«Pão de Todos, para Todos» termina esta Quinta-feira

«Eu Cuidarei de Ti» é o tema da edição de 2009, organizada pela associação de solidariedade CAIS

Termina esta Quinta-feira a sexta edição do «Pão de Todos, Para Todos», manifestação sociocultural e artística que celebra o pão e os seus valores intrínsecos, como a partilha, a fraternidade e a união.

A iniciativa é organizada pela CAIS, associação de solidariedade que visa melhorar as condições de vida de pessoas sem casa ou que estão social e economicamente vulneráveis, em situação de privação, exclusão e risco.

Por altura do Natal é montada uma enorme padaria em Lisboa – este ano, no Largo do Martim Moniz – que durante uma semana produz pão e o distribui de graça.

Todo o projecto pretende expressar a dimensão da gratuidade: os responsáveis partem da convicção de que o mundo e a vida são um dom; os voluntários não são remunerados; e o gesto da oferta de pão é um símbolo que ultrapassa a dádiva do alimento, manifestando a certeza de que toda a existência humana é chamada a dar-se para que outros vivam.

Os objectivos do «Pão de Todos, Para Todos» são transmitidos quando a tenda abre ao público, pelas duas da tarde, e também nas conversas individuais que os voluntários mantêm com os visitantes. “Ninguém entra aqui sem saber onde está e para o que vem”, afirmou Henrique Pinto à Agência ECCLESIA.

Desde que a iniciativa arrancou tem havido “um fluxo enorme e ininterrupto de gente”, referiu o vogal da Direcção da associação de solidariedade CAIS.

«Eu Cuidarei de Ti»

“O tema desta edição – «Eu Cuidarei de Ti» – é muito bíblico, porque evoca a certeza de que Deus estará connosco até ao fim dos tempos”, assinalou o responsável.

O simbolismo do pão como alimento básico é o ponto de partida para reivindicar o acesso às condições essenciais de sobrevivência e dignidade.

“O que a CAIS sempre quis fazer durante os seus 15 anos foi cuidar dos outros. Estamos aqui a celebrar essa promessa que fizemos, a assinalar alguns resultados do nosso trabalho e a dizer às pessoas que, enquanto houver pobreza e exclusão, nós estaremos cá para dar o nosso apoio”, garantiu Henrique Pinto.

“Utilizamos o pão e a sua carga simbólica, ligada à cultura, à gastronomia e à tradição religiosa cristã como meio de encontro”, explicou.

“Procuramos que as pessoas entendam que nada do que este planeta tem e nos oferece foi merecido”, referiu o director da revista CAIS. “Nada do que possuímos, ainda que ganho com o suor do rosto, é exclusivamente nosso”, declarou.

“Temos insistido com quem falamos que o caminho para a felicidade passa obrigatoriamente pela entrega de nós mesmos aos outros. Quem vive voltado para si será certamente mais infeliz”, acrescentou Henrique Pinto.

As instituições públicas e privadas associam-se ao projecto através da oferta do espaço, bem como dos instrumentos e ingredientes necessários à preparação dos diversos géneros de pão. E também cedem parte dos seus trabalhadores, que ao longo de uma semana ganham a oportunidade de participar numa actividade bem diferente daquela a que estão habituados.

“É um grande evento de cidadania, envolvendo cerca de 300 voluntários de diversas empresas, que trabalham por turnos”, indicou Henrique Pinto. Estas entidades, revelou o responsável, disponibilizaram os seus colaboradores, “mesmo nos dias úteis, para estarem algumas horas connosco, generosamente”.

O projecto cativa igualmente pessoas que não estão ligadas às empresas que aderiram à iniciativa. A maior parte delas reside em Lisboa, mas já há quem não olhe a distâncias para meter as mãos na massa. Henrique Pinto deu o exemplo de um voluntário da Figueira da Foz que, “fora do seu horário de trabalho, decidiu vir aqui Sábado e Domingo, fazendo 400 quilómetros de ida e volta para estar connosco”.

As crianças também se têm juntado à iniciativa. Além de lhes proporcionar uma experiência nova, a sua presença tem sobretudo intuitos pedagógicos: “É uma alegria muito grande ver aqui pais e avós que participam nesta acção de voluntariado com os filhos e netos, educando-os a ser para os outros”, observou o director da revista CAIS.

Ponto de encontro

O responsável considerou que o evento “deixou de ser dos coitadinhos, dos pobrezinhos, dos que passam fome em Lisboa”.

“Nesta edição têm-se cruzado crianças, jovens, adolescentes, adultos, idosos, turistas… O título da iniciativa concretiza-se no dia-a-dia porque a tenda não é exclusiva de uma população sem abrigo, e ficamos muito felizes por isso”, relatou Henrique Pinto.

Ao longo dos seis anos, o projecto tem servido de radiografia sociológica da Baixa lisboeta.

“Quando nos abeiramos das pessoas para saber como estão e como vão vivendo, acabamos por descobrir que à volta do Martim Moniz moram sobretudo idosas, com filhos que têm grandes empregos mas que não querem saber dos pais”, garantiu Henrique Pinto.

“Tratam-se de senhoras que vivem em 5.ºs e 6.º andares, sem elevador, e que sofrem sobretudo com a solidão”, esclareceu.

Semente de perdão

“Gostaríamos imenso que no calendário civil português fosse instituído o «Dia da Não Cobrança», isto é, em que não se cobra nada a ninguém: o marido não cobra à mulher, a mulher não cobra ao marido, os filhos não cobram aos pais; e quem sabe se algumas lojas e bancos seriam capazes de diminuir as dívidas dos seus devedores”, sugeriu Henrique Pinto.

“Às vezes – prosseguiu – só temos consciência destas situações quando os países mais ricos do mundo decidem perdoar os débitos dos mais pobres. Mas no nosso dia-a-dia somos incapazes de viver assim. Exigimos que os outros o façam, mas nós somos incapazes de perdoar”.

“Não é só uma questão económica: há também o perdão àquele que nos fez mal, que nos faltou ao respeito”, lembrou o responsável. Neste sentido, o projecto pretende também ser um sinal de reconciliação entre famílias e pessoas.

Cultura e intervenção social

Mafalda Arnauth, Toy, Nuno Costa Jazz Trio, Oioai, DJ Glue & Bob The Rage Sense, Arsha e Farra Fanfarra são alguns dos nomes que fazem parte do cartaz cultural do «Pão de Todos, Para Todos».

Este ano, a organização apostou “em artistas mais jovens e abrangentes”, famosos e menos conhecidos. Do Jazz à música Disco, com Fado e Hip Hop à mistura, estão agendados cerca de 40 espectáculos, sempre com entrada livre.

O programa inclui também «workshops», animação do Chapitô, danças variadas e teatro, entre outras propostas.

A 17 de Dezembro, a CAIS participará na marcha que tem como objectivo anunciar e inaugurar o Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social (2010). A iniciativa, à qual se junta a Comissão Nacional Justiça e Paz e a Cáritas, entre outras entidades, começará às 19h30.

A manifestação sairá do Largo de Camões, terminando no Martim Moniz, com uma intervenção sobre a história deste local multi-cultural.

A praça começou por ser um espaço nobre da cidade, mas tornou-se gradualmente um lugar marginal. Os organizadores querem agora mobilizar a população e a autarquia para recuperar a dignidade que caracterizou aquela zona de Lisboa.

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top