Provincial da Companhia de Jesus lamenta falta de «estadistas» com «credibilidade moral» de Francisco e reconhece que dinâmica de «Igreja em saída» deve «obrigar dioceses, bispos, paróquias e leigos» ao mesmo movimento

Lisboa, 23 abr 2025 (Ecclesia) – O provincial da Companhia de Jesus em Portugal afirmou hoje que o Papa Francisco deixou na Igreja, através do seu pontificado, marcas de “proximidade e coerência” que escasseiam em lideranças atuais.
“Basta olhar para o panorama político do mundo: dentro dos países faltam verdadeiros estadistas que pensem para lá da sua capelinha, que se preocupem verdadeiramente com o bem comum e que tentem exercê-lo de forma coerente. A preocupação do Papa Francisco não era o estado Vaticano, é o mundo, é a paz no mundo. A forma como exerceu o seu papado fê-lo ganhar credibilidade moral que o põe com uma grande liberdade diante de todos os outros”, explica à Agência ECCLESIA o padre Miguel Almeida.
O responsável reconhece uma “viragem no exercício do papado”, “não por explicar muito a doutrina, mas por exercê-la”, e um “estilo de proximidade”.
“O Papa tinha uma centralidade na pessoa de Jesus Cristo, especialmente no seu ir ao encontro daqueles que mais sofrem, nos mais pobres, nos que são esquecidos. Enfim, eu acho que aí é uma grande marca deste Papa, precisamente porque pega no Evangelho e o torna significativo na vida concreta das pessoas, concretas das suas dificuldades”, indica.
Proximidade e coerência que o provincial dos Jesuítas identifica num pontificado de 12 anos, com o líder a assumir o discernimento como essencial no governo da Igreja católica.
“O discernimento requer uma vida de introspeção e de grandes questões e, se é verdadeiro e livre, não sabe onde vai acabar. E o Papa vive bem com isso. Para uma instituição, por vezes, é muito difícil gerir isto, porque qual é que é a certeza absoluta? O que é que temos para dizer aos fiéis? O que é que as pessoas estão à espera de segurança? E o que o Papa tem para oferecer é ‘rezemos’”, aponta.
O padre Miguel Almeida explica o processo de “teologia indutiva” que Francisco realizou, não a partir de uma ideia, mas da realidade das pessoas.
“Estávamos habituados a uma teologia dedutiva, a que os documentos do Magistério viessem de cima para baixo. O Papa pega na realidade e, a partir da realidade, chega a Deus. E a realidade é muito mais diversa do que um princípio e por isso cria mais inseguranças, medo, diferença. Francisco foi um Papa que viveu em atitude de abertura ao futuro, sem medo de não ter a certeza absoluta – o tempo é superior ao espaço, a realidade é mais importante que a ideia”, concretiza.
Francisco faleceu esta segunda-feira, aos 88 anos de idade e após mais de 12 anos de pontificado, na sequência de um AVC; o Papa esteve internado entre 14 de fevereiro e 23 de março, a hospitalização mais longa do pontificado, devido a uma infeção respiratória que se agravou para uma pneumonia bilateral.
O responsável da Companhia de Jesus refere-se ainda à marca da sinodalidade que Francisco quis recuperar para o agir da Igreja.
“Mais do que estar preocupado com os temas que poderiam surgir no sínodo, que estaria também, a grande preocupação do Papa era criar um novo estilo de ser Igreja, um novo modo de exercer o governo na Igreja e por isso acho que, antes de morrer, fez este plano já até 2028, para, estruturalmente, criar a Igreja para ser diferente”, assinala.
Ao imprimir a sinodalidade na sua forma de agir, ao concretizar gestos “em saída”, Francisco obriga também a Igreja a colocar-se em saída.
“Quando ele próprio sai, força que as dioceses estejam em saída, que os bispos vão para a rua, que as paróquias tenham o cuidado com os migrantes, com os mais pobres, com os doentes, com os presos. Enfim, isto gera depois todo um movimento que, esperemos, não termine”, finaliza.
As orientações deixadas para que o processo sinodal em curso tenha uma assembleia eclesial em 2028, significam, segundo o provincial jesuíta, o desejo de tornar este um processo de Igreja.
“O Papa, ao programar até 2028, propõe que seja um processo da Igreja. O Papa estava frágil e está claramente a passar a pasta. Seria bom que não fique uma marca de um Papa, mas que fique de facto a estrutura da Igreja a funcionar. E parece-me que esse é o grande desejo do Papa – poderá levar tempo, vai requerer um envolvimento grande da parte dos leigos, haverá que saber escutar da parte da hierarquia, mas também saber participar, ter mais a dizer sem inibição”, explica.
A conversa com o padre Miguel Almeida pode ser acompanhada hoje no programa ECCLESIA, emitido na Antena 1 pouco depois da meia-noite, e disponibilizado no podcast «Alarga a tua tenda».
LS