Francisco presidiu a oração especial, numa celebração Praça de São Pedro vazia, que recorda na sua autobiografia
Cidade do Vaticano, 27 mar 2025 (Ecclesia) – O Vaticano assinalou hoje o 5.º aniversário da celebração extraordinária de oração a que o Papa presidiu, numa Praça de São Pedro vazia, durante a pandemia de Covid-19.
“A praça estava dramaticamente vazia, apesar de milhões de pessoas em todo o mundo estarem sintonizadas nele, coladas aos seus ecrãs de televisão, ainda presas na longa quarentena de confinamento, com medo do vírus invisível que estava a colher tantas vítimas e a levá-las para as unidades de cuidados intensivos dos hospitais, sem que os seus familiares pudessem vê-las, cumprimentá-las ou mesmo celebrar o seu funeral”, recorda Andrea Tornielli, diretor editorial do Dicastério para a Comunicação (Santa Sé).
Numa celebração com transmissão televisiva e online para todo o mundo, Francisco começou por rezar pela humanidade, numa “dolorosa condição”, antes de refletir sobre a passagem do Evangelho em que Jesus dorme, enquanto uma tempestade assola o barco onde vai, com os discípulos.
“A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades”, sustentou, depois de caminhar sozinho, numa noite de chuva, a caminho da cadeira de presidência.


Para esta oração, foram levados até ao Vaticano o ícone de Maria ‘Salus populi Romani’, que se venera na Basílica de Santa Maria Maior, local onde o Papa costuma rezar antes e depois de cada viagem internacional, para pedir a intercessão da Virgem Maria; e a cruz venerada na igreja de São Marcelo al Corso, um crucifixo considerado milagroso que, segundo a tradição popular, pôs fim à peste de 1522.
Tornielli sublinha que, com esta bênção especial ‘urbi et orbi’ [à cidade (de Roma) e ao mundo] – e a celebração da Missa diária na capela de Santa Marta, Francisco fez-se “próximo de todos”, num momento de confinamento e incerteza.
“Tinha compreendido toda a gente no abraço da praça vazia, na bênção com o Santíssimo Sacramento, no simples gesto de beijar os pés do crucifixo que parecia chorar por estar exposto ao mau tempo de uma noite de início de primavera”, escreve.
![]() Na sua autobiografa intitulada ‘Spera’ (Esperança), divulgada em janeiro, Francisco recorda o momento da oração de 27 de março de 2020. “Enquanto as televisões do mundo estavam ligadas em direto, caminhei através de uma Praça de São Pedro vazia e brilhante da chuva para a Statio Orbis, para responder à pandemia do vírus com a força da oração, da compaixão, da ternura. Avançava sozinho e tinha no coração a solidão de todos, sentia os seus passos nos meus, os seus pés nos meus sapatos, poderia dizer. Naquele silêncio, sentia ecoar milhões de súplicas e uma necessidade universal de esperança”, relata. O Papa escreve que sentiu que estavam “todos juntos”, consigo, no Vaticano. “Também por isso, nunca me senti verdadeiramente sozinho naquela praça. Beijei os pés do Crucifixo e isso deu-me esperança, como sempre. Pedi ao Senhor para afastar o mal com a sua mão e, ao mesmo tempo, a graça e a criatividade de saber abrir novas formas de fraternidade e de solidariedade, mesmo naquele contexto desconhecido para nós”, refere. Todos juntos ficamos abraçados como a uma âncora àquele Cristo capaz de vencer o medo, de dar apoio. ‘Meté mano’, dizia-lhe eu, uma expressão muito minha, que utilizo muitas vezes na oração: ‘Mete Tu a mão nisso, por favor. Já o fizeste no século XVI, conheces esta situação’. Para Francisco, “não desperdiçar as lições da pandemia” é a única maneira de “honrar, para lá da retórica vazia, o sacrifício de muitos”, realçando que as vítimas estimadas da pandemia de Covid-19 foram mais de 20 milhões de pessoas, “uma guerra mundial”. “Todos tivemos os nossos lutos. Também eu perdi pessoas queridas, na Argentina e em Itália, parentes, amigos. Tais como o professor Fabrizio Soccorsi, que era o meu médico pessoal”, assinala. O Papa defende que “seguir em frente não significa esquecer” o que aconteceu durante os anos de confinamentos, mas “significa mudar”. “Quem ousará esquecer as colunas de carros militares que transportavam os caixões para fora das cidades, nas quais já nem havia lugar para os mortos, o sofrimento dos médicos derrotados diante de doentes sem respiração, os rostos deformados pelas máscaras e pelo cansaço, a solidão dolorosa de pais, mães, avós nas casas de repouso e nas estruturas sanitárias?”, questiona. |
“Cinco anos depois, olhando à nossa volta, é impossível dizer que saímos melhores, com um mundo dilacerado pela violência dos senhores da guerra, que pensam no rearmamento em vez de combater a fome”, refere o portal de notícias do Vaticano.
“Já não estamos em quarentena, e agora a situação inverteu-se: a praça está cheia de pessoas que celebram o Jubileu, e quem não está lá agora é o bispo de Roma, que reza por nós e pela paz a partir do seu quarto em Santa Marta, a recuperar de uma grave pneumonia. Mas essa harmonia não se quebrou. E as suas palavras de então são mais atuais do que nunca: ainda hoje, especialmente hoje, é ‘tempo de escolher o que conta e o que passa’”, conclui o editorial divulgado esta quinta-feira.
OC
Vaticano: Covid-19 colocou todos «no mesmo barco» e é hora de mudar de vida, pede o Papa (c/vídeo)