Nota Pastoral do Arcebispo de Braga A Igreja estima e deseja as festas, pois fazem parte da existência humana e constituem uma das formas de viver e manifestar publicamente a nossa fé. Destinam-se a promover o culto devido a Deus, a Nossa Senhora e aos Santos e constituem um meio de são convívio, recreio e promoção cultural, na variedade das suas expressões. Graças às festas religiosas o nosso povo, ao longo de muitos anos, aprofundou e alimentou a sua fé e sentiu o desafio à conversão e à santidade. Eram sempre precedidas de tempos fortes de reflexão da Palavra, oração, penitência, celebração de Sacramentos e formulação de propósitos em direcção à conversão constante. A vida dos Santos era um estímulo. As manifestações exteriores procuravam engrandecer a Festa em honra do Santo. O povo ficava feliz. Era cultural, recreativa e espiritualmente enriquecido. Os tempos, porém, mudaram. A formação na fé e o seu desejo quase desapareceram. Os apelos à conversão raramente se fazem ouvir. A festa “religiosa”, em vários lugares, propriamente já não se faz em honra do Santo. O Santo é um mero pretexto. Por vezes, as Comissões servem-se do Santo, do seu Nome, da sua Capela e da sua Imagem para sensibilizarem o povo na busca de donativos, para fazerem a sua própria festa, tantas vezes para satisfazer vaidades ou afirmações de poder pessoais ou de grupo. Nestas circunstâncias, muitas das festas já não são espaço de enriquecimento cultural e espiritual. Se ainda mantêm uma componente cultural e recreativa, esta reveste-se, por vezes, de um carácter demasiado pagão. Não raro, em vez de lugar de encontro alegre e feliz, tornam-se causa de conflitos que ferem e deixam marcas negativas difíceis de sanar. Este contexto de mudança que nos envolve e influencia, reclama uma solicitude pastoral com sentido de discernimento lúcido e sereno, com agilidade mental e criatividade capaz de nos colocar, com dignidade e eficácia, no cumprimento da nossa missão evangelizadora e nos caminhos da história. Se reconhecemos que os tempos e os homens são outros, que a cultura, os problemas e as situações são outras e que a vivência da fé é cada vez mais débil, não podemos esquecer que este é o nosso tempo, o tempo em que nos foi dado viver e no qual temos de saber evangelizar, aceitando os novos desafios. Cada paróquia, nas suas várias instâncias de participação e corresponsabilidade, dever-se-á sentir na necessidade de reflectir, com sentido crítico e em esforço pedagógico, sobre as festas religiosas que promove, o que haverá nelas de menos bom ou abusivo, porque é que isso acontece e como proceder para que se conformem com o verdadeiro sentido cristão, a solidariedade social, a diversão sadia e a promoção cultural da comunidade. Se as festas são religiosas, é evidente que devem ser promovidas por pessoas que tenham a vivência da fé, o sentido de Igreja, a estima do povo e a disposição de cumprirem as normas sobre as festas religiosas. Porque nem sempre assim acontece, muitas festas – mercê de Comissões bem intencionadas, por certo, mas pouco esclarecidas na sua fé e nada firmes nos valores a defender – foram envolvidas por este processo de transformação e afastadas dos seus verdadeiros objectivos. Tais desvios, umas vezes têm gerado tensão entre comissões de festas e estruturas paroquiais; outras vezes são causadores de divisões na comunidade, de guerrilhas permanentes e até de escândalos que a ninguém deixam ficar bem e logo são explorados por quem gosta de tirar partido da fraqueza alheia. Apesar de a maior parte das Comissões organizadoras se constituírem com o conhecimento e a aprovação do Pároco e dos seus órgãos colegiais, nota-se, aqui e ali, uma certa tendência para se subtraírem à autoridade paroquial, nomeadamente do pastor da comunidade. No intuito de ajudar a promover uma dignificação das nossas festas, vimos recordar, com alguma explanação, a Nota Pastoral sobre Festas Religiosas, publicada em 28 de Janeiro de 1988, para a Arquidiocese de Braga (in: Normas Jurídicas e Pastorais – 1978-1994, Braga, 1995, pg. 140 a 143). Assim: 1- As Comissões promotoras devem ser formadas por cristãos convictos, que dêem garantias do cumprimento das normas da Igreja e do desejo de trabalharem de harmonia com o Pároco e seus órgãos colegiais. 2- Quem aprova e nomeia as Comissões de Festas é o Pároco, depois de ouvir as instâncias de corresponsabilidade paroquial, nomeadamente o Conselho Económico e, se existir, o Conselho Pastoral. Não faz sentido, pois, que a Comissão cessante apresente ao Pároco, no dia da festa e sem estes passos prévios, a nova Comissão de Festas para ser lida e nomeada no fim da Eucaristia ou do serviço religioso. Tudo deve ser previamente combinado, em bom espírito de entendimento e comunhão eclesial 3- Mesmo que volte a ser a Comissão do ano anterior a fazer a festa, nenhuma Comissão deve ser nomeada ou renomeada sem que sejam apresentadas ao Conselho Económico, e por este ao povo, as contas da última festa. O saldo, que deve ser entregue ao Conselho Económico, será aplicado a bem do culto e da comunidade cristã, podendo, se o Conselho Económico achar bem, transitar, no todo ou em parte, para a receita da mesma festa, do ano seguinte. As Comissões de festas ou mordomias de nenhum modo podem considerar-se donas dos saldos, cabendo-lhes somente a sua administração, no tempo vigente para a sua mordomia. Oneram gravemente a sua consciência, se fizerem seu o saldo das festas. Embora possam manifestar a sua ideia e gosto, não podem, por sua única iniciativa, gastar esse dinheiro em fazer esta ou aquela obra à revelia do Conselho Económico, nem tampouco podem agir como se a administração da Capela, durante o ano em que são Comissão, lhes pertença. Se as festas são promovidas por obrigação estatutária de Confrarias ou Irmandades, estas deverão também apresentar as contas à Comunidade Paroquial. 4- O Conselho Económico é o único órgão responsável pela gestão, conservação e enriquecimento de todo o património paroquial que não tenha Corpos Sociais próprios, e responde por isso. E, mesmo o Conselho Económico, não pode fazer obras sem projecto, pareceres técnicos e licença da autoridade eclesiástica competente. Não duvidamos da sua boa vontade, mas têm sido grandes os estragos feitos por Comissões de Festas com obras indevidas e impróprias em capelas, igrejas e espaços envolventes. Lembramos ainda que as verbas recolhidas para a realização das Festas devem ser depositadas em conta aberta em Instituição Bancária, em nome de “Fábrica da Igreja Paroquial de ……. Comissão de Festas de ……”, e ser sempre movimentada por dois de três membros da respectiva Comissão de Festas. Não é legítimo depositá-lo em nome pessoal ou de grupo. 5- A programação de qualquer festa religiosa, seja na Igreja paroquial seja numa capela ou santuário, promovida quer por uma Comissão ou Mordomia, quer por uma Confraria ou Irmandade, deve ser feita em comunhão com o Pároco que, como primeiro e principal responsável por qualquer festa religiosa, deve ser sempre o elo de unidade e comunhão. Evite-se o esbanjamento de verbas em programas festivos com número exagerado de conjuntos, bandas, etc. tantas vezes em duplicado e amontoados, sem grande espaço no local e tempo para actuarem. Convidar por bairrismo, espírito de vaidade e de competição e porque se tem dinheiro, não deve ser o critério a utilizar. Satisfazer, com a programação feita, uma só camada etária da comunidade esquecendo a maioria do povo; gastar irresponsavelmente em festas estrondosas as esmolas dos fiéis, quando se sente a falta do mínimo de estruturas para um trabalho pastoral eficiente, ou há carências notórias nas populações; esquecer o espírito cristão e as dificuldades económicas gerais em que se vive, não é bom nem justo. 6- Para todas as festas religiosas – excepto as que se efectuam apenas dentro dos templos – requere-se uma licença prévia da Cúria Diocesana, que será concedida para cada caso, mediante requerimento assinado pelo principal responsável da equipa promotora e pelo Pároco, com a apresentação do respectivo programa. Nenhum cartaz ou prospecto de propaganda devem ser mandados imprimir sem que sejam dados estes passos prévios. 7- A par da promoção e das expressões próprias da cultura local que for possível e desejada, fomente-se, em horários nobres e concorridos e com a criatividade e métodos adequados, a cultura da fé, através da reflexão da Palavra de Deus, da celebração dos Sacramentos, da Oração, de Comunicações ou Palestras para Famílias, para Jovens… Tomem-se aquelas iniciativas eclesiais que se julgue oportuno, de forma a envolver e enriquecer a maior parte da Comunidade e a dignificar a festa. Dê-se particular importância ao Sacramento da Reconciliação, devidamente preparado com Celebrações Penitenciais e nunca com absolvições colectivas. 8- A Eucaristia é o ponto alto da festa religiosa! Deve ter lugar de relevo e ser a hora conveniente para que toda a comunidade possa fazer dela o centro da festa e nela participar, designadamente, pelo canto e comunhão sacramental, sendo de apreciar que os membros das Comissões ou mordomias sejam os primeiros a dar o exemplo desta participação. Como princípio, dê-se preferência, na animação da Missa da Festa, ao Grupo Coral Paroquial para que leve a assembleia a participar com cânticos conhecidos. Se há mais do que um Grupo Coral, será bonito e eclesial que se associem, saibam ultrapassar possíveis divergências pouco ou nada cristãs e, juntos, colaborem para que a Eucaristia seja mais vivida e melhor participada. Evite-se, como norma, a missa a “grande instrumental”, com grupos que às vezes não têm qualquer formação litúrgica nem são capazes de envolver a Assembleia a participar. 9- Se houver Sermão de festa integrado na Eucaristia, quer seja ou não o Pregador quem preside à Eucaristia, faça-o em tom de homilia, não esquecendo a sua responsabilidade em apresentação, conteúdos e forma, pois também depende dele a boa vivência da Eucaristia, da Festa, da interiorização da Palavra, da conversão e da vida cristã dos participantes. 10- As procissões podem ser ocasião privilegiada de catequese. Contudo, para atingir esse objectivo, devem decorrer com dignidade e manter-se imunes de qualquer infiltração de manifestações pagãs, contrárias à doutrina da Igreja. Também elas têm de ser pensadas e preparadas. A improvisação e o desleixo banalizam e destroem. Deve cuidar-se, por isso, de um ambiente capaz, possibilitando o recolhimento e a reflexão. Os quadros bíblicos, os textos lidos e os cânticos apropriados, sobretudo quando o percurso for longo e houver amplificação sonora, podem ser muito úteis para atingir esse objectivo. O povo deve ser sensibilizado e convidado para se integrar na caminhada, ajudando-o, com informação e catequese, a descobrir o sentido da procissão e a importância do testemunho. É necessário que, sem desistir mas com prudência, se vá esclarecendo, onde ainda não se conseguiu acabar com esse costume, que não é de bom gosto nem de sentido evangélico afixar dinheiro nas imagens ou nos seus mantos, ou figurar pessoas com trajes e idades inconvenientes ou sem capacidade de comportamento a condizer com a missão que vão a desempenhar na procissão. Para que não surjam problemas à última hora, convém que quando se convidem as pessoas para pegar ao Pálio, ou para ter outras missões destacadas na procissão, se informem sobre como se devem apresentar. 11- Mesmo que haja licença da autoridade civil, tenha-se em conta o trânsito nas estradas, sobretudo nas que têm grande movimento e sem vias alternativas, de forma a não dar lugar a justas reclamações e à revolta contra a religião por pessoas que viajam, têm os seus planos, as suas urgências e direitos que não lhes devemos prejudicar. 12- É legítimo fazer promessas como expressão de acção de graças, de despreendimento e de oferta de nós mesmos a Deus através dos seus Santos. Mas o dinheiro de promessas é sagrado. Salva a legítima intenção manifestada pelos oferentes, essas importâncias destinam-se à promoção do culto e à conservação do lugar sagrado, à evangelização, catequese e caridade, de acordo com o Pároco e seus Conselhos de participação. Reprova-se, por isso, que muitas Comissões de festas, se apoderem dele e o utilizem como entendem, coisa que nem a autoridade eclesiástica pode fazer. A venda de ouro ofertado em cumprimento de promessas ou ex-votos que se possam conservar, está também proibida e só pode ser autorizada pela Santa Sé, através da Cúria Diocesana. Não se façam promessas cujo cumprimento vai depender da vontade de outros ou os vai sacrificar, como, por exemplo, prometer ir de joelhos debaixo ou atrás do andor, pendurar dinheiro nas imagens, etc. Quando se hajam feito, sejam comutadas, junto de algum Sacerdote, pois tem poderes para isso. A melhor promessa que se pode fazer é a da conversão interior. 13- Os Santuários merecem-nos um carinho particular. São locais com significado especial. Aí se deve privilegiar a prioridade da Evangelização e a dignidade da celebração dos Sacramentos. Os locais de Peregrinações e de Romarias, que na sua pureza já são tão poucos, devem ser preservados do ambiente tão comum às festas religiosas ordinárias. Estas existem por todos os lados e têm poucas diferenças. O povo, se aprecia as festas e o barulho da diversão, também busca os locais de silêncio, de paz, de recolhimento, de oração, de beleza contemplativa onde a natureza se associa como expressão da bondade de Deus. Ora, se os responsáveis não estão atentos a esta riqueza que, infelizmente, nesta ou naquela Peregrinação ou Romaria já se começa a perder; se entendem que enriquecer o Santuário é transpor para aí uma festa como as outras festas, então, será antes empobrecer e banalizar. A preocupação deve ser a de preservar o ambiente e o espaço, procurando que as Peregrinações e Romarias correspondam ao dinamismo da fé e se tornem interpelativas para quantos procuram devotamente esses lugares. Também não podem ser um mero cumprimento formal dos Estatutos. Devem ter uma dinâmica própria e uma ideia central – em sintonia com o Programa Pastoral – que possa estar até no acolhimento através duma amplificação sonora condigna e dum Sacerdote preparado para o efeito. Os Peregrinos não deveriam sair do Santuário sem uma ideia a viver. 14- Os Párocos, bem como os Reitores e Capelães dos santuários, devem explicar aos fiéis e de modo especial aos mordomos ou membros das Comissões de festas estas orientações. Com o esforço conjugado de todos, ir-se-á obtendo a desejada dignificação das festas religiosas, alcançando-se os altos objectivos acima indicados. Apela-se para a compreensão e colaboração das comunidades paroquiais, para que, de forma pedagógica, em diálogo sincero e com prudência, se vá dando cumprimento às orientações aqui apontadas, as quais redundarão em glória de Deus, da Virgem e dos Santos, em bem espiritual dos cristãos e em saudável recreio e aproveitamento cultural do Povo de Deus. Braga, 4 de Janeiro de 2004, Festa da Epifania do Senhor. D. Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga