Partilhar dá sentido à vida

Eugénio Fonseca, presidente da Caritas Portuguesa

Os bens da terra destinam-se a todos as pessoas, a todos povos. Por isso, a riqueza gerada na sociedade – recursos naturais e técnicos, meios de produção, trabalho, conhecimentos, etc. – deveria ser repartida por todas e cada uma das pessoas que a compõem. Essa é a recomendação do Concílio Vaticano II ao lembrar que «Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela caridade» (GS 69).

Mas o egoísmo tem, desde os primórdios, contrariado este desígnio que a Igreja assumiu como um dos principais princípios do seu pensamento social, mantendo graves injustiças na distribuição das riquezas produzidas, que está na origem de uma gritante dualidade e precariedade sociais.

Este desvio ao plano original do Criador tem sido compensado com um dos dons que Ele inscreveu no coração da criatura humana: a solidariedade. S João Crisóstomo reconhece esta predisposição natural de cada pessoa, chegando mesmo a afirmar que quem não vive esta dimensão no seu quotidiano, não se pode sequer considerar como tal: «…No mundo, ninguém vive para si só. (…) É que o que vive só para si e despreza todos os demais, é um ser inútil, não é homem, não pertence à nossa linhagem».

A solidariedade tem na partilha de bens, uma das suas expressões mais concretas. Com efeito, ninguém pode afirmar, com verdade, ser solidário, se não partilha o que é e o que tem. Porque a pessoa humana é um ser-em-relação, é pessoa com as suas qualidades e bens. Os bens são o prolongamento das pessoas. Por esta razão, não é completa a relação entre quem exclua a comunicação de bens de que disponha. Partilhar exige, acima de tudo, renúncia. É a capacidade de renunciar que esclarece e define a verdade da partilha e fortalece a vontade de doação. Quem dá assente neste pressuposto não se limita a partilhar o que lhe sobra, mas mesmo do que lhe falta. É que, nesta sociedade consumista geradora de excessos que beneficiam alguns, corre-se o risco de vincular o dever de distribuir sobretudo ao “desperdício dos fartos”. Portanto, se alguém partilhar algo que não quer, deverá perguntar sempre a si próprio se aceitaria o que pretende dar. A este propósito recordo uma das muitas afirmações de Paulo VI que serviu, há muito anos, de lema para o Dia Nacional da Caritas: «Há uma arte de dar e receber: chama-se partilha fraterna».

Por outro lado, a verdadeira partilha não se confina à distribuição de bens. Se assim for, fica apenas no cumprimento da sua missão compensatória das nefastas consequências geradas pela desigual distribuição da riqueza. E este é apenas um dos seus objectivos. Outro, igualmente muito importante, é o de permitir a partilha do tempo de cada um pela conquista de um mundo onde reine maior justiça, não só distributiva, mas também estrutural.

Dar-se é, de facto, uma outra forma de partilhar. Decerto, mais exigente e comprometedora, mas que produz efeitos bem diferentes. Esta dádiva supõe uma participação responsável e ativa, na defesa do respeito pela dignidade humana e do bem comum nos campos da cultura, da política, da economia, da educação, dos media, dos sindicatos, da religião, etc… O exercício deste compromisso pode ser individual ou em associações civis, eclesiais ou de inspiração religiosa, associações de vizinhos, partidos políticos.

Para os cristãos a partilha tem um valor acrescentado. Ela radica no Amor Trinitário que-se-dá, que comunica tudo o que tem. Ser cristão é, no seguimento fiel do seu Mestre, dar e doar-se de si mesmo, porque sabe que «Há mais alegria em dar que em receber». O crente sabe que Deus criou o homem como um ser social e colocou no seu coração sementes de dom para que seja capaz de viver a sua história e as suas relações sociais desde o dinamismo do amor. Fazer como nos incentiva S. João Crisóstomo: «… Podemos ser imitadores de Cristo, se fazemos todas as coisas por utilidade comum e não buscamos o nosso interesse particular. Porque Cristo não se deu para seu prazer, mas como está escrito, “os ultrajes dos que te insultavam caíram sobre mim” (Rm. 15, 3; Sal 68, 10)».

Está a aproximar-se mais uma oportunidade que a Igreja coloca à disposição dos cristãos católicos para colocarem a render este e outros dons que o Senhor lhes concedeu. Que a Quaresma seja uma tempo favorável para olhar a realidade com um coração mais sensível e que cada um se possa abrir com ternura ao dinamismo do amor que brota do mistério da Trindade, a escutar a Palavra e a partir dela ler o que se passa e rezar por tudo o que nos rodeia, de modo a que nos convertamos verdadeiramente a Ele por via da Misericórdia e da Caridade em benefício de todos os nossos irmãos.

Eugénio Fonseca, presidente da Caritas Portuguesa

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Agência ECCLESIA

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