O padre Alberto Neto (Souto da Casa, Fundão, 11 de fevereiro de 1931 – Setúbal, 3 de julho de 1987) viveu durante o Estado Novo e assistiu à transição para a democracia em Portugal. Os seus 56 anos de vida foram o retrato de uma complexidade vivida numa época marcada por mudanças nas configurações dos regimes políticos.
Esse intenso período que incluiu o salazarismo, o marcelismo e introduziu a democracia em Portugal, contou com o seu percurso de crítica que se manifestou na atividade pública e que criou um impacte na consciência de muitos católicos. Para a compreensão da sua matiz de pensar e de agir, contributiva para o enformar da história, propomos interrogar a sua experiência crente e militante, mais propriamente a sua ação pastoral e a sua intervenção social e eclesial tendo como fonte as suas homilias proferidas na capela do Rato, depoimentos e bibliografia que nos situarão especialmente no período compreendido entre 1968-1973. Em suma, qual foi a relação entre as motivações religiosas e a sua intervenção cívica? Qual a relação entre a amplitude dos seus campos de ação pastoral e a concretização de uma consciência eclesial pós-Vaticano II?
(…) O Pe. Alberto estava apostado em transformar a liturgia, em «realizar uma obra progressiva de adaptação da liturgia às mentalidades de hoje sem negar o valor de outros tipos de celebração». Por esta opção, recebeu críticas ásperas ao seu trabalho e leria mesmo uma carta de um fiel que se encontrara mal impressionado: «a assembleia tinha o aspeto duma sala preparada para um leilão [… ] chegamos ao Evangelho e de uma vez entrou uma menina de calças e, outra uma que, mostrando atrevidamente as coxas, leu o Santo Evangelho. Revoltei-me. […] Depois vem um cântico que mais se parece com um erótico “yé-yé”»!
Este episódio em torno da adaptação da liturgia foi exemplificativo da tensão da gestão institucional entre uma tradição e uma modernidade religiosa, cujo rejuvenescimento das práticas eclesiais não deixava de espelhar já uma opção pela juventude a que o Pe. Alberto exigia, segundo Francisca Cordovil, «a radicalidade de um questionar permanente à vida».
A sua opção pela juventude foi devedora do seu papel de professor, função que acumulou a partir de 1965 com a de assistente da Juventude Escolar Católica (JEC). Esta opção não pretendeu somente evangelizar um meio particular, eventualmente revitalizador de mentalidades e estruturas, mas possibilitar aos jovens uma expressão das suas experiências e expectativas que originassem uma partilha em forma comum de organização da vida quotidiana e de ação no mundo.
Na trajetória do Pe. Alberto Neto participou uma experiência crente e militante que era, antes de mais, a compreensão das suas funções como sacerdote e pároco, sendo perspetivada como um instrumento de mobilização dos católicos para a afirmação das convicções e da doutrina católicas na sociedade, modelando a identidade do católico e construindo um sentido do religioso. O Pe. Alberto procurou produzir as significações da sua própria existência através da diversidade de situações que experimentou, daí que a biografia do seu apostolado fosse também a da sua vida. Ele traduziu socialmente o indivíduo que foi e transformou em sociedade certas idiossincrasias particularistas, gerando movimento”. Deste ponto de vista, não era uma instituição que fixava as condições de pertença religiosa: era a vida e, a partir dela, a criação de uma Igreja que se contestasse e que se procurasse.
Excertos do texto ‘Pe. Alberto Neto: A construção de um sentido do religioso’, de David Soares in ‘Religião e cidadania: protagonistas, motivações e dinâmicas sociais no contexto ibérico’ – Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa (2012).