Padre Peter Stilwell, Patriarcado de Lisboa

Foi com o coração pesado que aceitei o convite que me dirigiram para estar presente nesta sessão. Das dezenas de conflitos que nos mancham hoje a consciência, nenhum me causa tal angústia como este. Sinto a dor dos meus amigos da comunidade judaica e rego, diariamente com ternura, a oliveira bonsai entregue ao Patriarca de Lisboa como sinal de esperança, pela representante da Missão da Palestina em Portugal.
Que dizer, que não tenha já sido dito, do horror do 7 de outubro de 2023: essa violência inaudita que sacudiu por todo o mundo o povo judeu, reavivando o trauma abissal da Shoah? Que dizer do horror dos reféns, retidos há dois anos – presume-se que em túneis em condições miseráveis – e da angústia diária dos seus familiares? Que dizer da história recente da Palestina e da tragédia inenarrável sofrida quotidianamente, há quase dois anos, pela população da Faixa de Gaza, jogada friamente pelas partes em confronto como outros tantos peões: pressão sobre a opinião pública mundial, por um lado, e sobre a consciência dos grupos armados, por outro? As palavras falham. A voz apaga-se.
O Papa Francisco fez questão em repetir que falava, diariamente, por telefone, com a pequena paróquia católica de Gaza, para que o tempo e a distância não se tornassem esquecimento. Por sua vez, o Papa Leão, na Audiência Geral da 4ª feira passada, reiterou a sua «profunda proximidade com o povo palestiniano em Gaza, que continua a viver com medo e a sobreviver em condições inaceitáveis, deslocado à força – mais uma vez – das suas próprias terras. Perante Deus Todo-Poderoso, que nos ordenou “Não matarás”, e perante toda a história humana, [lembremos que] cada pessoa tem sempre uma dignidade inviolável, a respeitar e a defender. Renovo o meu apelo a um cessar-fogo, à libertação dos reféns e a uma solução diplomática negociada, no pleno respeito pelo direito internacional humanitário. Convido todos a juntarem-se à minha sincera oração para que em breve amanheça a paz e a justiça.[1]
Resta-me lembrar uma palavra de autoridade maior ainda que nos chega do século primeiro da Era Comum. Antevendo a catástrofe das guerras judaicas contra o Império Romano, que levariam em breve à destruição de Jerusalém, Jesus de Nazaré – Mestre dos papas e meu – lembrou a visão de Isaías, segundo a qual Jerusalém havia de ser, um dia, vista pelo mundo como a cidade da Paz, lugar de oração para todos os povos. Mas logo chorou por ela não ter sabido aproveitar a oportunidade que então lhe era dada. Terá parecido política e religiosamente insensata a proposta profética de um carpinteiro da Galileia. O desafio que Jesus lançava parecia, ontem como hoje, demasiado louco, ingénuo ou radical: “Ouvistes o que vos foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, digo-vos: ‘Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus, e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores… Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.” (Mt 5,43-48)
2.000 anos depois, vimos em Gandhi, Luther King, Rabin, Sadat, Mandela e tantos outros a eficácia dessa loucura. Também em Israel, na Cisjordânia e em Gaza há quem a encarne, superando feridas deixadas pela Shoah e pela Nakba. São histórias que me chegam por entre o estrondo das armas, vindas de um e de outro lado do conflito: mulheres, homens e crianças com uma grandeza de alma assombrosa que se dedicam a cuidar da família – sua e de outros – a sarar os feridos, a dar de comer aos famintos, a perdoar os adversários, a tecer pacientemente laços de fraternidade. Felizes seremos se forem esses – pobres talvez de pretensões sociais e ideológicas, mas humanamente tão ricos – que venham a herdar a terra. São eles os construtores da paz. Chamar-lhes-emos, com propriedade, «filhos de Deus» pela esperança que em torno deles amanhece.
Padre Peter Stilwell
Director do Departamento das Relações Ecúmenicas e do Diálogo Inter-Religioso do Patriarcado de Lisboa
Texto lido a 19.09.2025, na “Sessão Pública pela Palestina”, no Grande Auditório do ISCTE, Lisboa
[1] Leão XIV, Audiência Geral, 17.09.2025.