Pe. Tony Neves receia fraca participação nas eleições

Falta de crédito nos políticos e recordações do processo eleitoral de 1992 podem afastar angolanos das urnas Angola vai viver nos próximos dois dias (5 e 6 de Setembro) um processo eleitoral legislativo. Há 16 anos que os angolanos não iam às urnas. As recordações das eleições legislativas e presidenciais de 1992 deixaram marcas, receios e incertezas quanto às presentes eleições. O Pe. Tony Neves, sacerdote espiritano, esteve recentemente em Angola, numa missão em Chinguar, juntamente com os Jovens Sem Fronteiras. Durante todo o mês de Agosto, o sacerdote teve oportunidade de estar na cidade de Luanda e também em musseques (bairros periféricos de lata onde vivem pessoas muito pobres sem condições de vida). Esteve ainda no Planalto, em Huambo, no Quito e Chinguar, áreas arrasadas pela guerra e onde o espectro do fracasso das eleições de 1992 está muito presente entre as populações de mais idade. O Pe. Tony estava em Angola em 1992. “Nessa altura, acompanhei toda a campanha eleitoral. Ajudei a mobilizar o povo para votar e vivi a desilusão do fracasso e a guerra mais terrível que aconteceu nos pós eleições”, recorda. Actualmente, nas periferias de Luanda vive-se a expectativa e o desencanto. O povo que mora nos musseques vive amontoado, em condições humanas muito más, pessoas marcadas pela pobreza, pelo desemprego, pela precariedade das habitações e pelo lixo. “As pessoas percebem que vivem num país rico e que os governantes não fazem tudo o que podem para os tirar da situação de pobreza”. O sacerdote recorda muitos jovens com quem esteve a afirmarem não terem intenção de votar porque “tudo está decidido”. Tanto o sacerdote espiritano como os jovens que o acompanharam no projecto de ponte dos Jovens Sem Fronteiras, tentaram incentivar à participação, recordando que “se eles não votarem, estão a pôr nas mãos dos outros a capacidade de decidir”. O sacerdote lamenta, mas acredita que muitas pessoas na periferia de Luanda não irão às urnas. No Planalto a situação altera-se ligeiramente. Os mais velhos sofreram “na pele” os efeitos do fracasso das eleições de 1992 e a perseguição às pessoas envolvidas no processo eleitoral, “os que foram candidatos e sobretudo os que estiveram nas mesas de voto”. No interior, as pessoas sentem-se abandonadas. “Vêem que há trabalho em curso na reabilitação das estradas, apesar de ainda fraco no interior, há muita construção de pequeninas escolas e centros de saúde”, explica, evidenciando que algumas coisas estão a acontecer, facto motivador para a população. No entanto, as pessoas “também não vêem grande alternativa e ficam num misto de sentimentos”. O que é certo é o medo da guerra que “persiste nas pessoas mais velhas. As novas gerações que não viveram as eleições anteriores, olham para o futuro com mais esperança”. Processo pacífico O sacerdote acredita que o processo eleitoral em Angola será pacífico, mas “não pelas melhores razões”, dada a ausência de oposição. “A oposição é muito frágil”. Angola viveu no “bipartidarismo e na lógica da guerra”. O espiritano explica que “resta muito pouco da UNITA e o MPLA não tem oposição”, uma realidade que “corre o país”. Alguma “confusão, a acontecer, será residual”, mas “não entre partidos, pois não há condições para Angola voltar à guerra”. Desigualdade evidente O Pe. Tony Neves chama a atenção para a força dos pobres. “Há muita gente que se sente excluída da mesa do petróleo e dos diamantes”, um factor que pode conduzir a “focos de revolta”. “As pessoas sentem que o país é rico, mas há pouca gente com muito e muita gente sem nada”. O sacerdote reconheceu esta “revolta nos musseques”, mas também no interior de Angola. O Pe. Tony aponta ainda a ausência de uma cultura de participação. “Entre a bipolarização de dois partidos de guerra, imperou a lógica absolutista, logo as pessoas não estão habituadas a participar, mas a obedecer cegamente”, com consequências dramáticas em caso de desordem. A liberdade de expressão e a participação são ainda “incipientes”. Os dinamismos de participação são algo que “quem ganhar as eleições deveria fazer”. Papel da Igreja O Pe. Tony Neves reconhece que “houve um trabalho de grande mentalização”, sublinhando o trabalho da Igreja Católica, que afirmava que “a violência não vai regressar”. A Igreja continua muito interveniente, explica o sacerdote. Durante a guerra, a Igreja denunciava as atrocidades, propunha caminhos de paz e ajudava solidaria e humanitariamente. Com a chegada da paz, a Igreja teve de converter o discurso e a prática. “Segue uma linha de reconstrução, não só de estruturas mas também de mentalidades e de uma verdadeira cultura de paz”. Recorde-se que os bispos angolanos publicaram três notas pastorais apelando à participação no processo eleitoral, recorda o Pe. Tony, “a serem livres e não se deixarem levar por pressões, a reflectirem no processo que querem para o país, e depois, de forma livre e responsável, a votarem”. Este é um trabalho que terá de continuar.

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