Conselho Pontifício da Pastoral para os Migrantes e os Itinerantes Introdução 1. A missão confiada por Cristo à sua Igreja estende-se «a todos os homens e povos, para conduzi-los com o exemplo da vida, com a pregação, os sacramentos e os outros meios da graça, à fé, à liberdade e à paz de Cristo, oferecendo-lhes a possibilidade livre e segura de participar plenamente no mistério de Cristo» (AG 5). Esta universalidade da missão impele a Igreja a abranger também os povos geograficamente mais distantes e a preocupar-se com aqueles que, habitando em terras de antiga tradição cristã, ainda não receberam o Evangelho ou o receberam apenas parcialmente, ou não entraram ainda plenamente na comunhão eclesial. 2. Entre estes, inclui-se certamente uma grande parte da população cigana, desde há séculos presente em terras tradicionalmente cristãs, mas frequentemente marginalizada. Marcada pelo sofrimento, pela discriminação e frequentemente também pela perseguição, ela não foi, todavia, abandonada por Deus, “que quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade» (1 Tm 2, 4). De facto, a Providência divina soube suscitar, especialmente no decurso das últimas décadas, uma atenção crescente para com esta população, tocando o coração e a mente de muitos Agentes pastorais que generosamente se consagraram à sua evangelização, sofrendo também, eles próprios, uma certa incompreensão. Esta atenção estendeu-se pouco a pouco às várias regiões habitadas pelos Ciganos, com um gradual envolvimento dos Pastores das Igrejas particulares, organizando-se, sucessivamente, a nível nacional e também diocesano. Além disso, foram realizados numerosos Convénios internacionais com o fim de estudar e promover a pastoral a favor dos Ciganos, enquanto também no âmbito civil se desenvolveu uma maior atenção em relação a eles. Surgiu assim uma realidade pastoral inserida, sem dúvida, no esforço missionário da Igreja. Esta, estimulada pelo Espírito de Deus, pretende imprimir um impulso decisivo a esta realidade, empenhando-se em sustentá-la e encorajá-la, dedicando-lhe os recursos materiais, humanos e espirituais que são necessários. 3. A partir do esforço pastoral que tem sido desenvolvido e da troca de experiências e de ideias, foi delineado um conjunto de atitudes, objectivos a alcançar, dificuldades a superar e recursos a obter, de que resultou um “instrumentum laboris” realizado pelo Conselho Pontifício da Pastoral para os Migrantes e Itinerantes. Esse documento foi notavelmente enriquecido e transformado pelos contributos e pareceres solicitados aos vários Agentes pastorais, incluindo Ciganos, que se empenham na evangelização desta população. Seguidamente, após uma longa sondagem, procedeu-se à redacção definitiva, tendo também presentes as estruturas eclesiais não directamente envolvidas, de modo a situar adequadamente a pastoral a favor dos Ciganos no enquadramento mais amplo da missão universal da Igreja. 4. Com a publicação deste documento pretende-se reafirmar, sem hesitações, o empenho da Igreja a favor desta população. Além disso, propõe-se que sejam traçados novos caminhos no seio das sociedades nacionais e das Igrejas particulares, de modo a abrir as comunidades a estes irmãos. São, também, estabelecidos alguns critérios pastorais gerais para a acção e as metas a alcançar. O presente documento marca, portanto, um momento importante na história de evangelização e promoção humana a favor dos Ciganos, após o seu encontro com Paulo VI em Pomezia [6]. Deste modo, o documento destina-se não apenas aos Pastores e aos Agentes de uma pastoral específica, mas também a toda a comunidade eclesial – que não pode ficar indiferente nesta matéria – e aos próprios Ciganos. Dado que o caminho de plena comunhão entre Ciganos e não Ciganos apenas começou, ou até, em numerosos países, ainda falta percorrer, pede-se a todos uma grande conversão da mente, do coração e das atitudes: este é o primeiro motor de uma tal comunhão, consciente de que na raiz de cada situação de rejeição e de injustiça se encontra a dolorosa realidade do pecado. 5. Tendo em consideração que a população cigana está profundamente marcada pela diversidade, cabe às Igrejas locais adequar os critérios, as indicações e as sugestões aqui contidas à situação geográfica e temporal concreta. Além disso, no plano cognitivo, é necessária uma grande prudência para não uniformizar facilmente uma realidade em si própria variada. Por esta razão, neste documento também quando nos referimos ao povo cigano, se entendem as populações ciganas, constituídas por diversos clãs. Consequentemente, seria conveniente usar habitualmente o plural quando se fala da língua, da tradição, e dos outros elementos que configuram a identidade cigana; porém, isto nem sempre é possível e poderia até ser redutor, dado que, de facto, existem vários elementos comuns que confluem num modo de ser específico (Weltanschauung) e configuram fundamentalmente esta identidade. Deste modo, para indicar estas populações na sua globalidade e complexidade, usa-se aqui o termo “Ciganos”, que no entanto deve permitir uma referência ao conjunto dos nossos irmãos nómadas ou sedentários, com respeito pela sua pessoa e pela sua cultura. Importa, porém, não esquecer que a realidade concreta subjacente não é, portanto, um todo homogéneo, genérico, mas indica vários grupos ou clãs, nomeadamente os Rom, Sinti, Manouches, Kalé, Gitanos, Yéniches, etc. Muitos deles preferem mesmo ser reconhecidos e identificados segundo o próprio clã. Pelo contrário, com o termo gajé (gajó no singular) os Ciganos designam todos aqueles que não o são, e neste sentido se usa aqui a palavra, sem discriminar a classe. 6. Por fim, deve-se ter em conta que em vários Países vivem numerosos Nómadas, cujas origens remontam a grupos de pastores ou pescadores, ou caçadores nómadas e outros (“Travellers”, por exemplo), para quem o seu modo de vida e as características antropológicas são diferentes das pertencentes às populações ciganas propriamente ditas. Todavia, as Igrejas locais dos Países onde existem Nómadas poderão encontrar igualmente inspiração pastoral nestas Orientações, que certamente devem ser adaptadas às circunstâncias, necessidades e exigências de cada grupo. Capítulo I Populações não bem conhecidas e frequentemente marginalizadas Um longo caminho 7. Os Ciganos constituem uma “população em movimento”, cuja visão do mundo tem as suas próprias origens na civilização nómada, sendo que numa situação sedentária não é fácil compreendê-la em profundidade. O mundo cigano movimenta-se ainda, em grande parte, na tradição oral; a sua cultura não é escrita e não existe memória da sua errância. Eles não pertencem à categoria clássica dos migrantes, na qual geralmente se corre o risco de os classificar. Os testemunhos da sua origem e das suas movimentações são de facto externos e marginais e só recentemente a realidade cigana se tornou objecto de estudo. A sua resistência ancestral aos recenseamentos – frequentemente prelúdio de uma deportação – e o facto mais sistemático de que os Ciganos sedentários são geralmente excluídos dos recenseamentos, enquanto Ciganos, torna mais difícil enumerá-los e conhecer a sua distribuição geográfica. 8. Não obstante, pode-se dizer que a população cigana está em contínuo aumento graças a famílias numerosas, revelando, contudo, uma certa tendência actual para a diminuição do número dos seus membros. Além disso, em geral as comunidades caracterizam-se pela sua fixação em bairros degradados, em terrenos abandonados, em bairros de lata, em áreas de estacionamento pouco organizadas, ou em bairros periféricos das cidades e das povoações dos gajé. Pelo contrário, as famílias que dispõem de maiores recursos estabelecem-se em terrenos adquiridos, onde acampam com as suas caravanas. Existem também os sedentarizados, com maiores instruções e habilitações literárias, que podem estar bem integrados na sociedade. Por outro lado, assistimos actualmente a uma nova migração, a dos Ciganos provenientes dos Países mais pobres da Europa Central e dos Bálcãs que chegam aos países mais industrializados. Em geral, desencadeiam reacções de rejeição por parte dos habitantes, criam embaraço aos responsáveis pela administração pública e recebem um acolhimento tímido, quando não de rejeição, por parte dos seus irmãos ocidentais. De qualquer modo, hoje em dia existe uma maior capacidade de acolhimento em comparação com o passado e uma maior sensibilidade social por parte das autoridades públicas. A rejeição: oposição de culturas 9. A predisposição para a itinerância abarca o conjunto destas populações e subsiste como mentalidade também entre aqueles que há muito se sedentarizaram e que são, de facto, a maioria. Porém, este modo de vida, legítimo por natureza, tem suscitado oposição por parte da sociedade de acolhimento, a qual se traduz em muitos Países por uma incompreensão tenaz, alimentada também pela falta de conhecimento das características e da história ciganas. Embora usufruindo da cidadania do País no qual se estabeleceram, os Ciganos são, na realidade, frequentemente considerados e tratados como cidadãos de segunda classe. Os estereótipos com os quais são classificados são tomados como verdades evidentes e esta persistente ignorância ou desconhecimento alimenta uma rejeição latente e perigosa que impede e adultera o necessário diálogo das etnias nacionais. 10. Por serem vistos por muitos como estrangeiros nocivos e mendigos insistentes, a opinião pública em geral frequentemente apoiou a proibição do nomadismo e a sua segregação. No decurso da história, tal também deu origem a perseguições que foram justificadas quase como medidas sanitárias. A história destas populações ficou, assim, tristemente marcada por punições corporais, detenções, deportações, sedentarização forçada, escravidão, ou por outras medidas utilizadas para conseguir finalmente o seu aniquilamento. 11. Por outro lado, a perseguição dos Ciganos coincide, em grande parte, com a formação dos grandes Estados nacionais. Além disso, o século XX ficou marcado pela perseguição racial que os afectou juntamente com os Judeus e foi perpetrada pelo nazismo, mas não só. A sua deportação para campos de concentração, bem como a eliminação física de milhares e milhares de pessoas, suscitaram, em geral, apenas protestos isolados. Numa época mais recente, também a instabilidade política de vários Países contribuiu para prejudicar os Ciganos. Prova disso foi a guerra dos Bálcãs, a qual mostrou, em circunstâncias dramáticas, que esta população continua a ser rejeitada por grande parte dos cidadãos. De facto, em várias nações registraram-se também agressões físicas contra esta população, que alimentam ainda, num trágico círculo vicioso, incompreensão e violência. Uma mentalidade particular 12. A identidade cigana não se revela facilmente, sem dúvida porque é dinâmica, e até variável, e porque é vista à luz de relações atribuladas entre Ciganos e gajé. Nem sequer é possível apontar um território ancestral onde teria as suas próprias raízes. É também difícil identificar uma unidade étnica abrangente e relativamente uniforme a partir da qual se possa chegar à origem desta população. No entanto, pode-se falar correctamente de um conjunto de elementos que, tomados na sua globalidade, configuram um certo modo característico de ser, talvez não regulamentado nem possuindo contornos definidos, antes compreendido como uma mentalidade e uma atitude existencial. Pode-se assim verificar que esta população é essencialmente caracterizada por uma propensão para a viagem e para a vida errante que o gajó, mesmo quando migrante, não possui. Estes podem desenraizar-se momentaneamente, para basear a sua existência noutro lugar que julgam ser melhor. Em geral, o gajó não tende a repetir esta experiência de desenraizamento e migração. Por sua vez, o Cigano está por natureza disponível para a viagem, o movimento. 13. Isto continua a ser verdadeiro mesmo se grande parte dos Ciganos, como já se mencionou, são hoje sedentários ou semi-sedentários. Estas novas formas de vida não afectam nos Ciganos a percepção da sua diversidade face aos gajé. O temor de serem absorvidos, de perderem a sua identidade, reafirma neles a resistência à assimilação, mas também, de certo modo, à sua própria integração. A longa história do isolamento e do contraste com a cultura circundante, as perseguições sofridas e a incompreensão por parte dos gajé influenciaram a identidade cigana, que se traduz por uma atitude de desconfiança relativamente aos outros, com tendência a fecharem-se sobre si próprios, na consciência de poderem contar somente com as próprias forças para sobreviver no seio de uma sociedade hostil. 14. No centro da vida da população cigana está, de qualquer modo, a família. Ser Cigano significa estar radicado de forma vital na família, onde a consciência e a memória colectiva modelam cada pessoa e educam o jovem, até no meio do mundo dos gajé que o envolve e ao mesmo tempo o mantém à distância. Os anciãos da família são, pois, muito respeitados e venerados, dado que possuem a sabedoria da vida. Os defuntos permanecem por muito tempo na memória e, de certo modo, a sua presença conserva-se sempre viva. Além disso, no seio do povo cigano é honrada a “família alargada” constituída por uma rede de múltiplas famílias aparentadas, o que dá origem a uma atitude de grande solidariedade e de hospitalidade, particularmente em relação aos membros do próprio clã. A vontade de ser e permanecer livres, de dispor do espaço e do tempo para a sua própria realização na família e na própria etnia, está assim profundamente enraizada na mentalidade cigana. O desejo e o apreço pela liberdade como condição fundamental de existência podem de facto ser considerados como fundamentais na sua Weltanschauung. 15. Além disso, a religiosidade desempenha um papel muito relevante na identidade desta população. De facto, o relacionamento com Deus é dado como adquirido e traduz-se numa relação afectiva e imediata com o Omnipotente, que cuida da vida familiar e a protege, especialmente nas situações dolorosas e inquietantes da existência. Esta religiosidade insere-se habitualmente na religião ou na confissão maioritária do País onde os Ciganos se encontram, seja ela luterana, reformada, católica, ortodoxa, muçulmana ou outra, frequentemente sem muitas interrogações quanto às suas diferenças. Uma grande mudança 16. No decurso do século XX acentuou-se a tendência para a sedentarização e, em várias regiões, tal tem facilitado a escolarização das crianças e o consequente aumento da população cigana alfabetizada. O maior contacto com o mundo dos gajé, daí resultante, contribuiu, além disso, para uma progressiva adopção dos novos meios técnicos da sociedade contemporânea, como por exemplo o transporte motorizado, a TV, a comunicação telemática, a informática, etc. Consequentemente, a passagem do carro tradicional para a roulotte puxada por um automóvel tem, paradoxalmente, aumentado o fenómeno da semi-sedentarização. O automóvel permite percorrer livremente longas distâncias no decurso de um dia apenas, sem que a mulher e os filhos tenham necessariamente de acompanhar o chefe de família ou os homens que exercem a sua actividade profissional. Uma estadia prolongada permite, além disso, que os filhos frequentem a escola com regularidade, nas famílias cujos pais compreenderam o desenvolvimento do mundo e experimentaram a inferioridade de serem analfabetos. Além disso, em alguns Países assiste-se agora à incorporação bastante generalizada dos Ciganos no trabalho até agora exclusivo dos gajé, especialmente no campo artístico. Tornaram-se também mais frequentes os matrimónios entre Ciganos e gajé e também no âmbito da promoção da mulher se registra uma significativa mudança, embora exista ainda muito a fazer no caminho de uma igual dignidade em relação ao homem. 17. Apesar das tensões que muitas vezes existem entre os diferentes grupos e da falta de hábitos de mobilização e congregação das próprias forças com o fim de alcançar um objectivo, com perseverança e precisão, em alguns Países os Ciganos criaram Associações que têm em vista negociações colectivas para seu benefício. Com alguma frequência, gajé amigos colocam igualmente à sua disposição as suas competências para que eles façam ouvir a própria voz e assumam o futuro nas suas mãos. Estas Associações reagem com cada vez maior eficácia às legislações que limitam a liberdade de movimento ou que ignoram a sua identidade, restringindo direitos legítimos. Naturalmente, o associativismo não tem a mesma força em toda a parte, mas é um movimento que existe, está em crescimento e carece de apoio. 18. Todavia, esta evolução está ainda numa fase inicial e varia muito de País para País, ou seja, a situação geral da população cigana, marcada por um isolamento multissecular, está ainda muito atrasada em relação às grandes mudanças que caracterizaram a sociedade dos gajé durante o último século. Tal tem pesadas consequências também no campo economico-laboral. De facto, o anterior contexto de uma sociedade predominantemente rural tinha permitido uma espécie de simbiose dos Ciganos com a sociedade dos gajé, graças às suas profissões ligadas à criação de cavalos, à laboração dos metais, ao pequeno artesanato, à música e ao espectáculo ambulante. Hoje, pelo contrário, a transformação técnico-industrial da sociedade de acolhimento deixa pouco espaço económico, e eles são obrigados a abandonar as profissões tradicionais, agora obsoletas, e a procurar meios de subsistência em actividades de escasso lucro, frequentemente no limite da legalidade ou fora do seu âmbito. 19. Além disso, não se deve subvalorizar a influência da secularização, que depois da sociedade dos gajé, atinge progressivamente também a cigana. A religiosidade tradicional encontra-se assim submetida à pressão dominadora de uma cultura que volta as costas a Deus ou O nega e, quando não encontra acolhimento numa comunidade cristã, a população cigana facilmente cai nas malhas das seitas ou dos chamados “novos movimentos religiosos”. Tal constitui um apelo adicional e urgente para abrir os braços a uma população, apesar de tudo, sempre desejosa do encontro com Deus. Por outro lado, a actual idolatria do bem-estar, prevalecente entre os gajé, não constitui, certamente, um estímulo a abandonar as próprias comodidades e a ir ao encontro destes nossos irmãos necessitados de sair da pobreza e do isolamento e de encontrar o seu lugar na sociedade contemporânea. Uma realidade que interpela 20. Tudo isto torna particularmente dolorosa a indiferença ou a oposição face a estas populações nómadas. Só gradualmente, e muito lentamente, algumas comunidades se abriram ao acolhimento; porém, o seu número é ainda demasiado reduzido para que os Ciganos possam descobrir o rosto materno e fraterno da Igreja. Assim, os sinais de rejeição persistem e perpetuam-se, suscitando, em geral, poucas reacções e protestos por parte daqueles que os testemunham. No entanto, esta situação deveria despertar a consciência dos católicos, suscitando sentimentos de solidariedade para com esta população. A Igreja sente-se, por isso, chamada a reconhecer o itinerário cigano no decurso da história e é interpelada pela sua cultura. Ela deve reconhecer o seu direito a “querer viver em conjunto”, provocando e sustentando uma sensibilização com vista a uma maior justiça face a eles, no respeito recíproco das culturas, orientando os próprios passos segundo o exemplo de Cristo, em resposta às expectativas desta população na sua busca do Senhor. Capítulo II Solicitude da Igreja 21. Não se pode esquecer, todavia, que a partir da segunda metade do século passado houve por parte dos Pastores uma aproximação progressiva aos Ciganos, tendo início em alguns Países uma pastoral específica em favor desta população. Além disso, o Concílio Vaticano II exortou os Bispos para que tivessem «um interesse particular por aqueles fiéis que, devido às suas condições de vida, não podem usufruir de forma suficiente do cuidado pastoral comum e ordinário dos Párocos, ou que dele são totalmente privados», e entre estes fiéis incluem-se também «os nómadas» (CD 18). Um tal interesse particular foi confirmado por Paulo VI quando, no célebre encontro de Pomezia, já referido, se dirigiu aos Ciganos nestes termos: «vós estais no coração da Igreja»! A dignidade cristã, na condição dos Ciganos, recebeu um reconhecimento posterior com a beatificação de Ceferino Giménez Malla (1861-1936), chamado “o Pelé”, um cigano espanhol pertencente ao grupo nómada dos Calós. A estrada da evangelização, de uma autêntica reconciliação e de comunhão Ciganos-gajé não pode, contudo, deixar de partir da reflexão bíblica, à luz da qual também o seu mundo encontra uma razão cristã. Neste âmbito, é necessária uma leitura atenta da Sagrada Escritura, para que nos conduza a uma correcta inserção da pastoral dos Ciganos no contexto da missão da Igreja. Aliança de Deus e itinerância dos homens 22. A figura do pastor e da sua vida predominantemente itinerante tem um lugar privilegiado na revelação bíblica. Na origem do povo de Israel salienta-se a figura de Abraão, que recebe como primeira indicação de Deus a seguinte: «sai da tua terra, do meio dos teus parentes e da casa de teu pai, e vai para a terra que Eu te mostrar» (Gn 12,1). Abraão «partiu sem saber para onde ia» (Hb 11,8), e daquele momento em diante, a sua vida foi marcada por contínuas deslocações, «de acampamento em acampamento» (Gn 13,3), «morando em tendas» (Hb 11,9) como estrangeiro (cf. Gn 17,8), sabendo que também os seus descendentes imediatos seriam «estrangeiros numa terra que não é deles» (Gn 15,13). Nas confirmações do pacto da aliança de Deus com Abraão, a imagem do itinerante aparece como sinal privilegiado da contraparte humana: «anda na minha presença e sê perfeito» (Gn 17,1). 23. O povo eleito é posteriormente confiado à orientação de Moisés, que «na idade adulta, recusou ser chamado filho da filha do faraó, preferindo ser maltratado com o povo de Deus a gozar por pouco tempo do pecado» (Hb 11,24-25). Moisés recebeu do Senhor o dever de libertar os israelitas da escravidão do Egipto para os levar à Terra prometida e isto realizou-se através de uma longa caminhada durante a qual eles «erravam pelo deserto solitário, sem achar o caminho para uma cidade habitada» (Sl 107,4). É precisamente neste contexto itinerante que se deu a confirmação da aliança de Deus com o seu povo, no monte Sinai. Ela ficou representada pela arca contendo os símbolos da aliança, arca que se desloca com o povo e o acompanha no caminho rumo à Terra prometida. Nestas condições, mesmo quando são acometidos pela fome e pela sede, pela inimizade e pelo não acolhimento por parte dos povos circundantes, os hebreus encontram a protecção e a predilecção de Deus, o que será posteriormente recordado e cantado nos salmos, do seguinte modo: «ó Deus, quando saías à frente do teu povo, caminhando pelo deserto, a terra tremeu e o céu dissolveu-se diante de Deus do Sinai, diante de Deus, o Deus de Israel» (Sl 68,8-9). A nostalgia destes tempos que forjaram a alma de Israel é conservada sempre viva nos tempos posteriores, e evocada pelas peregrinações que os Hebreus deviam fazer à Cidade onde, no Templo, se guardava a arca da aliança. 24. A itinerância é, por outro lado, uma característica da atitude de cada homem no seu relacionamento com Deus. Para os salmos «o homem de conduta íntegra» é aquele «que caminha na lei do Senhor», que «anda nos seus caminhos» (Sl 119,1-3, «na terra da (…) peregrinação» (Sl 119,54). «O que vive sem culpa» (S1 15,2) experimenta até que ponto Deus o «alenta» e o «guia por caminhos justos» (Sl 23,3). Neste sentido, Paulo nos recordará que «enquanto habitamos neste corpo, estamos longe do Senhor» (2 Cor 5,6). Também o mistério de Cristo é apresentado pela Sagrada Escritura como um êxodo, o do Filho do Pai, ao mundo, e do seu regresso ao Pai. A vida terrena de Jesus é marcada, já desde o seu início, pela itinerância, na fuga da perseguição de Herodes rumo ao Egipto e no regresso a Nazaré. Além disso, o Evangelho de Lucas testemunha as suas peregrinações anuais ao Templo de Jerusalém (cf. Lc 2,41), e todo o seu ministério público é caracterizado pelas deslocações de uma região para outra, até ao ponto de que «o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça» (Mt 8,20). O próprio mistério pascal é, precisamente, introduzido pelo Evangelho de João, como a sua hora “de passar deste mundo para o Pai» (Jo 13,1). Jesus sabia que saíra de junto de Deus e que voltava para Deus (cf. Jo 13,3). Também o homem é interpelado por este êxodo do Filho enviado pelo Pai por obra do Espírito Santo a pôr-se a caminho num “êxodo pascal” rumo ao Pai. 25. Deste modo, o êxodo não está ainda concluído visto que «a história da Igreja é o diário vivo de uma peregrinação nunca terminada» (IM 7). Na continuação da tradição veterotestamentária e da vida de Cristo, que «consumou a sua obra de redenção através da pobreza e das perseguições», também a Igreja, Povo de Deus a caminho rumo ao Pai, «é chamada a tomar o mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos da salvação» (LG 8). Como «novo Israel da era presente que caminha em busca da cidade futura e perene (cf. Hb 13,14)» (LG 9), ela «prossegue a sua peregrinação entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus»[7] e «no seu caminho através das tentações e das tribulações é apoiada pela força da graça de Deus» (LG 9). Definitivamente, a Igreja revela uma mobilidade testemunhada pela sua índole escatológica, que nela alimenta as tensões polares rumo ao eschaton da sua realização. Também a condição do cristão individual é, por consequência, como uma grande peregrinação rumo ao Reino de Deus: «do nascimento até à morte, a condição de cada um é a que é própria do homo viator» (IM 7). Vida itinerante e perspectiva cristã 26. Daqui resulta que a condição de itinerante, quer na sua realização objectiva, quer como visão de vida, se torna uma vocação permanente através da qual «não temos aqui uma cidade permanente, mas buscamos a cidade futura» (Hb 13,14). Ela configura-se como um sinal eclesial solidamente ancorado na revelação bíblica, encontrando na estrutura viva da Igreja as suas várias formas existenciais. Entre todas estas inclui-se, certamente, aquela que é encarnada na vida dos Ciganos, tanto nas suas diversas realizações históricas como nas circunstâncias actuais. 27. Entre os valores que, de certo modo, definem o seu estilo de vida, sobressaem, de facto, alguns semelhantes aos traços bíblicos. Marcada, pois, pela perseguição, pelo exílio, pelo não acolhimento, ou até pela rejeição, pelo sofrimento e pela discriminação, a história cigana forjou-se como uma permanente caminhada, que distingue o cigano dos outros e o conserva na sua tradição nómada, de tal modo que ele não se deixa arrastar, em geral, pela influência do ambiente circundante. Configurou-se assim uma identidade, com a sua cultura, as próprias línguas, a sua religiosidade e os próprios hábitos, e com um sentido forte de pertença e de vínculo com os outros. Graças aos Ciganos e às suas tradições, a humanidade enriquece-se, pois, com um verdadeiro património cultural, transmitido sobretudo através da vida nómada. De facto, «a sua sabedoria não está escrita em nenhum livro, mas nem por isso é menos eloquente»[8]. 28. Frequentemente abandonados pelos homens mas não por Deus, os Ciganos colocaram a sua confiança na Providência, com uma convicção assim profunda de poder-se qualificar parte da sua “natureza”. A vida cigana é, no fundo, um testemunho vivo de uma liberdade interior face às dependências do consumismo e das falsas seguranças baseadas na suposta auto-suficiência do homem. Além disso, não se deve esquecer o dito popular: “Ajuda-te que Deus te ajudará”. A sua itinerância é, assim, um chamamento simbólico e permanente ao caminho da vida rumo à eternidade. De um modo muito especial eles vivem aquilo que toda a Igreja deveria viver, ou seja, estar continuamente a caminho rumo a uma outra Pátria, a verdadeira, a única, devendo, pois, cada um empenhar-se no seu trabalho quotidiano e no seu dever. Catolicidade da Igreja e pastoral para os Ciganos 29. Tudo isto deveria ter como consequência uma solicitude específica da Igreja para com esta população. Como grupo particular do Povo peregrinante de Deus, ela merece, com efeito, uma atitude pastoral especial e um apreço pelos seus valores. Mais ainda, uma tal pastoral é referida e solicitada como exigência interna da catolicidade da Igreja e da sua missão. De facto, com Cristo, do qual ela procede, desaparece todo o tipo de discriminação. Ele «é a nossa paz. Dos dois povos, Ele fez um só, tendo derrubado o muro de separação: a inimizade (…) para, dos dois, criar em si mesmo, um só homem novo, estabelecendo a paz, e para reconciliar a ambos com Deus num só corpo, por meio da cruz, destruindo em si mesmo a inimizade» (cf. Ef 2,14 16). 30. Portanto, na Igreja, instrumento da missão do Senhor, que nela continua presente, «todos os homens são chamados a formar o Povo de Deus» (LG 13). É vocação da Igreja estar presente em todas as nações da Terra, uma vez que é do meio de todos os povos que o Senhor toma os cidadãos do seu Reino que, pela sua natureza, não é da terra mas do céu (cf. LG 13). Nela, cada pessoa deve encontrar acolhimento, sem espaço para a marginalização, para ser estrangeiro. Com efeito, a Igreja dirige-se de modo particular «aos pobres e sofredores, dedicando-se a eles de boa vontade (cf. 2 Cor 12, 15). De facto, ela compartilha as suas alegrias e as suas dores, conhece as aspirações e os problemas da vida, sofre com eles na angústia da morte» (AG 12). 31. Além disso, a catolicidade da Igreja, embora contenha a vocação para abranger todo o homem, de qualquer condição, não é apenas extensiva, mas, mais interior e decisivamente, é qualitativa, isto é, tem capacidade para penetrar nas diversas culturas e para fazer suas as angústias e esperanças de todos os povos, de modo a evangelizar, enriquecendo-se, ao mesmo tempo, com as diversas riquezas culturais da humanidade. O Evangelho, um e único, é, portanto, anunciado de modo adequado tendo também em conta as diversas culturas e tradições, prosseguindo assim no «movimento pelo qual o próprio Cristo, através da sua encarnação, se ligou ao ambiente sócio-cultural concreto dos homens com os quais conviveu» (AG 10). 32. Um tal enraizamento católico faz com que qualquer eventual forma de discriminação, no desenvolvimento da sua missão, resulte numa traição da própria identidade eclesial. Nas pegadas do seu Fundador – o Enviado de Deus «para anunciar a Boa Nova aos pobres, para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor» (Lc 4, 18-19) –, a Igreja procura, assim, meios cada vez mais adequados para anunciar o Evangelho aos Ciganos, de modo vivo e eficaz. Trata-se assim de uma nova evangelização, à qual nos convidava com frequência o Papa João Paulo II. 33. Da dimensão católica da missão nasce, de facto, aquela capacidade eclesial de encontrar e desenvolver os recursos necessários para ir ao encontro das múltiplas formas sociais nas quais as comunidades humanas organizam a sua existência. Deste modo, a salvação está à disposição de todos. Tendo em conta a advertência paulina «ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho!» (1 Cor 9, 16), a Igreja não poupa, portanto, esforços e sacrifícios para alcançar, de facto, todos os homens. É uma história marcada, também, pela iniciativa e pela criatividade, para tornar mais incisivo o anúncio, desafiando frequentemente mentalidades e estruturas que o tempo tornou obsoletas. As circunstâncias actuais em que os Ciganos se encontram, submetidos às mudanças vertiginosas da sociedade contemporânea, ao materialismo selvagem e a falsas propostas que, no entanto, se justificam com o Transcendente, imprimem um impulso urgente à acção pastoral, de modo a evitar quer o seu encerramento passivo em si mesmos, quer a fuga para as seitas ou a dispersão do próprio património religioso, engolido por um materialismo que sufoca todo o chamamento ao Divino. Capítulo III Evangelização e inculturação 34. Tendo em vista a desejada nova evangelização e a reconciliação e comunhão entre Ciganos e gajé, deve-se valorizar adequadamente a “diversidade cigana”, reconhecendo de pleno direito a sua existência, sem todavia cortar as pontes de encontro com a cultura dos gajé. O equilíbrio salutar e justo desta valorização é, de facto, indispensável para uma correcta equação do relacionamento entre evangelização, inculturação e promoção humana. A Evangelização dirigida à inculturação 35. Uma vez que a salvação atinge o homem por inteiro, a evangelização não pode, certamente, descurar aqueles aspectos culturais, linguísticos, tradicionais, artísticos e ainda outros, que modelam o ser humano e os povos na sua integridade. Ao fazê-lo, a Igreja «nada retira ao bem temporal de qualquer povo, mas, pelo contrário, fomenta e acolhe todas as riquezas, os recursos e modos de vida dos povos, naquilo que têm de bom e, acolhendo-os, purifica-os, consolida-os e eleva-os» (LG 13). Além disso, o espírito genuinamente católico da evangelização conduz a um enriquecimento recíproco, visto que «cada uma das partes leva os seus próprios dons às outras partes e a toda a Igreja, de maneira que o todo e cada uma das partes se incrementam com um intercâmbio mútuo universal» (LG 13). 36. Portanto, nesta visão, alguns critérios orientadores encontram a sua compreensão adequada para a animação da acção pastoral com os Ciganos, ou seja, não apenas a aceitação da sua legítima reivindicação de uma identidade específica e do direito à sua inserção, enquanto tal, na estrutura vital da sociedade civil e eclesial, mas também a apreciação real – afectiva e efectiva – dos autênticos valores da sua tradição, que deve ser não só respeitada, mas também defendida. Mais ainda: nesta perspectiva soteriológica, é necessário compreender a cultura desta população a partir do seu interior, enquanto elemento a integrar no desígnio salvífico divino. 37. A peculiaridade da Weltanschauung cigana e da sua forma de vida característica não é facilmente comparável com a de outras realidades sociais da humanidade. A realidade cigana enquadra-se, pois, plenamente, nas práticas missionárias, em que a Igreja, especialista em humanidade, aplicou o axioma segundo o qual «a qualquer condição ou estado devem corresponder actos apropriados e instrumentos adequados» (AG 6). Daqui advém a necessidade e a conveniência de uma assistência pastoral específica para os Ciganos, não reduzida à solução fácil de simplesmente os pressionar para a “integração” no conjunto dos restantes fiéis; ela deve ser dirigida sobretudo à sua evangelização e promoção. Deste modo, deve-se ter em conta que a estrutura eclesiástica ordinária e territorial para a pastoral das almas não permite, em geral, a esta população uma inserção efectiva e duradoura na vida e na comunidade eclesial. Torna-se assim necessário um discernimento cauteloso com o objectivo de encontrar o justo equilíbrio também na adaptação das plataformas pastorais comuns às particularidades exigidas por cada situação. 38. Com efeito, a especificidade da cultura cigana exige que não se lhes ofereça uma evangelização simplesmente “desde o externo”, a qual facilmente seria considerada uma invasão. Na esteira da verdadeira catolicidade, a Igreja deve tornar-se, num certo sentido, ela própria cigana entre os Ciganos, para que eles possam participar plenamente na vida da Igreja. Isto leva a procurar uma atitude pastoral caracterizada pela partilha e pela amizade, para o que se torna importante que os Agentes pastorais específicos se integrem na sua forma de vida e partilhem a sua condição, pelo menos durante algum tempo. Para tal contribui, portanto, de um modo muito especial, aquilo que a Igreja exige a quantos estão empenhados nos territórios missionários, ou seja, que «devem conhecer os homens com quem convivem e levar as relações com eles a um diálogo sincero e compreensivo, para que venham a conhecer quantas riquezas Deus na sua magnanimidade deu aos povos» (AG 11). Purificação, elevação e realização da cultura cigana em Cristo 39. Um encontro autêntico entre Evangelho e cultura cigana não pode, todavia, legitimar indiscriminadamente todos os seus aspectos particulares. A história universal da evangelização testemunha, de facto, que a difusão da mensagem cristã foi sempre acompanhada por um processo de purificação das culturas a que se dirige, purificação que é vista, na realidade, como um aspecto necessário à sua elevação cristã. Não é pois de admirar que, a par da “aceitação” de uma tal cultura, a Igreja oriente a pastoral também para a superação daqueles aspectos não partilhados pela visão cristã da vida ou que, de um modo ou de outro, constituem obstáculos ao caminho da reconciliação e da comunhão entre Ciganos e gajé. Uma atitude minimalista face a estes obstáculos ou uma defesa indiscriminada de tudo aquilo que está presente nas tradições ciganas, sem as devidas distinções e os relativos juízos evangélicos, não pode, pois, ajudar à causa da própria evangelização. 40. Neste contexto, é necessário acrescentar que a custódia das próprias tradições não deveria tornar-se um álibi para justificar uma atitude de isolamento, fechado também ao justo progresso das sociedades dos gajé. Assim, a reconciliação e a comunhão entre Ciganos e gajé incluem a interacção legítima das culturas, e neste processo, a iniciativa deve partir também da parte cigana. Deste modo, deve-se outrossim ter em conta que a actual configuração geral da sociedade não permite o necessário progresso das culturas que ficam isoladas da dinâmica central do desenvolvimento. Embora evidentemente também existam muitas situações de injustiça social que, em último caso, têm a sua origem no pecado, é preciso, contudo, reconhecer que, actualmente, as situações de subdesenvolvimento social nem sempre provêm da má vontade dos outros estratos sociais, mas também da estrutura do próprio contexto social que exige a integração como condição de progresso. 41. É igualmente característica da sociedade contemporânea a necessidade da educação, da qualificação profissional e da iniciativa e responsabilidade pessoais como condições indispensáveis para alcançar uma qualidade de vida pelo menos digna. São valores apreciados e fomentados, especialmente pelos pais. Grande parte da população cigana transporta ainda, com efeito, uma herança à qual falta este conhecimento, o que também é consequência do isolamento. Ainda que, frequentemente, não se possa nem se deva culpabilizá-los, é, apesar de tudo, necessário superar esta carência, especialmente tendo em vista as gerações futuras. Neste contexto, a igualdade de direitos entre homem e mulher, deve ser, decididamente, fomentada, eliminando-se toda a forma de discriminação injusta. Tal não significa, porém, perturbar a instituição familiar, como infelizmente acontece quando esta igualdade é mal compreendida, não aceitando a diferença entre homem e mulher numa cultura da reciprocidade. Porém, a igualdade exige o respeito pela dignidade da mulher, a elevação da cultura feminina, a promoção social, etc. 42. O forte sentido de família, tão enraizado nos Ciganos, não pode, pois, permitir que as ofensas pessoais ou colectivas sofridas se tornem um ressentimento permanente transmitido de geração em geração, prolongando no tempo a inimizade entre famílias e/ou clãs. A honestidade e a rectidão no âmbito laboral são, por outro lado, um valor civil e cristão que nunca deve ser descuidado. As actividades que produzem “dinheiro fácil”, à margem ou directamente fora da legalidade, devem, por isso, ser abandonadas. é necessário considerar o apreciável dano que isto provoca, quer à população na qual os Ciganos se inserem quer a si próprios, dado que contribui para alimentar os preconceitos dos gajé. Interacção cultural 43. Todavia, a purificação da cultura cigana não deveria significar o seu esvaziamento. Porém, juntamente com o respeito e o apreço pelos seus legítimos valores, o processo da sua integração no seio da cultura da sociedade circundante deve ser decididamente impulsionado, o que implicará uma atitude de acolhimento por parte desta última. Tanto por motivos de caridade cristã como por exigências da vida civil, o desencontro ou oposição entre as culturas cigana e dos gajé é, de facto, uma realidade que deve ser superada, o que exige uma grande mudança de mentalidade quer no âmbito eclesial quer no civil. 44. Por outro lado, neste processo desempenha um papel decisivo a educação ministrada nas escolas dos gajé. Efectivamente, os textos escolares comuns apresentam, com frequência, uma visão histórica e sociológica da população cigana herdeira de preconceitos transmitidos de geração em geração, continuando, assim, a alimentar a atitude geral de desconfiança. Paralelamente, a informação difundida através dos mass media só raramente leva ao conhecimento do grande público os valores positivos da cultura cigana, sendo bem mais frequente a difusão de notícias negativas que contribuem para denegrir ainda mais a sua imagem. Pelo contrário, o zelo pelo respeito das minorias, cada vez mais generalizado nos nossos dias, deveria encontrar a sua realização também nestes âmbitos, sem nenhum tipo de discriminação. Neste caso, aquilo que é válido para todas as minorias também se aplica à minoria cigana. Assim, falta proceder a um grande trabalho de abertura e de informação, para eliminar nos ânimos a desconfiança, que é sustentada por uma literatura acrítica e tristemente difundida na sociedade, que alimenta a atitude de rejeição. Capítulo IV Evangelização e promoção humana Unidade da família humana 45. Em Adão, Deus revela-se Criador, Pai de todos os homens e de todas as mulheres que formam uma só família, toda a humanidade. Cada pessoa foi criada à imagem de Deus (cf. Gn 1,27-28.), em solidariedade com os outros. Assim, a relação de Deus com o homem, mesmo quando infelizmente não é reconhecida, permanece vital, fundamento da dignidade da pessoa humana. No dom da vida, Deus manifesta incessantemente o seu amor criador, assim como Cristo revela a toda a humanidade, com as suas palavras e acções, com a sua paixão e ressurreição, a presença actual deste amor criador, que também é redentor. Deste modo, a humanidade composta por filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs no Filho de Deus, é chamada a viver em conjunto numa única família enriquecida pelos dons de cada um e pelas características de cada povo. Todos são convidados a construir uma humanidade fraterna, chamada a testemunhar que o Reino de Deus já está presente na pessoa do Ressuscitado e na sua Igreja, seu início e semente (cf. LG 5). Direitos humanos e civis dos Ciganos 46. A unidade da família humana manifesta-se também no reconhecimento da dignidade e da liberdade de cada pessoa, qualquer que seja a sua etnia, o seu País de origem e a sua religião, numa relação de solidariedade com todos. Além disso, a pessoa é infinitamente preciosa pois Cristo ofereceu a sua vida por cada um. Ele é o primogénito desta humanidade nova, infinitamente amada pelo Pai. Após o triunfo da Ressurreição, que sela a morte do ódio e de toda a morte, Ele difundiu o seu Espírito Santo, Espírito de verdade e de amor, Espírito de liberdade e de paz, que nos reconcilia com o adversário, nos arranca da indiferença, tornando-nos próximos de todos os membros da família humana. 47. Cada pessoa, única e insubstituível, é assim chamada a realizar as suas próprias capacidades, a desenvolver-se no exercício dos seus direitos e deveres, a viver do seu trabalho, respeitando-se reciprocamente. Para que tal faça parte da vida quotidiana, qualquer decisão pessoal ou colectiva deve partir da pessoa humana, nas suas relações com os outros, tendo em conta as condições de vida de carácter político e económico. A prioridade do amor pelo outro, que Cristo proclamou e viveu, deverá assim conduzir os cristãos ao amor incondicional por cada ser humano e a ocupar com Ele o lugar de servo. Foi desta forma que Ele combateu, sem violência, o desejo de poder que subjuga em particular os nossos irmãos mais vulneráveis até ao aniquilamento. 48. É, por isso, de grande importância e urgência o dever de trabalhar para que os Ciganos, particularmente vulneráveis, se considerem e sejam aceites como membros de pleno direito da família humana. Porém, não é possível alcançar a paz autêntica e duradoura, que deveria ser um reflexo da “família divina” (a Santíssima Trindade), fora de um contexto de justiça e desenvolvimento. Assim, no seio da população cigana, deve ser preservada a dignidade e respeitada a identidade colectiva, devendo ser encorajadas as iniciativas para o seu desenvolvimento[9] e para a defesa dos seus direitos. Minoria particular entre as minorias 49. Para compreender adequadamente a história frequentemente dramática desta população, deve-se ter presente não apenas a sua situação de minoria no seio da sociedade, mas também a sua especificidade relativamente às outras minorias. Com efeito, a sua peculiaridade está no facto que os Ciganos constituem uma minoria sem uma radicação territorial precisa ou um Estado de referência original, e portanto, sem o seu eventual apoio. Esta ausência de garantias políticas e de protecção civil torna muito crítica a vida dos Ciganos. Enquanto que a chegada de outras populações em busca de refúgio e de segurança conseguiu, de facto, mobilizar um certo número de pessoas, a chegada dos Ciganos provocou, pelo contrário, fenómenos generalizados de rejeição. Todavia, os fluxos dos seus refugiados demonstram inequivocamente que também eles são originários de Países pobres, onde, além disso, a discriminação é frequentemente acompanhada por violência. Assim, esta situação só poderá ser gerida se os Governos definirem, em conjunto, uma política comum, global e partilhada, de modo a arrancar os Ciganos à miséria e à rejeição. 50. Tudo isto torna particularmente necessário o interesse dos Organismos internacionais por esta população. Do mesmo modo, os Governos nacionais devem respeitar esta minoria entre as minorias e reconhecê-la, contribuindo para erradicar os episódios de racismo e xenofobia ainda disseminados, que dão origem a discriminações em matéria de emprego, de habitação e de acesso à educação. Também a Igreja, através do Conselho Pontifício da Pastoral para os Migrantes e Itinerantes, por meio dos Representantes e dos Observadores da Santa Sé junto dos Organismos internacionais, e das Autoridades eclesiásticas das várias nações, é chamada a intervir a fim de que as decisões dos Organismos nacionais e internacionais a favor dos Ciganos sejam acolhidas pelas instâncias locais e se repercutam na vida quotidiana. Condições de desenvolvimento integral 51. A educação é uma condição fundamental e imprescindível para o desenvolvimento. Neste respeito, enquanto, no passado, os hábitos itinerantes dos Ciganos tornavam bastante difícil a educação sistemática das jovens gerações, actualmente os obstáculos a superar residem antes no tipo de ensino ministrado. a sua integração – quando possível – no percurso educativo normal contribuirá para superar eventuais carências. Enfim, quando a semi-sedentarização ou itinerância tornam impossível a educação sistemática normal, será então necessário um esforço conjunto dos Governos, das associações ciganas, e também da Igreja, para levar à prática de qualquer outro modo a formação dos jovens ciganos. 52. Da mesma forma, é necessário pensar em todos os outros factores de desenvolvimento dos quais também estas populações deveriam usufruir, ou seja, a formação profissional dos jovens, o acesso aos serviços sanitários, condições condignas de habitação, previdência social, etc. Todavia, se não se tiver em conta a história dos Ciganos, a acção social tenderá a orientar-se a partir da noção de um desvio social a superar. No fundo, eles serão facilmente considerados associais que devem ser reconduzidos o mais rapidamente possível ao curso da sociedade maioritária. Deste modo, negar-se-ia a discriminação à qual os Ciganos foram submetidos durante séculos e seria menor o reconhecimento da especificidade da sua cultura. Pelo contrário, deve-se focar o respeito por toda e qualquer pessoa humana, também na sua dimensão colectiva, sobretudo se as condições de vida a fragilizaram. Daí derivam alguns critérios que devem ser considerados aquando da avaliação dos projectos de desenvolvimento das comunidades ciganas. Ou seja, se os Ciganos forem sistematicamente relegados para a categoria de assistidos, existe o risco, logo à partida, de que este objectivo não seja atingido. É certo que as circunstâncias podem frequentemente exigir um assistencialismo adequado, mas uma promoção autêntica deve ir muito além, a fim de que os Ciganos se tornem verdadeiramente responsáveis pelos recursos necessários ao seu desenvolvimento. 53. Além disso, a preparação das vias de desenvolvimento exige uma compreensão adequada das noções distintas de integração e de assimilação. De facto, a primeira deve, decididamente, ser encorajada, tendo como objectivo a plena inserção da vida e das tradições ciganas no conjunto das outras culturas, mas respeitando a própria. Pelo contrário, devem ser totalmente rejeitadas as tentativas de assimilação, ou seja, as que conduzem ao aniquilamento da cultura cigana, dissolvendo-a na da maioria. O Cigano integrado na sociedade dos gajé deverá continuar a ser ele mesmo, isto é, preservando a identidade própria. Por outro lado, é necessário um conhecimento da situação das comunidades a partir do seu interior. Com demasiada frequência, os Poderes públicos, submetidos à pressão de acontecimentos desumanos, que acabam por perturbar a opinião pública, ou à acção das associações ciganas e de pessoas que denunciam as condições de vida sub-humanas destas famílias, correm o risco de tomar decisões precipitadas relativamente às medidas a tomar. Em vez disso, é necessário trabalhar de forma séria, de comum acordo com os interessados, sem ignorar o modo de vida, as tradições e a especificidade do trabalho dos Ciganos. 54. Neste contexto, o associativismo cigano ganha importância como um interlocutor útil com vista a delinear as vias de desenvolvimento. Para tal, este associativismo deve adquirir competência e seriedade nas suas iniciativas, de modo a representar toda a sua população e a ser consultado pelos Poderes públicos na elaboração de projectos de grande alcance, com o objectivo de melhorar a habitação, as áreas de estacionamento, a escolarização, as condições de vida dos sedentários, dos semi-sedentários ou daqueles que viajam. Perspectiva cristã da promoção 55. Mesmo que o lançamento de projectos concretos de promoção humana compita primordialmente ao Estado, poderá ser conveniente e também necessário que instituições da Igreja sejam envolvidas em iniciativas concretas neste âmbito, tornando possível que os próprios Ciganos sejam protagonistas. Contudo, compete, mais propriamente, à missão fundamental da Igreja chamar a atenção das instâncias públicas para as dificuldades desta população. 56. No entanto, é necessário não esquecer que «o desenvolvimento de um povo não depende primeiramente nem do dinheiro, nem das ajudas materiais, nem das estruturas técnicas, mas da formação das consciências, da maturidade das mentalidades e dos costumes. O homem é o protagonista do desenvolvimento, não o dinheiro ou a técnica» (RM 58). Capítulo V Aspectos particulares da pastoral para os Ciganos 57. A evangelização dos Ciganos é missão de toda a Igreja, dado que nenhum cristão deveria ficar indiferente perante situações de marginalização ou de distanciamento da comunhão eclesial. Apesar de a pastoral para os Ciganos ter uma especificidade própria e exigir aos seus protagonistas directos uma formação cuidada e específica, uma atitude de acolhimento deve, assim, manifestar-se em toda a comunidade católica. É assim necessário sensibilizar principalmente todo o Povo de Deus não apenas no sentido de superar a hostilidade, a rejeição ou a indiferença, mas também para alcançar um comportamento abertamente positivo no relacionamento com os nossos irmãos e irmãs Ciganos. Aspectos específicos desta pastoral 58. Para delinear convenientemente a pastoral para os Ciganos, a dimensão antropológica tem uma grande relevância, até porque eles estão especialmente abertos ao impacto “sensível” de um acontecimento, sobretudo quando ele diz respeito ao ambiente familiar. A sua relação com a história é sempre profundamente emotiva. Com efeito, os seus pontos de referência no espaço e no tempo não são fixados pela geografia ou pelas datas do calendário, mas, antes, pela densidade afectiva de um encontro, de um trabalho, de um incidente, de uma festa. As suas reacções são sobretudo imediatas, guiadas por um critério mais intuitivo do que por um pensamento teórico. Tudo isto torna indispensável uma grande capacidade de discernimento, de iniciativa e de criatividade no modo de delinear a acção pastoral. Abordagem e modos de comunicação 59. No contexto da mentalidade dos Ciganos, a acção pastoral será mais incisiva se se desenvolver no seio de pequenos grupos. Nesse ambiente, é mais fácil a personalização e a partilha da experiência de fé, enquanto se participa nos mesmos acontecimentos, iluminando-os com a luz do Evangelho e se transmitem as experiências únicas do encontro com o Senhor. Em tais grupos, os Ciganos encontram-se consigo próprios e com a sua cultura e é apreciado o seu “protagonismo” e a sua responsabilidade de leigos. Pelo contrário, o anonimato despersonalizado retira à pastoral uma grande parte das suas potencialidades. 60. A Palavra de Deus anunciada aos Ciganos nos vários âmbitos da acção pastoral será acolhida com maior facilidade se for proclamada por alguém que, em concreto, se tenha mostrado solidário para com eles no decurso dos acontecimentos da vida. Além disso, no âmbito concreto da catequese, é importante incluir sempre um diálogo que permita aos Ciganos exprimir como interpretam e vivem o próprio relacionamento com Deus. Frequentemente, as situações vividas dizem mais do que as ideias redundantes nas quais correm o risco de se perder. 61. Além disso, deve-se ter em consideração a oportunidade de realizar traduções de textos litúrgicos, da Bíblia, de livros de orações, para a língua utilizada pelos vários clãs nas diversas regiões. Do mesmo modo, o recurso à música – muito apreciada e praticada pelos Ciganos – nos encontros pastorais e nas celebrações litúrgicas é um suporte muito válido, que convém promover e desenvolver. Enfim, dado que a memória visual dos Ciganos é extraordinariamente desenvolvida, os apoios didácticos em suporte de papel e vídeo, com fotos significativas e com toda a variedade oferecida pelas novas tecnologias, se forem bem adaptadas à mentalidade cigana, podem oferecer uma ajuda preciosa, ou até mesmo indispensável. Pastoral sacramental 62. O pedido dos sacramentos por parte das famílias situa-se num contexto que diz respeito ao relacionamento recíproco entre a Igreja e os Ciganos. Eles procuram preferencialmente o Rašaj (sacerdote) ou a equipa paroquial que soube mostrar-se acolhedora e aberta aos seus problemas, sem dúvida porque, junto dos seus membros, eles partilharam também momentos dolorosos ou perigosos da sua vida. Antes de dar uma resposta precipitada, é necessário discernir a qualidade da relação existente entre a família cigana e a comunidade cristã local. Esta avaliação determina a autenticidade do pedido, e deverá incidir sobre a preparação para o sacramento e o seu desenvolvimento. 63. Em geral, o baptismo é o sacramento mais solicitado. Porém, deve-se assegurar o acompanhamento espiritual da família e do baptizado, de modo a completar todo o ciclo da iniciação cristã. A resposta dada a partir do primeiro pedido de baptismo será, assim, determinante e repercutir-se-á sobre o futuro, sobre toda uma vida. Deste modo, o diálogo preparatório para a celebração do baptismo deverá partir da existência cigana quotidiana, de outra forma, correr-se-á o risco de utilizar uma linguagem religiosa paralela à sua vida, à qual aderirão apenas exteriormente. Além disso, é necessária uma escolha cuidadosa do padrinho e da madrinha, um papel que implica a aceitação de uma relação privilegiada e continuada com a família. Por este motivo, a sua presença na preparação é muito importante, embora nem sempre seja facilmente assegurada. 64. Devem, assim, ser evitados quer os baptismos sem adequada preparação quer a imposição das exigências que valem para os gajé, como se os Ciganos fossem membros “habituais” da comunidade local. Se o celebrante não tiver uma formação específica para uma catequese adaptada aos Ciganos, é conveniente que se aconselhe com o Capelão dos Ciganos mais próximo. Durante a celebração é importante cuidar-se a linguagem, de modo a poder alimentar e desenvolver a fé dos pais, dos padrinhos, das madrinhas e de toda a família presente. Nem todas as palavras utilizadas por um gajó são, de facto, compreensíveis para um Cigano. De facto, as imagens utilizadas não têm o mesmo impacto numa visão do mundo diferente. Por outro lado, o baptismo deveria ser celebrado na presença dos membros de todo o Povo de Deus. Como no caso dos outros católicos, a família cigana, na sua diversidade, será associada à preparação e à celebração. Pode-se chegar, assim, a uma experiência de catolicidade capaz de iniciar uma nova relação entre Ciganos e gajé, principalmente se as relações estabelecidas por ocasião da preparação forem mantidas, posteriormente, partilhando a sua vida. 65. É importante, sobretudo para os jovens, que surja uma pastoral da confirmação, sacramento que é praticamente desconhecido pelas comunidades ciganas. A preparação para este sacramento permite recuperar, com base no modelo catecumenal, as anteriores carências da iniciação cristã, educando para uma adesão livre e consciente à Igreja. A confirmação, enquanto introduz o baptizado na plena participação na vida do Espírito, na experiência de Deus e no testemunho da fé, revela-lhe também o significado da sua incorporação eclesial e da sua responsabilidade missionária. Parece também importante destacar o outro “sujeito” do sacramento, que é a comunidade, a qual deve ser incluída na catequese de forma inter-generacional, para que por ocasião da celebração dos “seus crismados”, ela própria possa viver a graça de um novo Pentecostes, sendo confirmada pelo sopro do Espírito, na sua vocação cristã e na sua missão evangelizadora. 66. A eucaristia é fonte e vértice da comunhão em Cristo e com a Igreja, memorial da morte e ressurreição do Senhor, porém um sacramento ainda não aceite no seu pleno significado pelos Ciganos. No entanto, ele tem uma equivalência importante na tradição de alguns grupos acerca dos banquetes sagrados, habitualmente celebrados em honra do Santo protector da família ou pela paz dos defuntos. Ali se louva a Deus pelas graças recebidas e se partilham os alimentos, em primeiro lugar o pão e o vinho, que frequentemente são abençoados pelo pai da família anfitriã. Esta experiência de comunhão em convívio, durante a qual os Ciganos afirmam a pertença à própria comunidade, pode ser permeada por uma contínua referência a Deus enquanto fonte dos bens que dão sentido e valor à vida, neste caso torna-se ponto de partida para uma progressiva introdução na comunidade cristã reunida em oração. Tal sucede sobretudo na liturgia eucarística, onde o sacramento poderá ser revelado e celebrado como uma partilha do mesmo pão da vida, à mesa do Pai, no encontro com o mistério pascal, celebrado na eucaristia enquanto memorial de Cristo que se deu por nós. Retribuímo-lhe oferecendo-nos nós próprios a Deus e ao próximo, na caridade. 67. O sacramento da penitência ou reconciliação, embora abandonado na forma sacramental, encontra uma referência precisa quer no hábito dos Ciganos de pedir continuamente e também publicamente perdão a Deus pelas próprias faltas, quer na concepção e no comportamento com o qual a tradição regula a reconciliação, quando readmite um membro na comunidade, onde tinha sido declarado “impuro” e banido por infracções graves ao código ético. Assim, o sacramento torna-se um sinal visível de um processo de conversão, no qual, por um lado, é o próprio Jesus que, mediante o ministério da Igreja, dá o perdão misericordioso do Pai, inseparável da reconciliação com os irmãos, e por outro lado, é a resposta humana sustentada pela graça do Espírito, que se abre à consciência moral recta na adesão radical a Deus. 68. No que se refere ao matrimónio, deve-se ter em conta que este está inscrito na cultura e tradição cigana com um vasto leque de rituais, dependendo do grupo a que pertencem, mas com igual carácter. Os dois contraentes assumem, assim, todos os direitos e deveres conjugais perante a comunidade, que consagra a validade da união, enquanto status permanente onde os valores éticos e naturais – liberdade, fidelidade, insolubilidade e fecundidade – são fundamentalmente defendidos. A união matrimonial é aqui entendida como sendo inteiramente diferente de uma simples união sexual e apresenta-se assim como um acontecimento extraordinário, que se aproxima da visão católica do matrimónio, podendo, desse modo, ser entendido pelos baptizados, como uma base significativa do futuro sacramento, cuja “forma” é solicitada pela Igreja. A família, coração e fundamento da cultura e da estrutura social dos Ciganos, assim renovada sacramentalmente, torna-se terreno fecundo para a formação de pequenas comunidades cristãs, na perspectiva da gradual e plena participação na vida da Igreja através dos vários carismas e ministérios. 69. A unção dos doentes é um sacramento que não só não é praticado mas também é desconhecido enquanto sinal sacramental de Cristo e oração de toda a Igreja pelo doente. A recusa do sacramento deve-se à falsa convicção de que ele esteja ligado à morte. Daí a necessidade de uma evangelização do sofrimento, segundo a qual o enfermo, unido a Cristo, que carregou os sofrimentos da humanidade (cf. Mt 8,17), vive a experiência da sua enfermidade como abandono confiante a Deus Pai e como abertura generosa à solidariedade com os outros pacientes, dispondo-se assim a acolher o dom da cura, que Deus pode operar nas profundezas da alma, irradiando os seus efeitos sobre o corpo. O sacramento pode encontrar um ponto de partida eficaz na grande solicitude pelos doentes, e em particular pelos moribundos, que são levados do hospital para “casa” para que