Cónego José Paulo Abreu, professor da Faculdade de Teologia-UCP
Nos primórdios da Igreja, os conselheiros do Papa são escolhidos entre os romanos. De facto, muitos são os documentos que nos falam do Presbyterium (= conjunto de presbíteros e diáconos) de Roma, que aconselha e colabora com o Papa. Mais ainda, nessa altura todo o clero romano se sentia colaborador direto do Papa e, eventualmente, até os Bispos de passagem por Roma.
Mais tarde, pelo VI século, o grupo restringe-se unicamente aos presbíteros “titulorum” (ou cardeais), isto é, aos detentores dos “títulos” das principais igrejas de Roma, e aos sete diáconos das regiões em que S. Fabião (+ 250) tinha dividido Roma.
A partir do IV século, começam a realizar-se Sínodos ou Concílios, sempre em Roma, para tratamento de questões de particular importância. Tratam sobretudo de questões relacionadas com a fé e a disciplina eclesiástica. Participam neles os bispos da província eclesiástica e eventuais hóspedes, os presbíteros “titulados” e os diáconos regionais.
Sobretudo a partir de Nicolau II (1059) e de Alexandre III (1179), as funções exercidas pelo Presbyterium e pelos Sínodos ou Concílios passam para um novo órgão consultivo: o Consistorium, composto unicamente por cardeais.
Nos séculos posteriores (XII e XIII) regista-se uma forte centralização pontifícia. Ora o aumento de assuntos a tratar e a necessidade de um cardinalato inteiramente disponível incitam o papado a não permitir a residência dos cardeais nas suas dioceses após a receção do cardinalato. Sabemos que, entre 1198 e 1276, foram criados 81 cardeais, dos quais apenas três eram “exteriores”, isto é, não residentes na Cúria Romana. E sabemos que a maioria deles pertencia à Península Itálica.
Já no passado se recorrera muitas vezes à formação de especiais comissões cardinalícias, fora do Consistório, a fim de se estudarem peculiares questões com a ajuda de prelados particularmente competentes. Tais comissões, uma vez conseguida a autonomia em relação ao Consistório, constituíram os precedentes das Congregações. E assim surgiram: a Sacra Romana e Universal Inquisição (ano 1542), a Congregação para a execução dos decretos do Concílio de Trento (1564), a Congregação do Índice (1571), a Congregação dos Bispos (1572). À frente de cada Congregação, um cardeal.
Mas as movimentações na Cúria Romana não se ficaram por aí. Ainda no séc. XVI o Papa Sisto V multiplicaria abundantemente o número das Congregações. Cada uma deveria ser composta por cinco ou três Cardeais e cada uma tinha o seu próprio campo de ação, no âmbito da administração da Igreja, ou no âmbito da administração temporal do estado e da Igreja, ou em matérias mistas.
Entretanto, Sisto V não deixou de reunir o Consistório, ao qual submetia as questões mais importantes, quer de caráter eclesiástico, quer de caráter político e administrativo.
Dito doutra forma: com o andar do tempo, os cardeais não servem apenas para aconselhar o Papa ou para elegerem um novo Papa. Mais do que isso, ajudam o Papa em todas as tarefas, da administração à jurisdição, da pastoral ao governo temporal…
O Papa Paulo VI (estamos já no séc. XX) reformula a Cúria Romana através da Constituição Regimini Ecclesiae Universae [= REU] datada de 15 de agosto de 1967. Por detrás desse documento está o labor do Concílio Vaticano II e concretamente o Decreto Christus Dominus. Por entre as novidades introduzidas pela REU contam-se: a inclusão de Bispos diocesanos como membros nas Congregações Romanas; uma maior internacionalização da Cúria romana; uma maior ligação entre os Ordinários diocesanos e a Cúria Romana.
Para elucidarmos este fenómeno da internacionalização da Cúria romana, consideremos, à laia de exemplo, os seguintes dados: na eleição do Papa João XXIII, em 1958, participaram 17 cardeais italianos, num total de 51, o que significa um peso percentual italiano na ordem dos 33,3%; na eleição do Papa Paulo VI (em 1963), participaram 29 cardeais italianos, num total de 80 eleitores, o que significa um peso percentual italiano da ordem dos 36,25%; já na eleição do Papa João Paulo I participaram 111 cardeais, dos quais apenas 26 eram italianos (o peso percentual italiano é agora de apenas 23,42%).
Atualmente, o corpo cardinalício é composto por 192 elementos (contando os eleitores e os não eleitores). Desses, apenas 45 são italianos, ou seja, 23,44%.
Neste momento, regozijamo-nos por, no Colégio Cardinalício, contarmos com três ilustres lusitanos: o cardeal D. José Saraiva Martins, o cardeal D. José Policarpo e o recentemente eleito cardeal D. Manuel Monteiro de Castro.
Cónego José Paulo Abreu, arquidiocese de Braga, professor da Faculdade de Teologia-UCP