Para que serve uma visita do Papa? O que é que ele tem para nos dizer?

D. Carlos Azevedo, Coordenador Geral da Visita do Papa a Portugal

Desde que Jesus Cristo confiou a Pedro a missão de animar e confirmar os irmãos, manter a comunhão, garantir a autenticidade e unidade da fé, o bispo de Roma, como sucessor do apóstolo, prossegue esta tarefa de ser o princípio durável da unidade da Igreja e dos bispos. Cada bispo é responsável pela sua Igreja local e com os outros bispos, colegialmente é também responsável pela Igreja universal, unido ao Papa. Cada bispo em comunhão de fé com ele, exerce a sua plena responsabilidade local ou universal.

Como sabem, o papa assume uma tripla função: Bispo de Roma, Pastor da Igreja Universal e Chefe de Estado da Cidade do Vaticano. Como bispo de Roma exerce plena responsabilidade pela sua diocese. Tem um cardeal vigário e bispos auxiliares para colaborar neste serviço pastoral.

Como Chefe de Estado da Cidade do Vaticano, minúsculo estado autónomo (o mais pequeno do mundo, 44 hectares) destinado a assegurar a independência de qualquer força temporal, o Papa exerce a totalidade dos poderes legislativo, executivo e judiciário, com a ajuda de uma administração diversa da do governo da Igreja. As visitas ao estrangeiro respeitam e atendem também esta perspectiva de Chefe de Estado.

No caso de uma visita pastoral o que mais se sublinha é a missão de Pastor da Igreja universal. Chefe do Colégio episcopal, exerce com os bispos a condução do povo cristão. A ordem dos bispos dispõe de autoridade suprema e plena sobre toda a Igreja, enquanto unida ao Bispo de Roma; este, enquanto sucessor de Pedro e depositário do Primado no seio do colégio episcopal, dispõe ele mesmo da autoridade suprema e plenária sobre toda a Igreja. Para exercer esta responsabilidade é assistido pela Cúria Romana.

Como para cada bispo, também para o Sumo Pontífice a missão de ensinar é a primeira. Uma das muitas formas de exercício deste magistério ordinário é constituída pelas visitas a diversas partes do mundo. Os discursos e homilias e as menos frequentes cartas encíclicas, dirigidas à Igreja universal ou a uma parte determinada do mundo, ou as exortações apostólicas, dedicadas a orientar por caminhos pastorais, formam os meios de transmissão do ensinamento.

 

Dentro de dias será lido o texto da paixão, que este ano adquire especial sentido, no qual Cristo, após a Ceia, diz a Pedro de modo solene, perante todos: “Simão, Simão, olha que Satanás pediu para vos joeirar como trigo. Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desapareça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos” ( Lc 22, 31).

Jesus manifesta confiança singular em Pedro sabendo que ele vai fraquejar, convencido da sua própria superioridade e vigor, ao declarara a Jesus: “Mesmo que todos fiquem perturbados por tua causa, eu nunca me perturbarei!” (Mt 26,33). Jesus promete rezar e especialmente por Pedro. Na hora dramática é Pedro que deve ser a rocha da Igreja. Ele tem uma prioridade incontestável no grupo dos Doze. Consideravam-no porta-voz e guardião da unidade. A autoridade de Pedro consiste neste serviço, não em qualquer dominação. Pedro não é a única pedra da fundação que tem Cristo como pedra angular. Os apóstolos e os profetas fazem parte da fundação, porque a Igreja de Cristo não é monárquica, mas colegial. Não é uma qualquer organização internacional.

Por este episódio narrado no evangelho se vê que sem a conversão de Pedro a missão falhará infalivelmente. Pedro deve transformar o seu carácter. Menos presunção e mais confiança nos irmãos, menos orgulho e mais escuta. Converter-se não é coisa rápida.

 Os outros apóstolos ajudarão Pedro a evoluir. Paulo será o mais contestatário. E conta a Carta aos Gálatas: “Quando Cefas veio para Antioquia, opus-me frontalmente a ele, porque estava a comportar-se de modo condenável. Com efeito, antes de terem chegado umas pessoas da parte de Tiago, ele comia juntamente com os gentios. Mas quando elas chegaram, Pedro retirava-se e separava-se, com medo dos partidários da circuncisão. E com ele também os outros judeus agiram hipocritamente … Mas quando vi que não procediam correctamente, de acordo com a verdade do evangelho, disse a Cefas diante de todos: “Se tu sendo judeu, vives segundo os costumes gentios e não judaicos, como te atreves a forçar os gentios a viver como judeus?”.

O afastamento do espírito de Cristo e do Evangelho é contra-testemunho e escândalo. O novo milénio impulsiona a uma grande purificação das incoerências, infidelidades e lentidões.  Requer-se uma conversão de cada cristão e das comunidades cristãs, na fidelidade ao único Senhor.

Alguns podem perguntar, como um jornalista outro dia, se, nas suas viagens, o Papa se mostra mais como sucessor de Pedro ou como sucessor de Paulo!

Uma visita pastoral é um sinal sensível da comunhão. O Papa cumpre o mandato de ensinar todas as nações. Não se espera de uma visita nem ensinamentos novos, nem resolução dos nossos problemas pastorais.

As visitas são ocasião para juntar grandes multidões que reforçam a confiança e o fervor e convidam à alegria de partilhar e celebrar publicamente a fé. As três eucaristias presididas pelo vigário de Cristo geram uma união espantosa e mexem por dentro no caminho do bem, da verdade e da beleza. Constituem uma experiência espiritual única, uma vibração interior que aproxima do essencial que é a comunhão.

O papa não quer exercer a sua missão do alto do Vaticano, mas encontrar-se com as igrejas concretas e com o episcopado real. A comunhão efectiva com as igrejas locais, na sua diversidade, encontra uma forma de exercício para o seu ministério de serviço, livre de pressões e de interesses, mais itinerante e menos sedentário.

 A hora é de profecia e de invenção, de fidelidade e de esperança. Os vários encontros com Bento XVI semearão no mundo da cultura, das organizações sociais e nos agentes pastorais mais empenhados no povo sacerdotal um dinamismo de conversão capaz de suscitar espírito missionário. A proposta de sabedoria evangélica será para todos desafio a pensar Portugal, 100 anos após a República a repensar a acção da Igreja, quase a 50 anos do início do II Concílio do Vaticano, já em 2012.

Estou certo de que a vinda do Santo Padre a Portugal será uma lufada de ar renovador que implique a todos e suscite maior responsabilidade e coesão. A vossa presença aqui, de modo tão significativo, revela a vontade de entender, narrar e comentar com competência, verdade, sentido crítico e honestidade o que estes quatro dias de visita papal nos oferecerão de experiência única. Muito obrigado.

Fátima, 26 de Março de 2010

D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa,

Coordenador Geral da Visita do Papa a Portugal

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