Os portugueses e a crise: duas atitudes possíveis

Francisco Sarsfield Cabral

Mais ou menos justa na distribuição dos sacrifícios, a austeridade em Portugal é inevitável. Por um motivo, aliás conhecido de muita gente que acompanha estas coisas económicas e financeiras, mas infelizmente pouco falado pelos governantes nos últimos anos: em conjunto, os portugueses gastam 10% acima daquilo que produzem. E financiam essa diferença com crédito do estrangeiro. Ora os mercados financeiros ameaçam não nos emprestar nem mais um cêntimo – ou fazê-lo a juros proibitivamente altos – se o Estado português não puser as suas contas em ordem, reduzindo drasticamente o défice em 2011.

Durante demasiado tempo o Governo negou a evidência deste desequilíbrio externo. Mas no fim de Setembro, finalmente, o primeiro-ministro assustou-se com o possível fecho da torneira do crédito estrangeiro, que levaria a uma travagem brutal da actividade económica no país. Por isso teve de, à pressa, forjar uma proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2011 suficientemente dura para tranquilizar os mercados. Bem mais dura do que seria se o programa de austeridade tivesse sido apresentado e posto em execução há mais tempo. Até porque, então, teria havido tempo para amadurecer soluções de corte na despesa pública implicando mudanças no modo de funcionamento do Estado. E como não foi realizada uma sensata pedagogia da crise – pelo contrário, garantiam-nos que tudo ia bem – a maioria dos portugueses apanhou uma péssima surpresa e um grande choque.

Assim, se o Orçamento passar, eventualmente com correcções introduzidas pelo PSD, teremos severas medidas de aumento de impostos e cortes na despesa pública, nomeadamente nos apoios sociais. Se o OE não passar no Parlamento, será ainda pior.

 

Reacção de fúria

É natural que a maioria dos portugueses, sobretudo os que já vivem com grandes dificuldades, reaja em fúria contra os políticos que nos conduziram a esta situação. Tal atitude poderá aliviar-nos psicologicamente, ao termos na mira os culpados para acusar, mas nada resolve. Assim como pouco adianta criticar o que aí vier, argumentando com outras formas de concretizar a austeridade.

Decerto que uma visão crítica do que se está a passar e da actuação dos responsáveis é necessária e saudável, até para mudar as políticas futuras. Mas, neste momento, essa não é a prioridade imediata, até por causa dos caprichos do calendário eleitoral. 

 

Ultrapassar o consumismo

Julgo que a reacção da sociedade portuguesa à crise, hoje, assumirá dois tipos possíveis. Porque a crise nos prejudica, poderá cada um de nós fechar-se na sua amargura e no seu egoísmo, procurando maneiras de sobreviver com o mínimo possível de sacrifícios. Ou talvez – queira Deus! – predomine uma outra posição, menos individualista e mais solidária.

Ou seja, a posição de considerar que estamos a atravessar uma emergência nacional – em certos aspectos semelhante à que muita gente viveu em tempo de guerra, na Grã-Bretanha, por exemplo – e que a prioridade da nossa atenção tem agora de se dirigir aos mais vulneráveis.

Trata-se de uma atitude que une, em vez de separar, os portugueses. E une em torno de um esforço comum, partilhado e com um objectivo: aliviar o sofrimento da colectividade e sobretudo dos mais fracos. Simultaneamente, a crise – concretamente, a falta de certos bens e confortos materiais a que estávamos habituados ou a que aspirávamos – é susceptível de ter uma virtude: tirar-nos da superficialidade consumista, concentrando-nos naquilo que é verdadeiramente essencial na vida.

Claro que esta é a atitude cristã. Por isso a crise coloca um enorme desafio aos católicos portugueses. O desafio de mostrar que são capazes de a viver de forma positiva, mobilizando os outros, não para se lamentarem ou insultarem os políticos, mas para redobrar os esforços de solidariedade que já estão em marcha por parte de inúmeras instituições. Não se trata de evidenciar que somos melhores do que quem quer que seja, mas apenas que somos coerentes com o que apregoamos.

Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista

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