Os suspeitos do costume

Começa a tornar-se frequente o facto de, sempre que surgem problemas sociais e económicos, se apontar o dedo aos habituais bodes expiatórios: africanos, ciganos, espanhóis, europeus de Leste Começa a tornar-se frequente o facto de, sempre que surgem problemas sociais e económicos, se apontar o dedo aos habituais bodes expiatórios: africanos, ciganos, espanhóis, europeus de Leste. Dos argumentos emergem recalcados sentimentos de xenofobia e análises de «defesa» nacional que exploram, de forma demagógica, um vago e imaginário sentimento de «portugalidade», alicerçado no medo e na ausência de memória. A verdade é que, de facto, essas questões sociais e políticas estão já sobejamente diagnosticadas – até por estudos de peritos! – e não podem ser mais adiadas. O «arrastão negro de Carcavelos» e a «marcha branca no Martim Moniz» são soluços do monstro que dorme… Urge assumir a realidade, a história nacional, a memória de um povo, o fracasso político, ousando mudar de olhar e agindo sobre as causas. Está em jogo a coesão nacional e o nosso futuro de paz neste sossegado litoral ibérico. Não enfrentar os problemas e suas causas, adiar estratégias que deixam os prevaricadores na impunidade é deixar à solta formas outras de violência e de delinquência que ameaçam a segurança nacional: a enraizada evasão fiscal, os 18 mortos na estrada naquele fim-de-semana prolongado, a exclusão dos bairros degradados habitados por portugueses e imigrantes por causa da suspensão do Plano Especial de Realojamento, o aumento da emigração «temporária» e «forçada» devido ao crescente desemprego e endividamento das famílias, a posse ilegal de armas, o tráfico de droga e de pessoas, a morte de agentes de segurança no cumprimento do dever, o proliferar transfronteiriço de centenas de casas de alterne e consequente aumento da prostituição e suas redes de proxenetismo, entre outras. «Arrastões», alguns deles tabus, porque denunciam um jeito de ser português. A «ditosa» semana de Junho foi, na verdade, um período repleto de eventos contraditórios e invulgares a que ninguém ficou indiferente: o hipermediatizado e delinquente «arrastão» dos jovens «2.ª geração» na praia de Carcavelos, do qual apenas uma queixa foi formalizada na PSP; a visita polémica do corajoso Presidente da República ao «problemático bairro africano» no Alto da Cova da Moura para participar num «workshop» do «Moinho da Juventude» onde apelou à tolerância, legalização dos imigrantes e respeito pela lei; e, por fim, a marcha contra a criminalidade organizada por cidadãos «brancos» – vestidos de preto! – e apoiada por grupos de inspiração racista. Lamento que a criminalidade continue fatal e generalizadamente a ser associada à imigração. Vi quanto as famílias africanas e seus filhos, que conheço e acompanho espiritualmente no Bairro da Quinta da Princesa de Amora – «pessoas de bem», trabalhadores honestos e cristãos comprometidos na evangelização! –, se sentiram, de novo, humilhados pelo empolgamento dos «media» e injustamente estigmatizados por desordens, crimes e ofensas que não cometeram. Não é com generalizações perversas e preconceituosas que se constrói uma «sociedade integrada». Portugueses «estrangeirados» pela emigração ou «magoados» pela descolonização… Jovens portugueses, filhos de pais «brancos» ou «diferentes» porque filhos de imigrantes… Todos são Portugal, na diversidade dos tempos, dos espaços, das vicissitudes da vida, das trajectórias e das origens! O País é também a presença e trabalho de 470 mil imigrantes – africanos, latino-americanos, asiáticos e europeus – que, se bem que em situação de desigualdade de oportunidades e discriminados, colaboram activamente no desenvolvimento do País e amam tanto Portugal como a terra onde nasceram. Muito obrigado, Eddy, Elaine e Vassili. Rui M. da Silva Pedro, Director Nacional da Obra Católica Portuguesa de Migrações, in “Além-Mar”

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