Padre Hugo Gonçalves, Diocese de Beja
Com a devida autorização do autor apropriei-me da expressão “Pastoral da Samaritana”, tomando-a como título para o artigo que aqui apresento sobre os desafios pastorais que hoje se apresentam a um pároco, sobretudo para aqueles que servem realidades menos urbanas..
Para quem desenvolve o seu trabalho pastoral em paróquias com elevada densidade populacional e, consequentemente, com assembleias dominicais numerosas, facilmente se pode cair no erro de julgar que não se tem de preocupar exageradamente com a evangelização da sua área territorial. A segurança de poder contar com as “as noventa e nove ovelhas dentro do redil” pode ser uma falsa certeza de que está tudo bem, pois a faculdade da visão pode atraiçoar a verdadeira realidade que está para lá do que vê no seu ambiente eclesial, descurando o zelo e a atenção pastoral àqueles que que andam longe ou já perderam as referências que tinham à sua comunidade. Por outro lado, quando a realidade social o permite, o pároco consegue inclusive identificar pelo nome quem deixou de aparecer ou que secundarizou o encontro com o Senhor na comunidade dos irmãos.
No mês em que se inicia o Sínodo sobre a sinodalidade, redescobrir que o Senhor nos envia em busca das ovelhas perdidas da nova casa de Israel é já um avanço, pois a pastoral de sacristia e do imobilismo ainda está enraizada na Igreja. Ainda se espera que as pessoas se dirijam ao cartório, à sacristia, para inscreverem os filhos na catequese ou, inclusive elas mesmas, se inscreverem na catequese de adultos ou se apresentarem nas celebrações. Tudo isto é uma prática e um “chão que já deu uvas”!
Jesus fez-nos “pescadores de homens”, mas a pesca que hoje se requer é mais à linha que à rede. Trata-se de uma pastoral que se centra na pessoa, no indivíduo, implicando que conheçamos o seu nome, com quem temos de criar amizade e a partir daí, com esmerada paciência, falar de Cristo com a nossa própria vida, com o interesse que mostramos pela sua família, pelas suas alegrias e tristezas, dores e esperanças.
Os Evangelhos mostram-nos Jesus a ser seguido por multidões, a quem pregava, e diante das quais fazia milagres. No entanto, os mesmos Evangelhos relatam-nos que o Senhor também deu primazia ao encontro pessoal e familiar, sendo muito expressivo um dos exemplos desses encontros pessoais: o diálogo com a Samaritana. Que vemos neste encontro? Vemos Jesus chegar ao poço, lugar frequentado diariamente pelas mulheres daquela terra da Samaria e, obviamente, por aquela com quem Jesus queria se encontrar para lhe mudar a vida; começa um diálogo sobre a realidade na qual se encontra (o poço, a água e a sede) para depois passar para o anúncio da Boa Nova, a de que Ele era a água viva que mata a sede mais profunda do ser humano e consequentemente dela; depois entra no concreto da vida e da história da samaritana para a transformar radicalmente, deixando que ela o descubra como o Messias e a fonte da água viva que agora pode saborear.
A “pastoral da Samaritana” é aquela do encontro pessoal, a que implica ir até ao outro, à sua realidade e não ficar imobilizado no cartório ou na sala de catequese; implica conhecer e preocupar-se com a situação concreta dessa pessoa para, a partir daí, com muita persistência e com a ação do Espírito Santo, levar essa pessoa ao encontro com Jesus, fonte de água viva que mata a sede mais profunda de cada um de nós, que transforma vidas e dá a verdadeira vida.
O tempo da cristandade já passou e nunca foi verdadeiramente aquilo que alguns imaginam ou desejariam que fosse. Se, por um lado, noutros tempos poderia haver mais participação na Santa Missa e, se por outro lado, existiam mais jovens nos seminário, essas realidades nem sempre foram sinónimo de uma experiência de profunda vida interior com Deus, capazes de dar razões da sua esperança. A realidade na qual hoje vivemos é diferente daquela de há cinquenta ou sessenta anos e, é nesta realidade com novos desafios, que devemos anunciar o Evangelho, o qual já não é lançado com redes, mas com o auxílio do fio de pesca para continuarmos a pescar homens para Deus. Habituámo-nos a esperar sentados nas igrejas, mas actualmente temos de voltar para as praças, para os cafés, para as imensas oportunidades que nos são dadas para o encontro pessoal com as nossas imensas ovelhas perdidas, para assim cumprirmos a nossa missão de as podermos trazer de volta.