Bento XVI critica os que reduzem os relatos evangélicos a um «mito» e fala num «acontecimento real» Bento XVI defendeu esta Quarta-feira a verdade histórica da ressurreição de Jesus, que a Igreja Católica celebra na Páscoa. “É fundamental para a nossa fé e para o nosso testemunho cristão que se proclame a ressurreição de Jesus de Nazaré como um acontecimento real, histórico, atestado por numerosas testemunhas que se tornaram autoridade”, disse na audiência geral, perante milhares de peregrinos reunidos no Vaticano. Num encontro em que já se ouviram cantar os “Parabéns a você” – Bento XVI completa 82 anos esta Quinta-feira, dia 16 – o Papa retomou um dos temas centrais do seu percurso teológico, que deu origem ao livro “Jesus de Nazaré”, publicado já após a eleição como sucessor de João Paulo II. Esta manhã, Bento XVI disse que os católicos professam com convicção a fé na ressurreição, frisando que “também nos nossos tempos, não falta quem procure negar a sua historicidade, ao reduzir o relato evangélico a um mito”. O Papa diz que muitos “retomam e apresentam velhas teorias, já gastas, como novas e científicas”. “A ressurreição não foi para Jesus um simples regresso à sua vida terrena precedente, mas foi a passagem a uma dimensão profundamente nova da vida, que também diz respeito a nós, que toca toda a família humana, a história e o universo”, prosseguiu. Para o Papa, “a novidade surpreendente da ressurreição é tão importante que a Igreja não deixa de proclamá-la, prolongando a sua recordação, especialmente no Domingo, que é o dia do Senhor e a Páscoa semanal do povo de Deus”. “Este evento mudou a vida das testemunhas oculares e, ao longo dos séculos, gerações inteiras de homens acolherem-no com fé e testemunharam-no até chegar mesmo ao martírio”, precisou. Em português, Bento XVI disse que “a ressurreição de Cristo é a nossa esperança! Este pregão pascal ressoa por toda a terra: ressoa no coração dos brasileiros e dos portugueses de Lamego e da diocese de Coimbra. Com alegria, saúdo a comunidade do seu Seminário Maior que, há 250 anos, facilita esta passagem do testemunho da ressurreição, com a formação de novos arautos e servidores”. Jesus, fé e História Já na sua mensagem «Urbi et Orbi», no Domingo de Páscoa, o Papa afirmara que a fé na ressurreição “não se funda sobre “simples raciocínios humanos”, mas sobre “um dado histórico de fé”. Esta é uma ideia que Joseph Ratiznger desenvolve longamente na primeira parte do seu livro “Jesus de Nazaré” (2007), no qual, segundo o próprio, “quis fazer a tentativa de apresentar o Jesus dos Evangelhos como o Jesus real, como o Jesus histórico em sentido verdadeiro e próprio”. Ao longo das últimas décadas, várias correntes exegéticas acentuam a ruptura entre o “Jesus histórico” e o “Jesus da fé”. “Como resultado comum de todas estas tentativas ficou a impressão de que, em todo o caso, de seguro sabemos muito pouco sobre Jesus e de que a sua imagem só posteriormente foi plasmada pela fé na sua divindade. Entretanto, esta impressão penetrou profundamente na consciência comum do cristianismo. Uma tal situação é dramática para a fé, porque torna incerto o seu verdadeiro ponto de referência: a amizade íntima com Jesus, da qual tudo depende, corre o perigo de cair no vazio”, escreve o Papa. O interesse pela história real de Jesus de Nazaré impulsionou, nos últimos séculos, quase todos os especialistas, crentes e não crentes a entrar, com diferentes perspectivas e instrumentos, nos difíceis campos da história de Jesus que, de maneira tão singular, marcou a nossa época. Bento XVI cita autores da sua juventude, os quais publicaram textos em que a imagem de Jesus “é delineada a partir dos Evangelhos: como Ele viveu na Terra e como, apesar de ser inteiramente homem, trouxe ao mesmo tempo Deus aos homens, com o qual, enquanto Filho, era só uma coisa”. “Assim – explica o Papa – através do homem Jesus, torna-se visível Deus e, a partir de Deus, pode ver-se a imagem do homem justo”. Os textos que possuímos sobre Jesus não pretendem fazer um relato jornalístico ou biográfico, como hoje se desejaria, mas testemunhar a mensagem vivida pelas primeiras comunidades cristãs. Esses textos são textos históricos relativos a essas comunidades e à pessoa de Jesus que neles aparece como alguém que não cabe nos limites humanos. O “Jesus histórico” é uma expressão que tem dominado a pesquisa sobre a sua figura, nas últimas décadas, como se fosse uma entidade diferente do que se convencionou designar “Cristo da fé”. Nos nossos dias, a figura de Jesus emerge em itinerários contrastantes, entre a releitura devocional e a demanda da “verdadeira história”. Curandeiro, sábio, profeta, contador de histórias, rabino galileu, militante social, judeu marginal, camponês mediterrânico ou filósofo itinerante são várias das hipóteses de leitura que se lançam sobre Jesus, completando-se ou mesmo contradizendo-se e excluindo-se. A vaga de estudos sobre o chamado “Jesus histórico”, que tende a recusar imagens criadas pelas confissões cristãs, serviu para que, 200 anos após o seu início, a diversidade de opiniões e posições ainda seja maior. Apesar destes riscos, os contributos de áreas tão diversas como a linguística, a arqueologia e outras ciências sociais e histórica facilitam, hoje em dia, o acesso aos textos do Evangelho e à cultura judaica em que Jesus se inscreveu. Neste contexto, Bento XVI quer apresentar uma interpretação a partir dos Evangelhos, com a consciência de que “esta figura é muito mais lógica e mais compreensível, do ponto de vista histórico, do que as reconstruções com as quais nos confrontámos ao longo das últimas décadas”.