A passagem de Bento XVI na Turquia serviu para confirmar a emergência de um “Papa político” que despiu a pele de Joseph Ratzinger para assumir, em plenitude, a sua nova missão na Igreja. A convicção é de Manuel Vilas-Boas, que acompanhou a visita, mesmo antes do seu início. “A viagem revelou uma capacidade diplomática que não se tinha manifestado antes. Emergiu o Papa político ao lado do Papa teólogo, um Papa cerebral e intelectual diante das tensões e da emotividade”, assinala. A opinião pública viu, por isso, “uma face desconhecida, que tem como origem a sua humildade e simplicidade de vida”, mostrando que “ele já não é mais o prefeito frio e distante que aparentava”. Alguns apoiantes incondicionais de Bento XVI poderão agora ficar surpreendidos pelos gestos do Papa e Manuel Vilas-Boas considera “natural” que existam críticas por parte destas pessoas. O jornalista da TSF graceja, dizendo que esta foi “uma viagem para jornalistas e polícias”, mas assinala três momentos fundamentais que marcaram estes dias O primeiro foi o anúncio, pelo primeiro-ministro Erdogan, do apoio de Bento XVI à adesão da Turquia. “Arrebatou-se ao Papa este apoio, em 20 minutos, conseguindo aquilo que outros não conseguiram durante muitos anos. O próprio Cardeal Ratzinger tinha dito que era um erro a Turquia entrar na UE, mas o Papa precisava, logo ao princípio, de um gesto político de apaziguamento”, assinala Manuel Vilas-Boas. Presente na manifestação que antecedeu a visita do Papa, o jornalista sublinha a “animosidade violenta” de grupos radicais islâmicos, que tinham verdadeiras “expressões de ódio”. As duas manifestações, pequenas, que aconteceram durante a viagem são atribuídas a estes grupos radicais “que só percebem gritos e fanatismo”. O segundo grande momento aconteceu na passagem pela Mesquita Azul, quando o Papa “foi levado” para junto do mihrab. “Aqui ele teve a expressão mais inteligente e serena, que foi sintonizar com o seu anfitrião, de forma tranquila, perante uma expressão religiosa”, relata Vilas-Boas. Tudo isto foi tido como “um gesto de grande afabilidade”. “Sublinho a vontade que o Papa teve de falar, pelos menos três vezes em público, dos gestos positivos de João XIII, o amigo dos turcos”, acrescenta. Terceiro momento fundamental foi a declaração conjunta assinada com Bartolomeu I, que abre caminhos para o diálogo nos “valores da democracia, da liberdade e do respeito pela natureza”. O contacto com a comunidade católica, “pequeno rebanho com um pasto muito difícil”, marcou o jornalista, que destaca a maneira como o pároco da Catedral do Espírito Santo, em Istambul, lida com a ausência de reconhecimento jurídico, aproveitando-a para ser “mais livre”. “Dentro da comunidade não sente nenhum obstáculo, apesar de não ter as facilidades que um Estado como o português, apesar de laico, oferece aos nossos católicos. Na Turquia, mesmo com a laicidade da República, a maioria tem mais protecção do que as minorias”, frisa, lembrando que o mesmo acontecia em Portugal até há poucas décadas atrás.