Padre António Henrique, diocese de Viseu
Li há uns dias um livro que me deixou, de certa forma, comovido, diria mesmo fascinado! O que quero dizer ao morrer (Editorial AO, Braga, 2024) é um livro de Maria Margarida Teixeira, «assistente hospitalar graduada em oncologia médica no IPO em Coimbra», em que a autora «dá a conhecer o modo pessoal de viver a Oncologia» e, particularmente, a sua relação com as pessoas doentes e todo o universo que as envolve. É um livro bem escrito, que se lê com muita vontade e rapidamente, e cujo conteúdo é cheio de vida, ternura e emoção.
As histórias, reais, que relata são autênticos acontecimentos de esperança que, rasgando o horizonte do mundo finito, elevam o sentido da vida a uma dimensão superior, de transcendência, ensinando-nos que «há muita vida no fim de uma vida», quer seja no fim dos dias, enquanto peregrinos deste mundo, quer seja na vida do mundo que há de vir.
A pergunta «onde está a esperança?» é o pórtico que abre ao leitor a possibilidade de, com a Drª Margarida, percorrer aqueles corredores, entrar naqueles quartos e, sobretudo, encontrar-se com as pessoas, aquelas ou outras com quem nos vamos encontrando no dia a dia, como um sinal tangível de esperança.
A pergunta pela esperança sai da boca de um doente, deitado na cama do hospital: «a mão do doente [refere a Drª Margarida, …] apertou a minha mão […] e, de repente, vindo do mais profundo do seu ser, […] perguntou-me, olhos nos olhos: – Drª Margarida, onde está a esperança? Fico sem palavras! […] quando oiço: – A minha esperança está na sua mão. […] Passei a noite sozinha […] a pensar no que o doente sabia, que eu não sabia. Depois de meses difíceis a lutar contra um cancro, o doente ainda acreditava num lugar chamado Esperança» (cf. pp 21-22).
A propósito daquela pergunta, que tantas vezes pode existir no mais íntimo de cada um de nós e à qual dar resposta se torna tão difícil, penso na iniciativa “outubro cor de rosa” e na luta contra o cancro; penso também nos próximos dias 01 e 02 de novembro, respetivamente dia de Todos os Santos e de Todos os Fiéis Defuntos, mas penso especialmente no próximo Jubileu 2025, um Ano Santo, proclamado pelo Francisco através da Bula Spes non confundit – «a esperança não engana» – que terá como mensagem central, precisamente, a esperança.
Retirada do manancial de esperança que atravessa todo o epistolário paulino como um leitmotif, desde a Carta da esperança (1 Tessalonicenses) ao Testamento da esperança (2 Timóteo) e que encontra na Carta aos Romanos o seu ponto mais expressivo, a citação bíblica «Ora a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rom 5,5), introduz o tema da esperança e apresenta esta virtude não apenas como uma âncora que dá estabilidade e segurança à vida do crente, mas também como a força motriz que imprime dinamismo, indica a direção e projeta o crente para o encontro com os seus irmãos, companheiros de caminho, e daí para o mundo que há de vir; porque a esperança cristã não engana e tornar-se-á realidade.
Para descrever esta virtude, que tem a confiança como núcleo central, São Paulo utiliza em primeiro lugar o substantivo elpís (ἐλπίς) «esperança», presente 53 vezes no Novo Testamento, das quais 36 no epistolário paulino, ao qual se juntam as 31 ocorrências do verbo relativo elpízô (ἐλπίζω), «esperar», das quais 19 são no epistolário paulino.
O texto de 1Cor 13,13, onde encontramos o tríptico das “virtudes teologais”, «estas são as três coisas que permanecem: a fé, a esperança e o amor» (cf. 1Tes 1,3), em que a esperança ocupa o posto central, serviu de inspiração ao escritor e poeta francês Charles Péguy para escrever um maravilhoso poema intitulado Os pórticos do mistério da segunda virtude, que vale, muito, a pena ler, descrito pelo cardeal Tolentino de Mendonça como «porventura, o mais assombroso poema sobre a esperança de toda a literatura contemporânea».
Leiamos com calma um breve excerto: «A Fé é uma Esposa fiel. A Caridade é uma Mãe. […] Mas a Esperança é uma menina que parece não ser nada. […] Mas é essa menina que atravessará os mundos. Essa menina de nada. Só ela, guiando as outras, atravessará os mundos revolvidos. […] A pequena esperança caminha entre as suas irmãs mais velhas e não lhe é dada a devida atenção. No caminho da salvação […] no caminho pedregoso da salvação, na estrada interminável, nessa estrada entre as suas duas irmãs, caminha a pequena esperança. Entre as duas irmãs grandes. […] A primeira e a última. Que caminham com pressa. Para o tempo presente. No instante momentâneo que passa. O povo cristão só vê as duas grandes irmãs. Só olha para as duas irmãs grandes. A da direita e a da esquerda. E quase não repara na que caminha no meio. É ela, essa menina, que arrasta tudo consigo. Porque a Fé só vê aquilo que é. Mas ela, ela vê aquilo que será. A Caridade só ama aquilo que é. Mas ela, ela ama aquilo que será. A Fé vê o que é. No Tempo e na Eternidade. A Esperança vê o que será. No tempo e na eternidade».
A esperança vê o que será porque antes de ser virtude, ela é evento salvífico que nasce do amor e da fé e se alimenta e funda no amor que brota do coração trespassado de Jesus, na Cruz. «De facto, foi na esperança que fomos salvos. Ora uma esperança naquilo que se vê não é esperança. Quem é que vai esperar aquilo que já está a ver? Mas, se é o que não vemos que esperamos, então é com paciência que o temos de aguardar» (Rom 8,24-25).
Por isso, a esperança é não apenas salvação, mas também paciência. Quando a fé e o amor são postos à prova – a vida é feita de alegrias e dores – por entre o nevoeiro ou as trevas dos problemas, que podem levar ao desespero, emerge uma outra virtude, que o Papa apresenta como «parente da esperança: a paciência», a perseverança como luz.
Portanto, para exprimir a outra face da esperança, quando ela avança com perseverança e paciência na nossa história, muitas vezes sombria e acidentada, o Novo Testamento utiliza o termo hypomonē (ὑπομονή) – 32 ocorrências (16 no epistolário paulino) – que evoca a ideia de «permanecer sob» um fardo a suportar, um «permanecer sob» um céu escuro com a certeza de que o momento vai passar e brilhará a luz da esperança que faz acreditar.
Creio na vida eterna. Assim professamos a nossa fé em cada domingo e sempre que recitamos o Credo. A esperança em causa é, em última análise, a da ressurreição dos mortos, que somos chamados a testemunhar no dia a dia, e em particular na adversidade. Neste sentido, a esperança e o testemunho da ressurreição andam, assim, de mãos dadas, porque ambas decorrem da ação do Espírito Santo.
E porque vivemos aguardando a vinda gloriosa de Cristo salvador, vivemos também na esperança de vivermos para sempre n’Ele, pois no «entardecer das nossas vidas» surgirá o grande dia da esperança, a Páscoa de Cristo e a nossa, a salvação plena cantada no final do livro por excelência da esperança, o Apocalipse. «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22,20).
Confiados a Maria, «Estrela do Mar, que repetia o seu “sim” sem perder a esperança e a confiança no seu Filho», procuremos, todos, aproveitar o próximo Jubileu da esperança como oportunidade para um encontro vivo e pessoal com Aquele que é a porta e o rosto da nossa salvação, «Jesus Cristo, nossa esperança» (1Tm 1,1).
N’Ele, «renovemos o nosso compromisso com a vida [a nossa e a] do outro» (cf. p.120), porque o testemunho é a fonte e o fermento inesgotável da esperança e a esperança necessita do testemunho para se tornar credível. Assim, só quando vivermos e nos deixarmos transfigurar por esse encontro com Cristo é que conseguiremos ver para além do que estes olhos alcançam e nos tornaremos verdadeiros peregrinos de esperança, semeadores da bondade, da beleza e da ternura que, com gestos concretos, tocam a vida real das pessoas e da criação.
Então, chamados a ser sinais concretos de esperança, «caminharemos juntos [sobre esta terra] sem perder de vista a grandeza da meta», a cidade santa, a Jerusalém celeste (cf. Ap 21,2.10).