Panorama da Música Litúrgica em Portugal é globalmente positivo

Padre António Cartageno em entrevista ao Jornal da Madeira O Padre António Cartageno é um dos actuais compositores sacros. As publicações da especialidade incluem muitas das suas composições que, pela sua simplicidade e composição modal gregoriana, convidam à meditação e elevação espiritual, preenchendo as características de música sacra e litúrgica. Por esse facto, utilizamos também muitas das suas partituras. Jornal da Madeira: (JM) Esteve recentemente na Madeira. Que recordações levou destes dias de férias? António Cartageno (AC): – Trouxe da Madeira óptimas recordações. A primeira foi o excelente acolhimento das pessoas: do Ir. Monteiro e de todos os Irmãos da Casa de Saúde de S. João de Deus, onde fiquei, do grupo de jovens do Trapiche e outras pessoas com quem contactei, nomeadamente colegas, que foram inexcedíveis em simpatia e carinho para comigo; depois, o deslumbramento da paisagem: é um regalo para os nossos olhos estar envolvido em tanta beleza! Finalmente, o desenvolvimento das infra-estruturas, nomeadamente a ampliação do aeroporto e toda a rede viária da Ilha. Notável! JM: Como vislumbrou o nível de canto litúrgico na Madeira? AC: – Honestamente, o pouco que observei não chega para tirar conclusões a esse respeito. Ainda assim, gostei do que ouvi nas paróquias de Nª Sª da Graça, de Santo Amaro, da Nazaré e na Igreja da Casa de Saúde de S. João de Deus, onde o grupo de jovens do Trapiche cantou alguns cânticos a 4 vozes… JM – Como classifica a composição chamada sacra e litúrgica em Portugal? Responde ao conceito genuíno de música sacra definido pelo Concílio Vaticano II? AC: – A música litúrgica é a música apta para usar na liturgia, a que tem as características exigidas pela Igreja: a santidade (o sentido da oração, da dignidade, da beleza…), a bondade das formas (que seja verdadeira arte), a adesão aos textos (que ajude a enaltecer o texto), que seja factor de comunhão, que comova e exalte… Música que, em última análise, cumpra a finalidade que os documentos da Igreja lhe atribuem: “a glória de Deus e a santificação dos fiéis”. Creio que em Portugal se está tentando ir por este caminho que a Igreja propõe. Daquilo que conheço do repertório publicado e da práxis das nossas comunidades (via rádio, televisão e observação directa), creio poder dizer que o panorama da música litúrgica praticada em Portugal é globalmente positivo. Apesar de reconhecer que em muitos grupos e comunidades celebrantes há cedências à ligeireza e à superficialidade, constato que a oferta de repertório litúrgico-musical entre nós é já muito abundante e de razoável qualidade, nada ficando a dever ao que se faz noutros países da Europa. Sobre isto não tenho dúvidas. É certo que uma coisa é haver repertório e outra é pô-lo em prática. Mas é inegável uma certa melhoria – lenta mas progressiva – nos últimos 15-20 anos, se compararmos com a pobreza musical das duas primeiras décadas do pós-concílio… JM – Porque ainda não estão musicados todos os cantos de Entrada e Comunhão que nos apresenta o Missal Romano, para os três anos litúrgicos, e sobretudo porque não existe uma publicação ordenada destes cantos ao alcance do público? AC: – Reconheçamos que houve já um notável esforço nesse sentido. Existem já há alguns anos 2 livros editados pelo Secretariado Nacional de Liturgia – Cânticos de Entrada e Comunhão I (1999) e II (2000) – que cobrem praticamente todo o ano litúrgico. Sem ser uma compilação perfeita, penso que é um bom contributo para a generalidade das nossas assembleias litúrgicas. JM: – Recentes publicações apresentam muitas paráfrases feitas por autores humanos, nem sempre com a qualidade requerida. Porque não se prefere musicar a mesma Palavra de Deus? Será mesmo legítimo substituir os referidos Cânticos por paráfrases, às vezes de menos gosto artístico e poético? AC: – Foi por opção consciente que incluímos na colectânea muitos cânticos cujos textos foram pedidos pelo Secretariado Nacional de Liturgia a alguns poetas e sobretudo a Fernando Melro. Ele parafraseou muitos salmos, dando-lhe um carácter estrófico. Fugiu-se assim ao estilo salmódico, (baseado nos recitativos), que estava a dominar quase por completo o nosso repertório, e tentou criar-se algo porventura mais conforme à nossa tradição popular (a quadra, etc.) De facto, se é verdade que cada cântico tem o seu carácter próprio, não faz grande sentido que se cante à entrada algo que poderia ser, na sua estrutura, um salmo responsorial. Concordo que nem todos esse cânticos estróficos são perfeitos – num ou outro caso o resultado final não é o melhor – mas, em minha opinião, a tentativa é louvável e há alguns muito bem conseguidos. JM – Que influência tem tido o canto gregoriano – canto oficial e preferido da Igreja – nas composições modernas litúrgicas? AC: – É inegável que as influências do canto gregoriano estão presentes numa grande parte de nosso repertório pós-conciliar. Se analisarmos os cânticos do P. Manuel Luís (que foi, na minha opinião, o grande pioneiro da renovação do canto litúrgico em Portugal), e mesmo os de quase todos os que, depois dele, escreveram música para a Liturgia, entre os quais me incluo, verificamos que muitas das suas melodias são modais (baseadas nos “modos” gregorianos) e não tonais. Sente-se que muitas das novas composições são permeadas pelo mesmo espírito que suscitou e modelou o canto gregoriano, o que, sem dúvida, favorece a espiritualidade e o clima de oração. A este propósito cito as sábias palavras do Papa S. Pio X, que João Paulo II também faz suas no Quirógrafo sobre a música sacra: “Uma composição para a Igreja é tanto mais sacra e litúrgica quanto mais se aproximar, no andamento, na inspiração e no sabor, da melodia gregoriana…” JM: – Além dos Grupos Corais que executam a os textos litúrgicos acompanhados a Órgão, – instrumento preferencial na Liturgia, – existem em quase todas as comunidades cristãs Grupos de Jovens que preferem cantar «os seus cantos» acompanhados de outros instrumentos, como a guitarra ou a viola, etc, cantos que muitas vezes nada têm a ver com a mesma Liturgia. Porque não se compõem músicas para Jovens que correspondam às exigências e características da música sacra, e sobretudo a litúrgica? AC: – A música, se for boa e bem executada, envolverá sempre os jovens. É pena que se lhes ensine quase exclusivamente um certo tipo de cânticos muitas vezes superficiais e desadequados, como se eles não tivessem gosto e sensibilidade para repertórios mais exigentes. Certos animadores contribuem para que os jovens criem modelos musicais quase exclusivos, donde, depois, é difícil sair, o que é muito negativo. E a Igreja tem tanta música bela para lhes dar! Com paciência e bom senso, aceitando muito do que de interessante há no repertório juvenil, mas fazendo também outras propostas que transmitam uma mensagem de beleza, que provoquem a adoração e a glorificação de Deus e ajudem a aproximar-se d´Ele e a experimentar a Sua presença, é preciso ajudar os jovens a ir mais além, ensiná-los a apreciar, a alargar os seus horizontes estéticos. O que digo não exclui, antes supõe a necessidade de prestarmos a melhor atenção à música de gosto juvenil – eu próprio o tenho tentado – mas sem ceder à superficialidade, abrindo-os sempre à qualidade e ao bom gosto. Enfim, neste como noutros campos da vida eclesial, a palavra de ordem é: educar, formar!

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