Pastoral familiar

Padre Carlos Paes, Patriarcado de Lisboa

“A família recebeu de Deus a missão de ser célula primeira e vital. Cumprirá esta missão se, pela mútua piedade dos membros e pela oração dirigida a Deus em comum, se mostrar como santuário familiar da Igreja; se toda a família participar no culto litúrgico da Igreja; e, finalmente, se a família praticar ativamente a hospitalidade e promover a justiça e as outras boas obras para serviço de todos os irmãos que sofrem necessidade”. (Concílio Vaticano II, Decreto Conciliar sobre o Apostolado dos Leigos, nº. 11)

 

Célula primeira e vital

Quando se trata de refazer o tecido das nossa comunidades pastorais e de modo especial paroquiais, temos de fazer apelo às famílias e mobilizá-las como sujeito pastoral ativo. A família cristã constitui, assim, o ponto de partida para a renovação pastoral e para a evangelização da comunidade humana.

Consumimos demasiadas energias pastorais com pessoas individuais, que nunca chegaram a integrar-se eclesialmente nalguma experiência comunitária, onde fizessem o batismo no Espírito que os enviaria em missão, como arautos daquele Jesus cuja “glória” é dar a conhecer o Pai que o envia, precisamente para que saboreiem aquela Palavra que congrega e ilumina e aquele Espírito que gera fraternidade e comunhão.

 

Do paradigma individual ao paradigma trinitário.

É na família constituída como um sujeito plural, unido e coeso, que o ser humano, liberto da autossuficiência individualista, pode reconhecer-se como uma unidade de comunhão onde se reproduz o paradigma trinitário que constitui a matriz da nossa condição pessoal: somos ícones duma Trindade que é no seu íntimo uma comunidade de amor e de vida. Não é a individualidade que nos autentica; mas a o que nos certifica como cristãos é a experiência da comunidade de relações interpessoais, onde o próprio Pai se dá a conhecer na autenticidade de filiação assumida e na vinculação do Espírito  que é garantia de comunhão.

 

A família sujeito pastoral ou objeto pastoral?

Quando se fala da família na pastoral da Igreja, o mais comum é pensar naquilo que podemos fazer em prol da família. A família é apenas mais um objeto dos nossos cuidados pastorais e pastoral da família significa, então, os planos e programas que desenvolvemos para a promover. Pior ainda, para os pastores, a família significa um alfobre onde podem ir buscar “mão de obra” para as mais variadas e dispersas iniciativas pastorais que concebem. Assim contribuímos para a dispersão dos seus membros e para a sua desagregação enquanto sujeito pastoral. Temos várias iniciativas pastorais que visam a família, mas é difícil encontrar propostas em que a família seja tomada como um sujeito pastoral ativo. Nos nossos programas pastorais raramente a família emerge como a tal célula primeira e vital de que fala o Concílio Vaticano II e que tem uma missão específica.

 

O protagonismo pastoral da família

Sendo a família cristã um sujeito pastoral ativo, definido como uma célula vital, assim constituída tendo como suporte um sacramento específico, do qual, é bom ter presente, os próprios cônjuges são os ministros, então o seu protagonismo pastoral deve ser tido em conta, não como a colaboração que oferecem aos pastores, mas como a expressão duma responsabilidade nativa e duma criatividade para a qual receberam habilitação sacramental própria. Assim sendo, a família torna-se o “coração pulsante onde se inicia o chamamento para a vida e onde se exprime, por analogia, o mistério de amor que não conhece poente, como afirma Mons. Fisichella (A Nova Evangelização, pg.164). Neste capítulo, como em tantos outros, o nosso paradigma pastoral tem de ser revisto, porque continua a existir um excesso de centralização clerical.

 

Reconhecer e assumir a centralidade da família

Trata-se dum salto qualitativo que temos de dar na nossa pastoral, para que a família emerja como o eixo em torno do qual se reestrutura o ser da Igreja, a fim de que aconteça aquilo que João Paulo II preconizou: a Igreja é uma família de famílias.

O que se passa é que todos se arrogam, quer na comunidade religiosa, quer na sociedade civil, o direito de arregimentar a família para os seus programas sempre que lhes convém, mas à revelia da própria família, A centralidade da família como célula da qual toda a comunidade vive, não é uma cedência da sociedade civil ou da comunidade religiosa, mas uma realidade que é anterior a qualquer institucionalização ou enquadramento jurídico que se lhe ofereça, porque se trata duma realidade original, fundante e de direito divino.

Quando os nossos projetos pastorais esquecem a centralidade da família, ficam imediatamente feridos de morte e a prazo acabarão por fracassar. Podemos encontrar aqui a razão da insustentabilidade de tantos projetos de iniciação cristã e de evangelização que falharam e continua a falhar, precisamente porque não tiveram em conta a centralidade da família como sujeito ativo e primeiro responsável dos mesmos.

 

“Betânia” uma proposta para ajudar a família cristã a assumir-se como “igreja doméstica”.

Aparentemente trata-se de mais um “movimento”. Em definitivo não é disso que se trata. Não nos faltam movimentos. Neste caso o “movimento” é a própria família fundada no sacramento do matrimónio e constituída por uma comunidade de pessoas, pai mãe e filhos, constituídos em aliança una, fecunda e estável, para serem uma igreja á escala do lar, onde o casal é o primeiro pastor, santificador e evangelizador.

A proposta a que dei o nome de “Betânia” é apenas um subsídio pastoral para que a família assuma a sua plena identidade e missão pastoral. O objetivo fundamental é ajudar a família cristã a ser aquilo que é, assumindo o rosto duma “igreja doméstica”.

 

A hospitalidade evangelizadora

A estratégia evangelizadora dos primeiros apóstolos assentava na família, reconhecida como o habitat mais adequado para a concretização da missão que Jesus lhe tinha confiado. Nas cartas pastorais de S. Paulo e nos Atos dos Apóstolos, isso emerge com toda a importância e significado. A pedra de toque da proposta a que chamei “Betânia” é a “hospitalidade evangelizadora”. Tal como a Betânia do Evangelho era uma família de irmãos que se notabilizaram pela hospitalidade que ofereciam a Jesus e aos seus companheiros de missão, também as famílias Betânia, são convidadas a fazer do natural exercício da hospitalidade, uma oportunidade para evangelizar. No caderno de divulgação do projeto que lhes é oferecido, faz-se uma proposta concreta ( ver Betânia, Paulinas, 2ª edição, 2012).

Padre Carlos Paes, Patriarcado de Lisboa

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