«Onde estás, África?»

Bispos de Moçambique denunciam discriminação e violência no continente africano e apelam ao reforço da inculturação por parte da Igreja

“Onde é que estás, África? Onde é que te situas?”, perguntou o bispo de Chimoio (Moçambique), no decurso da sessão de Quarta-feira do Sínodo dos Bispos para a África.

Segundo D. Francisco Silota, um número significativo de africanos nega os valores que são tipicamente seus, negando-se também a si próprios. Ao recusar assumir a “africanidade”, instala-se um vazio originado pela inexistência de uma base que sustenta e orienta a vida humana, defende o primeiro vice-presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar.

“Como se pode conciliar o acolhimento e a hospitalidade com a discriminação étnica, tribal e regional que reina no continente, tanto a nível da sociedade em geral, como até dentro da Igreja? Como explicar a flagrante contradição que existe entre o amor incondicional à vida, que é característico do africano, e as traições que alguns dos seus filhos praticam contra os seus irmãos, causando-lhes sofrimentos ou até liquidando as suas vidas?”, questionou D. Francisco.

Igreja: mais inculturação, coerência e profetismo

A passagem de muitos católicos para os Movimentos Evangélicos é causada pela insuficiente inculturação que acompanha a acção da Igreja, afirmou o bispo de Inhambane (Moçambique), D. Adriano Langa.

A”o marginalizar e desprezar as culturas do continente, subestimando as línguas nativas, e, num passado recente, centralizar o anúncio da mensagem cristã nas crianças, menosprezando a evangelização dos adultos, bem como proibir a leitura da Bíblia, a Igreja Católica não conseguiu dar aos africanos uma linguagem e um estilo próprios”, referiu o prelado.

Por isso, continuou, os católicos experimentam “um complexo de inferioridade e de alienação diante dos membros de outras confissões religiosas; este sentimento leva-os a inclinarem-se para outros credos, adoptando a sua linguagem e estilo”.

O presidente da Conferência Episcopal do Congo, D. Louis Mbuyu, deteve-se na urgência da missão profética da Igreja, que deve estar atenta às situações em que a dignidade humana é humilhada, analisando as suas causas, revelando os seus mecanismos e apontando os responsáveis por essas situações.

“A Igreja corre o risco de se habituar às inúmeras injustiças e explorações, deixando de as denunciar; deste modo, pode tornar-se cúmplice da infelicidade das populações, quando a sua missão consiste em ser «a voz dos que não têm voz”, declarou D. Mbuyu.

O prelado adverte que este encargo profético só poderá ser exercido com autoridade moral se a Igreja oferecer, no seu interior, o testemunho de uma comunidade reconciliada.

A necessidade de manifestar coerência entre palavras e acções foi igualmente sublinhada pelo presidente da Conferência Episcopal da Costa do Marfim, D. Joseph Yapo: se a Igreja quiser desempenhar o seu papel de promotora da paz, deve começar por colocar em prática o que ensina, preocupando-se em criar as estruturas necessárias para a formação e educação dos seus fiéis.

Família: divisão e reconciliação

As consequências que as famílias sofrem devido à guerra e à mentalidade ocidental foram igualmente salientadas nas intervenções de ontem.

A Igreja deve alicerçar-se na família, para poder estar ao serviço da reconciliação e da justiça, indicou o bispo de Port-Louis (Ilhas Maurícias), D. Maurice Piat.

Os conflitos, os ventos da modernidade, assim como a indiferença e a agressividade dos filhos, motivadas pela sociedade de consumo, transformam os canais tradicionais da transmissão de valores, pelo que é essencial acompanhar as famílias na passagem do sofrimento para a esperança, disse D. Maurice Piat.

Por seu lado, o presidente da Conferência Episcopal de Madagáscar mencionou a relevância da educação das crianças para a construção de uma sociedade pacífica: se nós queremos a paz, declarou D. Fulgence Rabemahafaly, “devemos aprender a educar os nossos filhos na família. A paz na sociedade é a paz vivida em cada casa”.

“O problema é que, no mundo de hoje, o direito familiar está constrangido. Os países ricos pensam que o seu dinheiro pode calar os pequenos e os pobres; e, através da violência, ultrajam tudo o que é justiça e reconciliação para se fazerem servi”r, acusou o arcebispo de Fianarantsoa.

Diante desta realidade, a Igreja é chamada a responder às súplicas dos que sofrem a coacção, a injustiça e a insegurança social: “Nós somos os pais dentro da nossa sociedade; nós somos mãe, educadora e protectora”, concluiu.

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