Património religioso no orgulho dos alentejanos

Beja no roteiro dos tesouros da Igreja, que são tesouros da Europa Programa Ecclesia – Que objectivos presidiram à convocação deste I Congresso? José António Falcão – Depois de feita uma reflexão sobre o papel dos museu na sociedade contemporânea actual, definir caminhos (que têm quer ser feitos cada vez mais em cooperação europeia), para salvaguardar um património que está claramente em risco. Neste momento, o património da Igrejas, das diferentes Igrejas neste continente europeu, está em risco. Há factores de agressão, há a falta de uma estratégia, há todo um conjunto de problemas que têm vindo a agudizar-se nos últimos anos, que obrigam a que haja uma tomada de consciência por parte da sociedade em geral para estas dificuldades, e sobretudo conseguirem implantar, nas diferentes regiões da Europa, medidas pioneiras, planos, projectos, que permitam fazer face ao descalabro que está a surgir. PE – Numa ocasião em que não é possível contar com muitas ajudas governamentais… JAF – Neste momento vê-se claramente uma dificuldade, por parte do Estado e outras Instituições Públicas, em acudir a este património. Cada vez mais nós temos que apostar em que sejam as comunidades a organizarem-se e que seja a sociedade civil a defender aquilo que é seu, numa lógica de parcerias, na lógica de redes. Neste momento já não podemos contar, como acontecia há alguns anos, com o manto protector absoluto por parte do Estado. PE – É necessário abrir espaços de culto a outras utilizações? JAF – Existe claramente ou grande número de igrejas que ou já estão em abandono ou caminham para aquilo que nós chamamos a redundância. Ou seja, igrejas sem uso cultual permanente, igrejas que, no fundo , permanecem 365 dias por ano fechadas. Nestes casos, a reafectação, a possibilidade de lhes dar um novo uso – como ateliers para artistas, como locais de cultura, até quem sabe, como locais de educação e, evidentemente, abrindo-as e conseguindo que elas façam parte de itinerários, de percursos que tragam até elas visitantes – são medidas prioritárias PE – Em que consiste o desafio de transformar um tesouro num museu? JAF – O grande desafio é conseguir que todo o património religioso – e não apenas o cristão ou o católico, mas também o do judaísmo e do islamismo, que está presente entre nós – possam desempenhar uma função social adequada aos problemas do nosso tempo, tendo em vista a necessidade que estes museus, que muitas vezes estão mortos, passam estar vivos, passem a desempenhar cabalmente a sua missão. Não é apenas preservar o património, é também e estudá-lo e divulgá-lo. PE – O transformar determinado património em museu coloca-o automaticamente disponível para ser visitado? JAF – A grande dificuldade com que nos debatemos, em particular no nosso país, é que existe já um conjunto razoável de museus, mas não estão bem apetrechados tecnicamente, não dispõem de horários regulares, não dispõem de guardas, de conservadores e de outros responsáveis que lhes permitam insuflar uma vida verdadeira, que esteja ao serviço de todos. Por outro lado, espera-se muito, neste momento, do património religioso. Ele vai ser certamente, nos próximos anos, um dos principais recursos no âmbito de um turismo cultural e de um turismo ambiental. PE – Em Beja já o é? JAF – Em Beja começamos a ter sinais de esperança. Esta diocese, que viu com grandes dificuldades, no início dos anos oitenta, o seu património ser degradado, ser destruído, ser furtado, apresenta hoje um conjunto de experiências que já conseguem implantar-se no terreno. São experiências feitas a partir das comunidades, com a modéstia própria de todo este trabalho – os nossos recursos não são muitos – mas estamos a conseguir, neste momento, que um número de visitantes significativo, em várias circunstâncias, comecem a visitar as nossas cidades, as nossas vilas e até se adentrem no mundo rural, que esse sim é o mais ameaçado. PE – Comprova-se, em Beja, que o investimento na preservação do património é rentável? JAF – Eu creio que esta aposta que está a ser feita, na salvaguarda de monumentos religiosos, na possibilidade de criar uma rede de museus, que é a nossa aposta – não já um grande museu diocesano centrado em Beja, mas sim museus de pequena e média dimensão, distribuídos por todo o território – está claramente a revelar-se uma aposta adequada. Há agora que pensar no futuro. Porque, e eu costumo insistir neste aspecto, o verdadeiro dia da vida de um museu começa no dia seguinte à sua inauguração. E esta sobrevivência do trabalho e a possibilidade de ele se expandir é que constitui no fundo o segredo de qualquer intervenção digna desse nome, neste campo tão delicado, tão frágil e tão ameaçado. PE – Na última semana inauguraram o último museu da rede museológica, em Beja. Como está pensado o desafio à sobrevivência dos 7 museus espalhados pela Diocese? JAF – Aqui em Beja temos insistido na criação de parcerias. Parcerias com o estado, através do Ministério da Cultura que nos tem apoiado de uma forma significativa, não só do Instituto do Português do Património Arquitectónico, mas também o Instituto Português de Museus e do Instituto Português de Conservação e Restauro; a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional tem aqui um papel decisivo; e depois os Municípios e outras entidades locais. Sem este conjunto de parcerias, nas quais envolvemos, por exemplo, as regiões de turismo, seria impossível manter viva esta rede, esta presença, que nós gostaríamos que pudesse continuar no tempo e viesse a ser ampliada de modo a contemplar outros locais que actualmente não é possível ainda preservar. PE – O que tem feito do investimento na preservação do património religioso uma aposta com sucesso? JAF – Em Beja, depois de algum momento de dificuldade e de um certo desânimo – que não tocou apenas o património religioso, foi um fenómeno mais generalizado – sentimos que, neste momento, há um entusiasmo muito grande, que percorre diversas estruturas, diversas camadas populacionais, que inclusivamente contagia pessoas que vêm de fora, e reflecte a riqueza deste património, o gosto das gentes do Alentejo por terem bem conservado aquilo que lhes pertence, os seus valores culturais, os seus bens, as suas igrejas históricas. Além disso, um aspecto muito interessante que convém aqui referir: o património religioso acaba por ser o último sinal de esperança para uma região que luta com grande dificuldades, que está cada vez com menos gente e que enfrenta uma crise demográfica com tudo o que isso acarreta. Daí que necessitemos de algumas manifestações positivas. O Património e a valorização do turismo serão, sem dúvida, um dos sinais mais significativos PE – Mesmo numa região onde a prática religiosa não é significativa? JAF – A prática religiosa no Alentejo tem vindo a aumentar. Notam-se também aqui índices muito interessantes. O trabalho pastoral da Diocese está hoje bem enraizado no terreno, dinâmico, perfeitamente estruturado. E nós notámos que o património tem aqui um papel importante: um papel evangelizador, de congregar as comunidades em torno de valores que as pessoas respeitam e pelos quais lutam denodadamente. Um outro aspecto curioso: o grande orgulho que os alentejanos têm em partilhar as suas igrejas, os seus museus, todo o espólio que souberam acautelar. Nestes últimos tempos até, um património que vai surgindo, na medida em que as pessoas, peças que tinham em casa algumas delas desde a primeira república, estão agora, numa prova de confiança, a vir depositá-las nas igrejas, entregando-as ao Senhor Bispo, aos nossos párocos e até ao próprio departamento do Património.

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