Papa lança Igreja na defesa da família tradicional

Passagem pelo EMF foi confirmação da liderança de Bento XVI Os actos conclusivos do V Encontro Mundial das Famílias (EMF), em Valência, confirmaram a intenção de Bento XVI lançar a Igreja para a alinha da frente da defesa da família contra o que considera serem ataques ao matrimónio e à vida. Nem mesmo o tão propalado clima hostil que muitos previam para a cidade espanhola – por conta dos vários confrontos entre a Igreja Católica e o governo de José Luis Zapatero – retiraram brilho a uma viagem apostólica marcada por gestos e mensagens que tocaram a multidão de muitas centenas de milhares de pessoas que o acompanharam ao longo do fim-de-semana. Após umas primeiras horas marcadas pelas homenagens às vítimas do acidente no Metropolitano de Valência, Bento XVI centrou-se nos temas que preocupam as famílias católicas um pouco por todo o mundo. Esta manhã, na Missa que encerrou o Encontro, o Papa afirmou claramente que “reconhecer e promover a maravilhosa realidade do matrimónio indissolúvel entre homem e mulher, a origem da família”, é um dos maiores serviços que se podem prestar ao bem comum e ao verdadeiro desenvolvimento das sociedades. Consciente do país em que se encontrava, Bento XVI repetiu o seu apoio a todos os que lutam pelos princípios católicos numa sociedade cada vez mais “secularizada” e precisou que a família, célula básica da sociedade, não pode deixar de existir, lamentando que a mesma esteja “acossada”. Sobre o tema do encontro, a transmissão da fé na família, Bento XVI lembrou que esta fé não é uma “mera herança cultural”, mas “uma acção contínua da Graça”. Esta perspectiva faz do matrimónio uma alta expressão da dimensão “relacional, filial e comunitária”, e da paternidade o sinal tangível da “presença de Deus criador”. Por tudo isto, o Papa deixou um alerta contra uma cultura que “muitas vezes exalta a liberdade do indivíduo como sujeito autónomo, como se ele se fizesse por si só e se bastasse a si próprio”. Na mesma linha, condenou uma organização da vida social que seja feita “apenas a partir dos desejos subjectivos e mutáveis, sem referência alguma à verdade objectiva”. “A Igreja não se cansa de recordar que a verdadeira liberdade do homem provém de ser criado à imagem e semelhança de Deus. Por isso, a educação cristã é a educação à liberdade e para a liberdade”, explicou. Às famílias cristãs pediu que não percam de vista “a fonte e a dimensão do amor e do dom recíproco”. «O avô do mundo» A firmeza das convicções de Bento XVI, imagem de marca do pontificado, tem tido um impacto tão grande nas pessoas que o seguem como a aparente surpresa do seu carácter afável, que, nesta viagem, se manifestou em diversos gestos de agradecimento e sorrisos perante o entusiasmo da multidão. No grande encontro festivo de sábado à noite, Bento XVI reafirmou diante de centenas de milhares de pessoas a “vigência” da família baseada no casamento entre um homem e uma mulher, a única – disse – capaz de resistir ao hedonismo. “Deste modo se contraria um hedonismo muito difundido, que banaliza as relações humanas e as esvazia do seu valor genuíno e da sua beleza. Promover os valores do matrimónio não impede gozar plenamente a felicidade que o homem e a mulher encontram no seu amor recíproco. A Fé e a ética cristã, não podem sufocar o amor, mas sim torná-lo mais são, mais forte e realmente livre”, afirmou. Mais uma vez, Bento XVI convidou os governantes e legisladores a reflectir “sobre o bem evidente que os lares em paz e em harmonia asseguram ao homem e à família, centro nevrálgico da sociedade”. “O objectivo das leis é o bem integral do homem, a resposta às suas necessidades e aspirações. Além disso, a família é uma escola de humanização do homem, para que cresça até se tornar verdadeiramente homem”, acrescentou. No clima de festa que se viveu, o Papa quis explicar que promover os valores do casamento não impede de “desfrutar plenamente da felicidade que o homem e a mulher encontram no seu amor mútuo”. Retomando uma das ideias fortes da sua primeira encíclica, Bento XVI precisou que a fé e a ética cristã não pretendem preterir o amor, mas torná-lo mais saudável, forte e livre. Um dos momentos mais destacados deste encontro festivo aconteceu quando o Papa falou do papel dos avós na transmissão da fé e se assumiu como o “avô do mundo”. Então, defendeu que os idosos não sejam excluídos do âmbito familiar “sob nenhum pretexto”, lembrando que os avós “podem dar aos netos a perspectiva do tempo, a memória da família”. Esses foram os principais pontos de um longo discurso, no qual Bento XVI ressaltou os valores da família. O Papa não quis falar contra ninguém nem ser agressivo, mas, como tinha dito ainda no avião, deixar uma mensagem de esperança e falar das virtudes das famílias. “Para a Igreja – ressaltou – a família é um bem necessário para os povos, um fundamento indispensável para a sociedade e um grande tesouro dos esposos durante toda a sua vida”. Além disso, é um bem insubstituível para os filhos, “que hão de ser fruto do amor, da doação total e generosa dos pais”. O Papa advertiu os pais sobre os desafios da sociedade actual, “marcada pela dispersão”, e disse que a Igreja tem a responsabilidade de oferecer acompanhamento, estímulo e encorajamento espiritual que fortaleça a coesão familiar. O dossier Zapatero Para muitas pessoas, a viagem do Papa a Valência mais não seria do que um gesto político de condenação ao primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero. O programa do EMF e as intervenções de Bento XVI encarregaram-se de desmentir essa perspectiva, apresentando-o como um líder espiritual com propostas para todos os que as quiserem ouvir. Se dúvidas houvesse, contudo, elas ficaram desfeitas na reunião “extraordinariamente cordial” que decorreu na tarde de ontem, como o confirmam fontes governamentais espanholas. O Papa esteve reunido durante cerca de 30 minutos com Zapatero, que foi alvo de assobios e apupos de alguns populares quando chegou ao Paço Episcopal de Valência. Na reunião, segundo as fontes do Governo espanhol os dois passaram em revista diversas questões da actualidade, nomeadamente a paz, a família, a imigração, o futuro da Europa e, especialmente, a situação em África. Durante toda a reunião, assinalaram as fontes, o ambiente foi “muito amável e cortês” O Papa esteve em seguida reunido com a mulher de Primeiro- Ministro, Sonsoles Espinosa, e uma dezena de colaboradores de Zapatero. Bento XVI ofereceu um “fac-simile” da Encíclica “Codex Vaticanus” de 1209 a Zapatero e recebeu deste uma tela de Manolo Valdés intitulada “Auto-retrato de Rembrandt II”. O único momento de tensão esteve ligado aos comentários sobre a ausência de Zapatero na Missa desta manhã. O director da Sala de Imprensa da Santa Sé, Joaquín Navarro- Valls, disse aos jornalistas espanhóis a bordo do avião que levou o Papa a Valência que o Vaticano não compreendia esta ausência do chefe do governo socialista. “Recordo-me que, quando fomos à Nicarágua, Daniel Ortega veio à Missa” celebrada por João Paulo II, assinalou. O Governo espanhol fez-se representar na Missa pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, Miguel Angel Moratinos e pelo da Justiça, Juan Fernando Lopez Aguilar, encarregado das relações entre o Estado e a Igreja. Os jornalistas que acompanharam a viagem papal no avião interrogaram Bento XVI sobre as recentes polémicas da política de José Luiz Zapatero. O Papa disse que não queria começar pelos casos negativos, mas antes encorajar muitos casais e famílias que são felizes e que se amam: “Esta é uma realidade que dá esperança ao mundo”.

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