Os Ícones da fé são os ícones da civilização

Mensagem Pascal do Bispo de Vila Real Estamos a celebrar a festa da Páscoa, a festa que, por experiência familiar, primeiro, e por exigência doutrinária, depois, sempre senti ser a maior festa do calendário cristão e mesmo do calendário religioso universal. A festa do Natal é uma festa suave e cheia de ternura, mas fica no encanto da semente e da promessa de um Menino. É a festa do começo das coisas. A arte cristã confirma este sentimento, colocando Jesus Menino no regaço de Maria, nos braços de S. José ou de santo António ou de outros santos, mas nunca em lugar cimeiro das igrejas. Esse lugar pertence aos ícones da Páscoa: o Crucifixo , o Sacrário, e o Lava-pés. O crucifixo enche todas as igrejas por dentro e por fora, os adros mais antigos, os caminhos das terras cristãs, os cemitérios, as páginas dos poetas portugueses e até o peito de crianças baptizadas e dos adultos. É o grande ícone da Páscoa cristã, mormente na forma do Crucifixo pascal, de braços floridos nas extremidades e com resplendor no cruzamentos dos barras que formam a cruz. O sacrário ocupa o centro dos altares maiores das nossas igrejas clássicas ou de outro espaço nobre das igrejas novas e das Sés e igrejas de turismo. Frequentemente é envolto num baldaquino de prata ou de talha dourada para lhe emprestar grandeza pascal e solenidade régia. O lava-pés é menos frequente, aparece em algumas telas grandes do retábulo do altar mor ou em telas mais reduzidas do tecto do presbitério e altares dedicados a S. Pedro por ser o Apóstolo que mais sentiu a humildade do gesto de Jesus na Última Ceia. A urgência destes três ícones clássicos da Páscoa torna-se hoje especialmente eloquente quer na dinâmica interna da pastoral da Igreja quer nos dinamismos sociais. Efectivamente, tendemos hoje para uma religião e uma civilização sem sacrifício, sem esforço, sem conversão, uma cultura light, e uma tal concepção da vida cristã mereceu de Jesus Cristo uma rejeição absoluta, desde a reprimenda dada a Pedro chamando-lhe mesmo um satanás , um pagão, que não tem em mente os interesses de Deus mas dos homens. Uma tal mentalidade invadiu o processo catequético da fé quando se deseja a festa sem a conversão anterior, os sacramentos sem catecumenado, e a Eucaristia sem reconciliação sacramental, o matrimónio sem castidade; entrou no processo educativo de muitas famílias e das escolas, procurando filhos exemplares sem madrugadas e diplomas universitários sem estudo pessoal, talvez pela necessidade do mimo a dar aos filhos únicos e pela imposição política de encher de brilho as estatísticas dos ministérios da educação. O resultado está à vista com centenas de cidadãos anarquizados que desrespeitam pais e professores. É preciso voltar ao Crucifixo, ao esforço que esse ícone recorda sempre e que alguns quiseram tirar das escolas. O segundo ícone, o Sacrário, traz consigo o mistério da Eucaristia que é por excelência o sinal e a fonte da vida. A Páscoa é a vida levada ao máximo, à transfiguração do ressuscitado, e é indissociável da Eucaristia . A arte cristã portuguesa colocou no lugar mais alto das igrejas o trono do Senhor na Eucaristia, todo rodeado de flores e luzes, de todas as pratas que houvesse na igreja. Na última Exortação Apostólica Bento XVI lembrou o que o povo cristão sempre intuiu: a vida é algo sagrado que está acima de tudo, acima da vida do militar e do bombeiro, do conforto da mulher, do interesse do médico, das conveniências dos políticos, do jogo dos economistas, do prazer dos mundanos. Perante a vida da pessoa humana, tudo pára. Ao retirar a força do ícone da «tenda do Senhor» deixando folgadas as tendas dos homens, tudo se tornou tendeiro, e multiplicam-se mais os caixões que os berços. O terceiro ícone é o Lava-pés, o símbolo expressamente assumido por Jesus na Ceia para falar do exercício do poder, religioso ou humano. Todo o poder ( político, económico e sexual ), em família e na sociedade, na escola e no trabalho, só faz sentido de joelhos, a servir, a lavar os pés dos outros e do bem comum. O poder faz-se autoridade legítima quando faz «crescer». De outro modo, o poder é um explosivo que destrói quem o exerce em proveito próprio, seja homem ou mulher, jovem ou adulto, seja partido político ou governo, seja um sacerdote ou um militar, seja um intelectual ou um técnico. Em última análise, os três ícones da Páscoa formam um só ícone. Jesus Ressuscitado é o único que pode dizer com verdade: sem Mim nada podeis fazer. Os ícones da fé são também os ícones da civilização verdadeiramente humana. Que todos os entendamos, são os meus votos pascais. Joaquim Gonçalves, Bispo de Vila Real

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