Madalena Abreu, Diocese de Coimbra
Pode até ser um remédio para as insónias!
É impressionante a rapidez com que nos acostumamos com a guerra. Qual de nós ainda se lembra que está uma guerra a acontecer na Síria? E não nos faltariam outros episódios trágicos dos nossos dias para perceber a voracidade trucidante das notícias. É o mundo a dissolver-se nos écrans mais perto de nós a cada minuto que passa.
Será isto a banalização do mal de que falava Hannah Arendt? As guerras do nosso tempo continuam a suceder-se, a cruzar fronteiras e mares; continuam a devastar terras, a engolir casas e pessoas. E, agora, com maior força no seu impacto tentacular através das redes de comunicação. É a propagação das imagens, considerada como informação “a que todos têm direito”. E pergunto: não será esta comunicação mais um motivo de grande preocupação?!
Precisamos olhar para isto com seriedade. Devemos colocar a questão sempre difícil e amarga de a quanta informação devemos aceder? E qual? E em que moldes?
Qualquer que seja a resposta que cada um atira, todos concordamos num ponto: a nossa atenção tem de ser educada. Este é um princípio fundamental de sobrevivência! E, pelo menos, por duas razões fundamentais. Mas primeiro partimos de um pressuposto para nos entendermos: vivemos com a violência e a guerra diariamente. Os meios de comunicação social vão-nos apresentando este mundo cravejado de horrores com uma fatalidade à qual não se pode fingir ou fugir.
Primeira razão para educar a nossa atenção: porque somos sistematicamente arrasados por estas imagens, tendemos a torná-la banal. Banalizamos a violência e a guerra ao ponto de os tornar fenómenos banais e inevitáveis. Mas a guerra não pode ser banalizada.
Segunda razão para educar a atenção: ao sermos bombardeados diariamente com imagens e sons de guerra, enquanto acontecimento social fatal aos quais não se pode fugir, somos empurrados para um ambiente mole, para a passividade. Quer dizer, esta enxurrada de informação sobre realidades tão cruéis, as quais não podemos controlar e pensar, pode desencadear em nós uma contrarreação de quietude e até adormecimento! Portanto, mais vale educar a atenção a deixar-se ficar hipnotizado.
E porque senti eu a necessidade de falar da educação pela paz?
Por estes dias passei por Varsóvia, e, numa nesga de tempo, mergulhei num dos museus desta fantástica e martirizada cidade: o Rising Museum. Aqui se vê e cheira a perseguição daquele povo. A tentativa de liberdade, paz e democracia em 1944. Dentro de portas, a ocupação nazi. Os soviéticos do outro lado. Fiquei esmagada. Fico sempre ao fazer memória de episódios tão cruéis e monstruosos como são o holocausto e o regime estalinista e os gulags.
Os Museus e memoriais dos horrores cometidos são antídoto para um possível mal futuro. São histórias a contar, dentro de parâmetros de respeito, de crónicas bem contadas nas quais a finalidade é clara e transparente: pretende-se prevenir e redimir. A maior parte das vezes incomoda-nos brutalmente, mas com a oportunidade de criar um bem maior. Estes locais de incômodo são caminhos para a paz pretendida.
Se o espaço informativo dos cenários de guerra nos pode deixar anestesiados, os lugares guardados e cuidados para fazer memória viva aparecem como possíveis espaços de redenção.
A edificação da paz é lenta, e está longe de ser o prémio já obtido. O próprio Jesus alertou que a paz não existe por si própria. É uma construção trabalhosa, muitas vezes em cenários de contradição, clamando por diálogo num chão de muita discórdia. Trata-se da paz em construção que passa pela luta pelo desarmamento e preservação da dignidade da pessoa humana, desde logo do seu direito à vida. Ou por temas pelos quais se tem batido o Papa Francisco como o combate à escravatura, a necessidade de vencer a indiferença, a não-violência como política, a proteção aos homens e mulheres em busca de refúgio, ou a política como serviço à coletividade humana.
Educar para a cultura da paz não significa tolerância passiva. Como acabou de se ver, muito pelo contrário. Exige educar a atenção, exige reflexão, exige empenho e trabalho na construção do mundo.
Exige responder à questão: trabalho na cultura da paz ou na sonolência da guerra?!
Sonhamos com a paz! Sempre.
Madalena Abreu
Comissão Diocesana Justiça e Paz (Coimbra)