e sexual. E isso passa pela união com pessoas do mesmo sexo. Sujeitá-las à clandestinidade é promover a instabilidade. Ao contrário do que se afirma, é mais prejudicial ao equilíbrio do tecido social essa precaridade do que o enquadramento social dessas relações.
O permanente recurso à “lei natural”, como argumento de condenação também suscita dúvidas. É que a homossexualidade também é natural e os homossexuais vão, naturalmente, continuar a nascer…
Por outro lado, não são as uniões entre pessoas do mesmo sexo que desvalorizam e ameaçam a função insubstituível ( e aí estamos de acordo) do matrimónio. São múltiplas e variadas as causas dessa desvalorização. Mas a legalização das uniões homossexuais é outro problema; misturar os conceitos leva a ambiguidades indesejáveis. Argumentar que essa legalização poderia levar ao aumento da “efectiva incidência” da homossexualidade no tecido social é desonesto: nenhum heterossexual se transforma em homossexual devido a essa possibilidade jurídica. É do senso comum que o que acontece é, com muita frequência, o contrário: homossexuais que, para fugir aos estigmas sociais, acabam por assumir relações heterossexuais feitas de muitos desequilíbrios e frustrações.
Apenas num ponto posso concordar com este documento: no que diz respeito à possibilidade de adopção de crianças por parte de casais homossexuais. Porque aí, os critérios que presidem à avaliação não têm a ver com com as pessoas homossexuais, mas com as crianças envolvidas. E, portanto, o que está em causa é o bem da criança e nunca a satisfação, legítima ou não, de um suposto desejo de paternidade ou maternidade. E nesse campo, os casais homossexuais terão de reconhecer as limitações específicas da sua orientação sexual: a impossibilidade de gerar vida. Não se pode ter tudo…
A defesa da família e do matrimónio é urgente e necessária. Mas deve ser feita pela positiva e pela defesa dos seus valores intrínsecos. E o que não falta são argumentos para essa defesa. Combater contra moinhos de vento, só baralha mais as coisas.
No que diz respeito à sexualidade e à moral dos afectos, a Igreja insiste em falar para os anjos em vez de se dirigir às pessoas. E, como se sabe, os anjos não têm sexo…
Uma última nota preocupante: ao mesmo tempo que era publicado em Roma este documento, o senhor George W. Bush interrompia o seu afã guerreiro para fazer uma solene declaração ao povo dos Estados Unidos da América sobre esta mesma matéria, defendendo posições muito semelhantes. Desconheço quem foi o estratega de tal concertação mas, nas actuais circunstâncias, não sei se será grande mais valia ter o “senhor da guerra” como apoiante em questões de moral…
Manuel Vieira (A Defesa)
