Olhem para mim que sou muito bom!

Padre Miguel Neto, Diocese do Algarve

Foto Agência ECCLESIA/PR, Padre Miguel Neto – V Jornadas Nacionais da Pastoral do Turismo

Há muito tempo que, tal como a Joana Marques, tenho um sarcástico gosto por livros de autoajuda, ou, como atualmente se diz, Mental Coaching, livestling e Mindfullness.

Infelizmente, para mim, ao contrário da Joana Marques, nunca ganhei dinheiro exercendo a minha sátira sob estas “terapias”. Para além de achar que tudo não passa de um constante autoelogio e centralidade no ego e na forma de viver de quem os escreve, nada tenho, humanamente falando, contra o facto de a Cristina Ferreira encher o Meo Arena de pessoas, para a ouvir falar dela própria, com exemplo de superação e de quem lutou na vida para comprar sapatos, que custam quatro vezes o valor do ordenado mínimo em Portugal; nada guardo de negativo em relação ao Gustavo Santos, que vende livros “às pazadas”, com imensos clichés e frases fáceis, incentivando todos ao egocentrismo; nada me move desfavoravelmente no que toca à Escola “Armunia Viola”, apesar de não me interessar acender um lareira com a mente, nem despertar a criança inteira que não há mim; ou vejo o “entrepreneur” Gonçalo Maya como um óbice ao que seja, por querer impactar o mundo, vendendo batidos da Herbalife e “fazendo acontecer”, com entusiasmo.

Quem desconhece estes nomes, fá-lo por dois motivos: não ouve o “Extramente Desagradável” da Joana Marques na Radio Renascença e/ou mantém-se uma pessoa mentalmente saudável. Eu, da minha parte, há muito que penso que o excesso de positividade, de que o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han fala na sua obra Sociedade do Cansaço, me parece, simplesmente, estar a criar malefícios. Para Han, os danos da alma surgem de um excesso de positividade, presente em todas as esferas da sociedade contemporânea. Nesses discursos, predominam as mensagens de ação produtiva e as ideias de que todas as metas são alcançáveis. Ora, nem todos os objetivos são alcançáveis. E não nos podemos colocar, individualmente, como objeto de todos os objetivos do mundo. E este, por sua vez, não tem um eu/ser perfeito, sem sofrimento, sem Cruz, porque esta faz parte do nosso caminho para sermos felizes.

Na recente carta ao Povo de Deus, a propósito do fim dos trabalhos da primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, Francisco diz-nos o seguinte: “Queremos, com todos vós, dar graças a Deus pela bela e rica experiência que tivemos. Vivemos este tempo abençoado em profunda comunhão com todos vós. Fomos sustentados pelas vossas orações, trazendo connosco as vossas expectativas, os vossos questionamentos, e também os vossos receios.” Na vida não há só certezas e felicidade. Há questionamentos e receios. Eu tenho receio que a espiritualidade cristã esteja a ser substituída por uma filosofia descartável, imediata, sem mudança de vida, de acordo com o Evangelho, centrada numa existência onde a felicidade instantânea é mais importante, do que o Bem Comum.

E a Igreja Católica deve interrogar-se sobre como apresentar a sua mensagem, como comunicar e quem deve estar no centro dessa comunicação, para que continue a responder aos verdadeiros anseios das pessoas de hoje. Defendo, veementemente, que não deve ser através de rituais anacrónicos, tradicionalistas, que defendem o permanente regresso ao passado, mas, sim, por meio da formação de verdadeiros criadores e influenciadores digitais, pessoas que agora, durante o Sínodo, tanto e tão positivo trabalho fizeram neste sentido (atrevo-me a dar o exemplo de alguns, que fui acompanhando: os Padres Paulo Terroso e Tiago Freitas e a comunicadora Leopoldina Reis Simões), mostrando a mensagem que ali foi sendo trabalhada e debatida, explicando os significados dos passos, dos discursos, falando do Espírito Santo e de Cristo, com rasgos e perspetivas cristãs, úteis, ao quotidiano  da vida hodierna. Talvez, quando nos convençamos que se pode mostrar a todos que seguir Cristo é ser feliz já neste mundo, tenhamos encontrado os verdadeiros Mental Coaching, livestling e Mindfullness e, sem o sentido de “Olhem para mim que sou muito bom”, mas olhem para o mundo, que precisa que o transformemos num local bom!

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Agência ECCLESIA

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