Rui Silva Pedro
As migrações são uma característica não provisória, não temporânea, mas definitiva e permanente da história dos homens, civilizações, povos, culturas, artes e religiões. O mundo – e não apenas os países tradicionalmente marcados pela emigração, como Portugal e Cabo Verde – tornou-se uma realidade móvel, dinâmica e interdependente devido à Globalização e consequentes desigualdades e assimetrias que ela produz no acesso aos bens, ao trabalho e á paz.
O Papa, na mensagem para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado, volta a recordar, na sequência de outras suas intervenções que as migrações são uma oportunidade providencial para o anúncio do Evangelho no mundo contemporâneo.
Uma chance também para a Igreja em Portugal e na CPLP que atravessa uma era de grande mudança de paradigmas, estilo de presença, influência política e económica, mestiçagem intercultural e intereligiosa. Isto é, está-se diante duma nova visão do homem e do mundo para a qual as migrações continuam a ser grande oportunidade pelo capital humano e cultural que encerram. Elas proporcionam novos conhecimentos culturais, outros encontros religiosos, ensinam a tolerância, humildade e abertura, denunciam injustiças no tratamento e escravidões no trabalho, exigem ética na política e economia, desafiam para a formação e evangelização, provocam a territorialidade que discrimina e os nacionalismos que humilham, quebram barreiras jurídicas e preconceituais. As migrações trazem até nossa casa, no caso do testemunho dos imigrantes, ou levam até longe, no caso da fidelidade aos valores dos nossos emigrantes, novas experiências de vida evangélica, novas práticas eclesiais, ma fé feita também de coração e outras pertenças espirituais.
Em ano de reflexão e experimentação de novas práticas apelidadas de Nova Evangelização, cito apenas algumas notas simples de situações positivas para recolher bons frutos da oportunidade migratória que a Providência Divina nos oferece como sinal do seu Desígnio de amor.
Com a partida dos nossos emigrantes, para a Europa, Américas e África – sem esquecer a nova e intensa vaga que a crise está a fazer disparar, como afirmou o Secretário de Estado das Comunidades – descobrimos que a formação da fé, sacramentos e caridade ministrada nas paróquias, escolas e movimentos deverá ter no horizonte a futura afirmação e vivência da fé em novos contextos (sub)urbanos, indiferentes, estrangeiros e adversos resultantes da secularização, relativismo e situação de minoria. Muitos portugueses, especialmente os que a migração emancipou na fé, têm (re)fundado comunidades vivas, solidárias e dinâmicas, tornando as metrópoles onde se fixaram terra menos estrangeira e mais fraterna. Na verdade, muitas catedrais se enchem de povo de Deus aquando das festas em honra de N. Sra. de Fátima, Senhor Santo Cristo dos Milagres, Divino Espírito Santo, N. Sra. do Monte e S. António de Lisboa.
Com os católicos provenientes de África redescobrimo-nos também africanos na nossa lusitanidade e história. Felizmente que a vida litúrgica e sacramental tem vindo a acolher, nuns lugares mais do que noutros, a perspetiva de encarar a fé também como cultura, língua materna, ritmo e dança, côr e trajes, frutos da terra e do trabalho, linguagem da alegria, rito e símbolos, igualdade de oportunidades, inclusão social e eclesial. Convém fazer referência à Festa dos Povos, evento em expansão nas dioceses, promovido pelos Secretariados da Mobilidade, assim como a valorização das várias festas em honra dos padroeiros: São Tomé, todo-poderoso e N. Sra. de Guadalupe para os católicos de São Tomé e Príncipe; N. Sra. do Perpétuo Socorro para os oriundos de Moçambique, Gôa, Damão e Diú; S. Catarina de Alexandria, N. Sra. do Rosário de Fátima, N. Sra. da Luz, São João e São Vicente para os caboverdanos e descendentes; N. Sra. do Coração/Mamã Muximba para os angolanos, entre outras.
Por seu lado, os cristãos da Europa Oriental, católicos e ortodoxos, que na última década criaram em Portugal novas paróquias e eparquias, testemunharam-nos a fidelidade de tantas famílias à fé em situação de opressāo ideológica privados do direito à liberdade religiosa. Descobrimos que a Igreja é também Oriente: sacerdotes casados, rito bizantino, cânticos e celebrações solenes da liturgia de São J. Crisóstomo, paramentos, ícones, símbolos e práticas sacramentais diferentes… Com estes migrantes descobrimo-nos católicos bi-rituais e somos reevangelizados pelo sentido do mistério, sagrado, oração, canto e da beleza litúrgica perdida em tantas das nossas comunidades.
Com os cidadãos da Ásia e África, de religião muçulmana, budista, confucionista, hinduísta, baha’i, entre outras, vivemos a sensação que o mundo veio até nós. Eles oferecem uma viagem ao encontro de grandes tradições religiosas longínquas e algumas até incompreensíveis – as politeístas – para nossas categorias filosóficas, antropológicas e teológicas. Tradições, algumas anteriores ao Cristianismo, juntamente com o Judaísmo, onde crentes encontram sentido para a vida, amor e morte. Há que prosseguir com celebrações interreligiosas, sejam ou não promovidas pelos católicos.
Os migrantes da América latina, especialmente os brasileiros, nos confontam com outro modo, mais sentimental, alegre, tropical, sociopolítico de celebrar e testemunhar a fé em Jesus Cristo e
participar na vida da Igreja. Muitos se dirigiram às paróquias para entregar a contribuição voluntária/solidária para a sustentabilidade da comunidade (dízimo), como aprenderam nas igrejas de origem. Neles recordámos o Vaticano II, que ensinou a fé imersa na vida concreta: o trabalho digno, mas também ilegal; o diálogo com grupos religiosos – no caso, dos brasileiros são significativos o pentecostalismo independente e espiritismo; a dignidade da mulher; a habitação alugada, mas também aquela indigna; a solidariedade, a justiça, a saúde, a autorização de residência e a associação de imigrantes.
Como oportunidade de evangelização, de conhecer e integrar novas experiências de fé, não se podem ignorar os imigrantes – hoje indevidamente apelidados, como há séculos atrás, de gentios confinados aos pátios do templo – que, não sendo religiosos têm sido um grande dom para a sociedade. Têm sido aliados das diferentes religiões pelo seu compromisso humanístico, em tantas associações, organizações e meios de comunicação social, na defesa da dignidade humana, direitos dos migrantes e integração sociocultural.
No processo de colher oportunidades a partir da mobilidade para a Nova Evangelização, uma palavra final sobre uma especial e minoritária categoria de migrantes: os agentes pastorais. Constata-se que, na última década, temos recebido mais sacerdotes estrangeiros para o serviço da Igreja em Portugal do que enviado missionários portugueses para as nossas comunidades da diáspora. Na verdade, é um fato o crescimento entre nós do número de sacerdotes provenientes das igrejas, entre outras, de Angola, Cabo Verde, India, Brasil, Ucrânia, Moçambique, países dos imigrantes. Mediante a valorização por parte das dioceses da afinidade e situação cultural e mais cuidada iniciação cultural e pastoral ao trabalho em Portugal, poderão atuar a natural mediação cultural na evangelização. Oportunidade a não perder numa igreja que, desde o I Congresso Missionário Nacional, quer assumir sempre mais a Missão no seu território e estruturas.
As diferenças culturais no modo de viver e celebrar a fé em Deus, praticar a caridade e a justiça, assumir a universalidade do Evangelho, cumprir a evangelização unida à promoção humana, servir a dignidade dos mais pobres e vulneráveis deverão ser vividas sem temer a sadia conflitualidade e tensão necessárias do processo do anúncio do Evangelho através da inculturação. Continuar a integrar os agentes pastorais e todas as experiências religiosas em contexto migratório na forma de planificar a pastoral ordinária – kerigma, liturgia, diaconia e koinonia – significa seguir por caminhos de Nova Evangelização. É, por isso, que a Pastoral da Mobilidade, em sinergia com outras pastorais de cariz missionário, oferece condições para o novo ardor, novos métodos, novas expressões… novas estruturas e novos agentes – religiosos e leigos – de que há muito a Igreja busca para dialogar com a cultura e servir com humildade o mundo hodierno.
Rui Silva Pedro, c.s.
O Papa, na mensagem para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado, volta a recordar, na sequência de outras suas intervenções que as migrações são uma oportunidade providencial para o anúncio do Evangelho no mundo contemporâneo.
Uma chance também para a Igreja em Portugal e na CPLP que atravessa uma era de grande mudança de paradigmas, estilo de presença, influência política e económica, mestiçagem intercultural e intereligiosa. Isto é, está-se diante duma nova visão do homem e do mundo para a qual as migrações continuam a ser grande oportunidade pelo capital humano e cultural que encerram. Elas proporcionam novos conhecimentos culturais, outros encontros religiosos, ensinam a tolerância, humildade e abertura, denunciam injustiças no tratamento e escravidões no trabalho, exigem ética na política e economia, desafiam para a formação e evangelização, provocam a territorialidade que discrimina e os nacionalismos que humilham, quebram barreiras jurídicas e preconceituais. As migrações trazem até nossa casa, no caso do testemunho dos imigrantes, ou levam até longe, no caso da fidelidade aos valores dos nossos emigrantes, novas experiências de vida evangélica, novas práticas eclesiais, ma fé feita também de coração e outras pertenças espirituais.
Em ano de reflexão e experimentação de novas práticas apelidadas de Nova Evangelização, cito apenas algumas notas simples de situações positivas para recolher bons frutos da oportunidade migratória que a Providência Divina nos oferece como sinal do seu Desígnio de amor.
Com a partida dos nossos emigrantes, para a Europa, Américas e África – sem esquecer a nova e intensa vaga que a crise está a fazer disparar, como afirmou o Secretário de Estado das Comunidades – descobrimos que a formação da fé, sacramentos e caridade ministrada nas paróquias, escolas e movimentos deverá ter no horizonte a futura afirmação e vivência da fé em novos contextos (sub)urbanos, indiferentes, estrangeiros e adversos resultantes da secularização, relativismo e situação de minoria. Muitos portugueses, especialmente os que a migração emancipou na fé, têm (re)fundado comunidades vivas, solidárias e dinâmicas, tornando as metrópoles onde se fixaram terra menos estrangeira e mais fraterna. Na verdade, muitas catedrais se enchem de povo de Deus aquando das festas em honra de N. Sra. de Fátima, Senhor Santo Cristo dos Milagres, Divino Espírito Santo, N. Sra. do Monte e S. António de Lisboa.
Com os católicos provenientes de África redescobrimo-nos também africanos na nossa lusitanidade e história. Felizmente que a vida litúrgica e sacramental tem vindo a acolher, nuns lugares mais do que noutros, a perspetiva de encarar a fé também como cultura, língua materna, ritmo e dança, côr e trajes, frutos da terra e do trabalho, linguagem da alegria, rito e símbolos, igualdade de oportunidades, inclusão social e eclesial. Convém fazer referência à Festa dos Povos, evento em expansão nas dioceses, promovido pelos Secretariados da Mobilidade, assim como a valorização das várias festas em honra dos padroeiros: São Tomé, todo-poderoso e N. Sra. de Guadalupe para os católicos de São Tomé e Príncipe; N. Sra. do Perpétuo Socorro para os oriundos de Moçambique, Gôa, Damão e Diú; S. Catarina de Alexandria, N. Sra. do Rosário de Fátima, N. Sra. da Luz, São João e São Vicente para os caboverdanos e descendentes; N. Sra. do Coração/Mamã Muximba para os angolanos, entre outras.
Por seu lado, os cristãos da Europa Oriental, católicos e ortodoxos, que na última década criaram em Portugal novas paróquias e eparquias, testemunharam-nos a fidelidade de tantas famílias à fé em situação de opressāo ideológica privados do direito à liberdade religiosa. Descobrimos que a Igreja é também Oriente: sacerdotes casados, rito bizantino, cânticos e celebrações solenes da liturgia de São J. Crisóstomo, paramentos, ícones, símbolos e práticas sacramentais diferentes… Com estes migrantes descobrimo-nos católicos bi-rituais e somos reevangelizados pelo sentido do mistério, sagrado, oração, canto e da beleza litúrgica perdida em tantas das nossas comunidades.
Com os cidadãos da Ásia e África, de religião muçulmana, budista, confucionista, hinduísta, baha’i, entre outras, vivemos a sensação que o mundo veio até nós. Eles oferecem uma viagem ao encontro de grandes tradições religiosas longínquas e algumas até incompreensíveis – as politeístas – para nossas categorias filosóficas, antropológicas e teológicas. Tradições, algumas anteriores ao Cristianismo, juntamente com o Judaísmo, onde crentes encontram sentido para a vida, amor e morte. Há que prosseguir com celebrações interreligiosas, sejam ou não promovidas pelos católicos.
Os migrantes da América latina, especialmente os brasileiros, nos confontam com outro modo, mais sentimental, alegre, tropical, sociopolítico de celebrar e testemunhar a fé em Jesus Cristo e
participar na vida da Igreja. Muitos se dirigiram às paróquias para entregar a contribuição voluntária/solidária para a sustentabilidade da comunidade (dízimo), como aprenderam nas igrejas de origem. Neles recordámos o Vaticano II, que ensinou a fé imersa na vida concreta: o trabalho digno, mas também ilegal; o diálogo com grupos religiosos – no caso, dos brasileiros são significativos o pentecostalismo independente e espiritismo; a dignidade da mulher; a habitação alugada, mas também aquela indigna; a solidariedade, a justiça, a saúde, a autorização de residência e a associação de imigrantes.
Como oportunidade de evangelização, de conhecer e integrar novas experiências de fé, não se podem ignorar os imigrantes – hoje indevidamente apelidados, como há séculos atrás, de gentios confinados aos pátios do templo – que, não sendo religiosos têm sido um grande dom para a sociedade. Têm sido aliados das diferentes religiões pelo seu compromisso humanístico, em tantas associações, organizações e meios de comunicação social, na defesa da dignidade humana, direitos dos migrantes e integração sociocultural.
No processo de colher oportunidades a partir da mobilidade para a Nova Evangelização, uma palavra final sobre uma especial e minoritária categoria de migrantes: os agentes pastorais. Constata-se que, na última década, temos recebido mais sacerdotes estrangeiros para o serviço da Igreja em Portugal do que enviado missionários portugueses para as nossas comunidades da diáspora. Na verdade, é um fato o crescimento entre nós do número de sacerdotes provenientes das igrejas, entre outras, de Angola, Cabo Verde, India, Brasil, Ucrânia, Moçambique, países dos imigrantes. Mediante a valorização por parte das dioceses da afinidade e situação cultural e mais cuidada iniciação cultural e pastoral ao trabalho em Portugal, poderão atuar a natural mediação cultural na evangelização. Oportunidade a não perder numa igreja que, desde o I Congresso Missionário Nacional, quer assumir sempre mais a Missão no seu território e estruturas.
As diferenças culturais no modo de viver e celebrar a fé em Deus, praticar a caridade e a justiça, assumir a universalidade do Evangelho, cumprir a evangelização unida à promoção humana, servir a dignidade dos mais pobres e vulneráveis deverão ser vividas sem temer a sadia conflitualidade e tensão necessárias do processo do anúncio do Evangelho através da inculturação. Continuar a integrar os agentes pastorais e todas as experiências religiosas em contexto migratório na forma de planificar a pastoral ordinária – kerigma, liturgia, diaconia e koinonia – significa seguir por caminhos de Nova Evangelização. É, por isso, que a Pastoral da Mobilidade, em sinergia com outras pastorais de cariz missionário, oferece condições para o novo ardor, novos métodos, novas expressões… novas estruturas e novos agentes – religiosos e leigos – de que há muito a Igreja busca para dialogar com a cultura e servir com humildade o mundo hodierno.
Rui Silva Pedro, c.s.