Voluntário há 29 anos, 52 semanas por ano, dá refeições em ambiente hospitalar e diz que «alimenta Cristo na sua Paixão» sem esquecer a «presença» de tantos pacientes que o marcaram
Lisboa, 07 fev 2025 (Ecclesia) – José João Henriques é voluntário há 29 anos e afirma que “a presença” das pessoas que acompanhou continua consigo, lembra encontros que se transformaram em “santuários” e que os doentes são “anjos de esperança” para quem os visita.
“Eu achava que ao longo destes 29 anos ia ficar vacinado e que me tornava insensível, mas é mentira. Cada vez sinto mais as dores que ali estão a passar. Há doentes que nos marcam muito – tenhamos estado uma ou duas vezes só com eles. Eles são anjos para nós e nós somos anjos para eles”, conta à Agência ECCLESIA.
José João Henriques decidiu mudar os seus finais de tarde, há 29 anos, optando por deixar de rumar à Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, para ouvir música, depois do trabalho de investigação na área da engenharia, e passar a deslocar-se para dar o jantar aos pacientes que necessitavam de ajuda num hospital da capital.
“Reformei-me há três anos, apaguei do computador tudo o que estava relacionado com o trabalho e hoje organizo a minha vida, entre o acompanhamento espiritual, o mar e a praia, e um dia por semana passo quatro horas a dar o almoço e o jantar no hospital a quem precisa”, conta.
Depois da Liga Portuguesa contra o Cancro, há 29 anos, surgiu a Associação João 13, que presta apoio a pessoas carenciadas, mais tarde a visita a equipamentos sociais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e o auxílio num hospital privado onde é Ministro Extraordinário da Comunhão.
O Papa Francisco convida, na mensagem que escreve para o Dia Mundial do Doente, que se celebra no dia 11 de fevereiro, a “anotar na alma” os encontros de partilha que acontecem entre voluntários e pacientes, e José João Henriques reconhece esses momentos como “santuários”.
“São santuários mesmo quando eles não se apercebem disso. Mesmo que os rostos se vão diluindo, a presença continua. Foram muitas refeições dadas em 52 semanas. Não há férias porque os doentes também não vão de férias. Não há noites especiais, porque os doentes estão lá todas as noites”, assinala.
“Os momentos da refeição são quase eucarísticos. Porque é alimentar alguém que não consegue fazer por si só. Isto não foi sempre assim. A partir de uma conversa que tive com um jesuíta, percebi que aquela pessoa a quem eu estou a alimentar é Cristo – na sua maioria, é Cristo na sua Paixão. E por isso eu dou o tempo que tiver. Hoje estive uma hora e meia a dar uma sopa e uma taça de puré de maçã a uma senhora, mas não tenho pressa. A senhora era, naquela altura, o essencial da minha vida. Era para isso que eu ali estava”, explica.
José João Henriques dá conta da solidão que encontra, em especial nos equipamentos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa vocacionados para os mais velhos: “Quando nos veem, ‘aí vêem-nos uns anjos’, aí eles chamam-nos mesmo. ‘Ai, meu querido, venha mais vezes. Ai, só vê-lo sorrir. Ai, só de o ouvir.’ É muito consolador e também nos faz dar mais valor a tudo aquilo que temos”, reconhece.
O voluntário recorda a relação “breve” com uma pessoa de 35 anos, internada em oncologia que se “reconverteu no hospital”.
“Um dia fui vê-lo, quis passar a receber a comunhão diariamente, e estava muito triste – disse-me que minutos antes tinha recebido a pior notícia possível mas agradeceu a minha visita porque se queria despedir de mim. Sei que regressou, mais tarde ao hospital, e acabou por falecer”, recorda.
Um jovem de 21 anos, natural de São Tomé e Príncipe, jogador de futebol, a quem iria ser amputada uma perna por problemas oncológicos, foi outra ligação que se estabeleceu em ambiente hospitalar e se reforçou num passeio ao Santuário de Fátima – “ele estava em tratamentos de quimioterapia mas queria comprar um terço para oferecer à mãe”.
“Custa dizer que, com estes momentos, uma pessoa se sente bem, porque com o tamanho do sofrimento, a pessoa não se pode sentir bem. Mas faz-me sentir útil e faz-me, sobretudo, sentir menos egoísmo. Sentir que há tempo para tudo, como diz o livro do Eclesiastes”, assinala.
A conversa com José João Henriques pode ser acompanhada este sábado no programa ECCLESIA, emitido na Antena 1, pelas 6h.
LS
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