Partilhar na Escritura

José Carlos Carvalho, professor da Faculadde de Teologia, UCP

Na Sagrada Escritura encontramos vários exemplos de partilhas e de partilhadores, com uma nota distintiva: não estamos perante meros atos de filantropia ou de solidariedade, mas da comunhão de algo mais transcendente, não apenas ao nível horizontal ou imanente. Na Sagrada Escritura partilhamos a Palavra porque somos feitos partilhar da Palavra. Desta vida nova fazem parte os bens materiais e os bens imateriais. Por isso, Deus não se limita a partilhar da sua bondade, mas convida a agir concretamente como Ele próprio faz e partilha, e partilha de Si mesmo partilhando o que melhor tem e o que de melhor pode dar à humanidade – o Seu Filho.

Existem alguns verbos para significar esta partilha da vida nova além do verbo “dar”, e existem várias situações com outros tantos modos de partilhar. David sabe que “a partilha dos despojos tanto pertence ao que vai para o combate como àquele que fica a guardar a bagagem” (1Sam 30,24). Esta partilha é a “mérida” (LXX), a “héleq” (TM), a porção, a parte. O sábio já ensina em Prov. 22,9 que “o generoso será abençoado, porque partilha (“natan”) do seu pão com o pobre”. Tal é salutar quando alguém “dá uma porção para sete, até para oito, pois não sabes o mal que sobrevém sobre a terra” (Qo 11,2).

No Novo Testamento sobressaem, de facto, os verbos “koinônéô” e “metadídômi”. Paulo agradece e reza sempre a Deus pela “comunhão”, pela partilha da fé de Filémon (Flm 6). Em Tit 1,4 a partilha é o “coito da fé”, a comunhão da fé. Em Jo 13,8 Pedro não quer ter “meros” (partilha) com Jesus. Se em 2 Cor 8,4 a comunhão é o lugar da “partilha”, Paulo desde o ínicio, tal como Jesus viu muita gente a querer receber da partilha feita pelas comunidades em favor do povo de Deus. Por isso Paulo (cf. 1 Tim 6,8) convida a ser “partilhadores”, a por em jogo quem somos. Mais tarde, além desta partilha material prosseguirá a partilha do dom da fé (1 Ped 5,1: “partilho da glória que há de vir”, sou “koinonós” dessa esperança). Essa esperança é alimentada à volta da partilha da mesa do altar (cf. 1 Cor 9,13), pois quem celebra à volta do altar comparticipa (“summerízontai”) partilha das riquezas do altar. Aos cristãos de Éfeso (cf. Ef 3,6) Paulo adverte que este altar é para todos e que, desse modo, os pagãos são “comparticipantes (‘summétocha’) da promessa em Cristo Jesus através do evangelho”, partilham a mesma esperança na salvação universal. Mas não deixa de advertir em Ef 5,7 os membros da comunidade para não serem “metochoi” (participantes) das imoralidade dos pagãos, pois (cf. 2 Cor 6,15) o cristão não tem “merís” com Belial, pois é templo do Espírito Santo. É a mesma exortação da releitura profético-sapiencial do livro das recapitulações que é o livro do Apocalipse, que avisa os cristãos para não participarem (“sunkoinônêsête”) nos pecados de Babilónia em Ap 18,4.

Paulo recorda que num tempo de dificuldade (cf. Flp 4,15) Filipos foi a única comunidade que participou (“ekoinônêsen”) na ajuda a Paulo. Paulo quer partilhar dons espirituais (“metadô charisma”) com os membros da comunidade de Roma (cf. Rom 1,11). Em Rom 11,17 a oliveira brava que é a Igreja partilha (“sunkoinônós”) da mesma seiva que desde a raíz alimenta os ramos que já lá estavam e os outros que foram enxertados. Aqui a partilha é a partilha da promessa – essa é a “raíz santa” (“ríza agía”).

Paulo ensina que aquele que partilha (“metadidous”) que o faça não por obrigação mas por alegria e liberalidade. Em Rom 15,26 as comunidades da Macedónia e da Acaia acharam por bem “fazer comunhão” (partilhar) dos seus recursos com a pobre comunidade de Sião em Jerusalém. Nesta terceira viagem Paulo fez mais uma partilha de recursos materiais, pois os gentios acharam por bem por seu lado partilhar (“ekoinônêsen”) os bens espirituais (v.27). Paulo faz tudo para “partilhar” do evangelho, para ser comungante dele (“sunkoinônós”): cf. 1 Cor 9,23. Os destinatários de 2 Cor 1,7 partilham (“koinônoi”) com Paulo as tristezas e as alegrias. Do mesmo modo, Paulo partilhou (“metadounai”) não apenas o evangelho mas toda a sua vida para se tornar mais credível quer o evangelho quer o seu testemunho.

Depois de os discípulos perguntarem a Jesus o que devem fazer, Jesus responde-lhes em Lc 3,11: “Quem tiver duas túnicas, reparta (“metadótô”) com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo”. Este é um dos sinais da vida nova em Cristo. Em Ef 4,28 quem não faz nada é exortado a fazer algo para poder dar algo (“metadidonai”), para poder partilhar aos mais pobres, sendo este um sinal dessa vida nova. Ora, em Jo 4,9 os judeus são acusados de não partilhar nada com os samaritanos. Jesus ensina os discípulos não a multiplicar os pães mas a dividir, a condividir, a partilhar (cf. M7 14,19).

José Carlos Carvalho, professor da Faculadde de Teologia, UCP

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