Pastoral Penitenciária: Jubileu dos reclusos é tempo para «sensibilizar comunidades» e «dentro das prisões, mostrar que esse pode ser tempo para Deus»

Ricardo Vara Cavaleiro, advogado e voluntário na pastoral penitênciaria na Diocese de Aveiro, pede mais iniciativas que envolvam gerações e a sociedade para quebrar preconceitos e humanizar os dois lados dos muros prisionais 

Aveiro, 12 dez 2025 (Ecclesia) – Ricardo Vara Cavaleiro disse que a celebração do Jubileu dos Reclusos pode ser uma oportunidade para “sensibilizar comunidades” para a realidade prisional e para que, quem está privado de liberdade, entenda que “este pode ser um tempo para Deus”.

“Muitos destes homens e estas mulheres nunca experienciaram o carinho, a compreensão, às vezes o diálogo sincero, o amor. As prisões portuguesas estão cheias de pobres pelos mais diversos motivos: de pessoas com dificuldades intelectuais, psicológicas ou psiquiátricas, que não deviam estar num estabelecimento prisional. A prisão não ajuda nada à reabilitação dessas pessoas conforme preconiza a lei. No entanto este pode ser o tempo favorável para uma mensagem de esperança: Deus acredita em ti, tu vales muito mais do que o erro que possas ter cometido”, explica à Agência ECCLESIA o advogado da Diocese de Aveiro, que integra a pastoral penitenciária naquele território.

Ricardo Vara Cavaleiro pede que mais iniciativas possam alertar a sociedade, envolver escolas, “apostar em conversas que no tu a tu possam ser transformadoras”, mostrando que dentro de uma prisão “todos são filhos”.

O voluntário era jovem quando o padre João Gonçalves o desafiou a entrar no estabelecimento prisional de Aveiro, oferecendo-lhe uma “visão profundamente humanizante, profundamente evangélica, uma visão de alguém que vai efetivamente ao encontro de Jesus que está preso”.

“Eu tinha contactado com esta realidade durante o curso, na Faculdade de Direito, mas era muito uma realidade teórica, dos livros. Foi uma grande surpresa quando entrei pela primeira vez num estabelecimento prisional e tornou-se impossível passar indiferente à fragilidade do outro, àquela pessoa privada de liberdade”, recorda.

Desde então, o jovem advogado ajudou a desenvolver a pastoral penitenciária da diocese de Aveiro, tendo sido desafiado também a integrar a presença e respostas da Igreja a nível nacional, constatando diferenças no percurso desde então mas registando “ainda” o esquecimento de uma população que, segundo a constituição e a lei, deve estar apenas limitada na liberdade, “e não de outros direitos”, devendo ser alvo de um plano de reintegração social.

“O plano individual do recluso, o PIR, não funciona porque efetivamente não há recursos. Nós temos ótima legislação, aliás pioneira ao nível europeu nesta visão humanista do sistema penal e do sistema penitenciário, mas o grande problema é a sua aplicabilidade prática. Não há recursos e as prisões não dão votos”, lamenta.

Ricardo Cavaleiro preconiza o trabalho da pastoral penitenciária na “recriação interior” das pessoas reclusas, mostrando “uma janela de esperança” e assegurando que “o tempo de prisão é também um tempo de Deus”, para “revitalizar, criar novas perspetivas, novos rumos”.

“Quantas vezes o advogado, o voluntário, o capelão do estabelecimento prisional é a ponte entre a pessoa privada de liberdade e a sua família, ou mesmo até, quantas e quantas vezes, a sua própria família?”, questiona.

A presença que “escuta sem julgamento” abre espaço para uma relação mútua de enriquecimento.

“Quando vamos ao encontro do outro e, efetivamente, nos preocupamos em ouvir sem ajuizar, em acolher sem julgar, percebemos que nós, naqueles sapatos, talvez não tivéssemos feito diferente. Percebemos que aquelas circunstâncias de vida só podiam conduzir àquilo. Homens e mulheres que chegaram a verbalizar: ‘ainda bem que eu fui preso, porque senão, talvez, eu nem estivesse vivo’. Quem vê por dentro, vê vidas interrompidas, sonhos desfeitos, vê fragilidades de arrependimento patente, vê a pessoa desnudada, na maior parte das vezes, dos complexos da vida. Vê a fragilidade humana”, conta.

A conversa com Ricardo Vara Cavaleiro vai estar no centro do programa ECCESIA, emitido sábado, na Antena 1, pelas 06h00.

LS

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