Os Santos Impopulares

Pe. Vítor Pereira, Diocese de Vila Real

Padre Vitor Pereira, Diocese de Vila Real

Junho é chamado o mês dos santos populares, mês em que se celebram as festas de S. António, S. João Batista e S. Pedro e S. Paulo. Em muitas partes do país organizam-se, habitualmente, celebrações, procissões e arraiais e festanças em sua honra. A um chamam casamenteiro, a outro Batista e a outro pastor.

Corremos muito o risco de esvaziar estas festas do seu conteúdo cristão e de passarmos muito ao lado do grande apelo à santidade que estas grandes figuras da Igreja nos fazem. Quantos de nós levam a sério a santidade na sua vida? Não sou contra festejos e romarias em nome dos santos, e acho muito bem que as pessoas se divirtam e façam fartos convívios, mas temos de ir pouco mais além do mero convívio social e do muito folclore religioso que por aí anda, tão do agrado de quem se quer esquivar ao compromisso com Jesus Cristo e com o seu Evangelho, ou se acha católico porque cumpre tradições e costumes inspirados na fé católica. Por vezes, mete um pouco de dó vermos a superficialidade que perpassa as romarias cristãs. Que o essencial deste mês não nos passe ao lado, sem deixarmos de provar um bom vinho e alcatroarmos os lábios com a gordura saudável de uma boa sardinha ou sardinhas.

Primeiro, seria importante que os festeiros dos santos populares conhecessem a sua vida e obra, porque este ar adocicado, bonacheirão, estroina, folgazão, popularucho não tem nada a ver com eles. Aliás, anda por aí muita ignorância à volta dos santos da Igreja (ser casamenteiro é o dado menos importante da vida de S. António), de quem se contam mil um feitos milagreiros e lendas mirabolantes, deixando-se na penumbra a vida concreta e real que viveram, possuídos por uma fé profunda, madura, uma vida espiritual intensa, abrasados por um amor concreto à Igreja e aos outros, num verdadeiro seguimento de Jesus Cristo e numa grande fidelidade ao Evangelho.

S. António de Lisboa foi um franciscano austero e extremamente exigente consigo mesmo, abnegado, entusiasta da vida frugal, grande estudioso da Escritura e da teologia, um evangelizador e pregador notável, incansável e intrépido pela Europa, defensor dos pobres e oprimidos. Pautou toda a sua vida por um profundo amor a Deus e ao seu Reino e por um amor verdadeiro e operante aos outros. Na mesma continuidade, S. João Baptista é um exemplo primoroso de humildade, fidelidade à missão, retidão, sobriedade, amor incondicional à verdade, sinceridade e lealdade, de corajoso testemunho profético. S. Pedro, depois de uma caminhada titubeante como discípulo (está nas melhores afirmações de fé diante de Cristo e nas mais cruéis negações diante d’Ele), após a ressurreição de Jesus, desprendido de tudo e de todos, assumiu o papel de apóstolo pelos caminhos do mundo e pastoreou a Igreja, morrendo nas mãos dos romanos, que barbaramente começaram a perseguir os cristãos.

Olhando-se aos valores que hoje imperam, todos estes denominados «santos populares», que, na verdade, são impopulares, são exemplo de heroísmo quotidiano, exigência, austeridade, determinação, fidelidade a princípios e valores, fé, amor à verdade, dedicação e entrega aos outros, compromisso com Cristo e com o Evangelho. Espero que este mês dos santos populares, que de popular têm muito pouco, não se reduza só ao ruído e à galhofa, à folia e aos bailaricos, mas seja um mês para cada cristão refletir um pouco mais e crescer na fé, e reforce o empenho dentro de si de continuar a caminhar na santidade, dando um abanão na mediania, que facilmente se torna a dona da casa.

(Os artigos de opinião publicados na secção ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são da responsabilidade de quem os assina e vinculam apenas os seus autores.)

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