Pentecostes: a festa dos povos

Nota Pastoral do Bispo de Angra sobre o fenómeno migratório «Não faças a ninguém o que não queres que te façam» (Tb 4, 15)! Os acontecimentos no Canadá, que tiveram como protagonistas emigrantes portugueses, vieram reavivar a memória da experiência migratória, que marca a nossa história. Primeiro fomos nós, que procurámos longe da pátria melhores condições de vida. Hoje, são outros povos que escolhem a nossa Região, para concretizar o sonho de uma vida melhor. Quase nem damos por eles. Por um lado, isso pode ser o sinal de progressiva integração, que se vai realizando sem grandes sobressaltos. Mas, por outro, esperemos que isso não signifique indiferença diante de dramas humanos, que se passam portas adentro, sem nos apercebermos. A Festa dos Povos, que celebramos todos os anos em Pentecostes, é um momento oportuno para despertamos para a realidade hodierna, não só do fenómeno da mobilidade humana em geral, mas, sobretudo, para a presença, na nossa sociedade, de numerosos trabalhadores estrangeiros. As estatísticas apontam para cerca de 5.200 imigrantes nos Açores: 4, 6% da população activa. Não faças a ninguém o que não queres que te façam! Assim concretiza a Bíblia o mandamento do amor para com o próximo. Sensibilizou-nos sobremaneira a saída forçada de compatriotas nossos do Canadá, que, de um momento para o outro, viram desfeitos os seus sonhos e projectos de futuro, construídos com tantos sacrifícios. Ficámos indignados com a falta de cumprimento de expectativas criadas. Chocou-nos a exploração da boa fé e de algum desamparo. Isso é o pão-nosso de cada dia da realidade migratória, dentro e além fronteiras. Celebrar o Dia Diocesano do Imigrante constitui um apelo às comunidades, no sentido de fazerem um exame de consciência sobre a maneira como tratam os imigrantes presentes no seu seio. Não faças a ninguém o que não queres que te façam! Como clamamos por sentido de humanidade para os nossos lá fora, temos de ver como é que vai o nosso sentido de humanidade e de justiça para com os trabalhadores estrangeiros, que estão a contribuir para o nosso bem-estar. Isso não é só questão do Governo, com a sua actuação, nem simplesmente da Assembleia da República, com a legislação, que tem de promover. Toca também – e como! – às comunidades cristãs, mais próximas das pessoas, com o seus problemas e dificuldades. É aqui, no terreno, na vida do dia-a-dia, que se deve ver se estamos a tratar os outros – o outro, o estrangeiro, o diferente – como desejaríamos que nos tratassem a nós ou aos nossos. Esta celebração do Dia Diocesano do Imigrante tem como objectivo, precisamente, levar para o terreno as declarações de princípios e de boas intenções, as promessas de acolhimento e de apoio. Para além de iniciativas pontuais, trata-se de promover e consolidar a vivência quotidiana da abertura e do intercâmbio, da assistência e da integração. É evidente que estamos todos interessados na regularização – duma e doutra parte – até mesmo, para que não haja exploração, na origem e no destino. A Lei da Nacionalidade vem de algum modo facilitar a legalização. Mas, às vezes, os imigrantes vêem-se enleados em teias processuais, que lhes criam dificuldades de toda a ordem. Para além do resto, uma das grandes ajudas que lhes podemos dar é o apoio jurídico. É também óptimo caminho de integração, no respeito e promoção da cultura dos imigrantes, o espaço e o apoio, que se dá às associações próprias, que se vão formando e vingando. Isso é sinal de que os imigrantes se vão tornando cidadãos de pleno direito, com estruturas próprias de defesa e promoção da identidade e diversidade culturais. Integrando-os, nós não os queremos «assimilar». Queremos que sejam parceiros, com o seu lugar próprio na comunidade, com a sua identidade singular, para construir esta sociedade, que se sente enriquecida com a sua presença, não só do ponto de vista económico, mas também do ponto de vista cultural e religioso. A mudança de mentalidades e de atitudes não se faz com uma celebração uma vez por ano e muito menos com feiras ou um ou outro «fórum». É um compromisso diário de cada um de nós. A tal nos empenha a fé, que, a ser autêntica, opera pela caridade, o que implica um vivo sentido de humanidade, unido à prática da justiça, no respeito pela dignidade e direitos da pessoa humana, seja ela quem for, venha donde vier. É sempre um meu irmão em humanidade. Não faças a ninguém o que não queres que te façam! E, assim, será Pentecostes, a Festa dos Povos, que o Espírito Santo reúne numa só família. + António, Bispo de Angra

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